Política

Foto de Lula com FHC causa incômodo no PSDB, anima PT e irrita entusiastas da 3ª via

Os ex-presidentes tiveram uma reunião casual, nesta sexta-feira (21), no apartamento do ex-ministro Nelson Jobim

Ex-presidentes FHC e Lula - Reprodução/Ricardo Stuckert

A publicação da foto dos ex-presidentes Lula (PT) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB), após dias de afagos mútuos, causou diferentes reações nos partidos de ambos ao longo desta sexta-feira (21) e aborreceu entusiastas de uma terceira via para a eleição presidencial de 2022.

Os diretórios nacional e paulista do PSDB emitiram notas em tom de desconforto com o encontro entre os outrora rivais políticos. Embora FHC não tenha declarado apoio a Lula no primeiro turno, ele tem dito em entrevistas que votará no petista, se for preciso, para derrotar Jair Bolsonaro (sem partido).

"Esse encontro ajuda a derrotar Bolsonaro, mas não faz bem a um potencial candidato do PSDB", disse o presidente nacional do PSDB, Bruno Araújo. Hoje o partido tem entre seus pré-candidatos os governadores de São Paulo, João Doria, e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, e o senador Tasso Jereissati (CE).

"Nossa característica é saber dialogar, inclusive com adversários políticos", continuou Araújo. "De toda forma, precisamos evitar sinais trocados a nossos eleitores. O partido segue firme na construção de uma candidatura distante dos extremos que se estabeleceram na democracia brasileira."

A seção paulista do PSDB, presidida pelo secretário Marco Vinholi, aliado de Doria, afirmou em nota que "o encontro de FHC com Lula tem caráter dentro da democracia, onde adversários políticos dialogam".

Ressaltou, no entanto, que "o PSDB trabalha uma alternativa para o Brasil capaz de liderar a retomada tão importante no país, frontalmente contrária aos retrocessos de Lula e Bolsonaro".

Na mesma linha, o deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG), que disputou a Presidência em 2014 e é crítico histórico do PT, manifestou-se pelo direito de FHC "de almoçar, jantar e tomar seu vinhozinho com quem ele escolher", mas frisou que os planos dos tucanos passam longe de aliança com Lula.

"Quanto à questão política, o PSDB deve continuar a busca de uma candidatura ao centro, e há sinais claros de que, além dos nomes colocados até aqui, o senador Tasso começa a considerar realmente uma candidatura. Lula nunca foi, e não acredito que será, uma opção para o PSDB", declarou Aécio.

O almoço dos ex-presidentes, que ocorreu no dia 12 de maio no apartamento do ex-ministro do STF e ex-ministro da Justiça e da Defesa Nelson Jobim, foi revelado por Lula na manhã desta sexta em uma publicação em suas redes sociais.

Os perfis do petista informaram que os dois "se reuniram para um almoço com muita democracia no cardápio" e "tiveram uma longa conversa sobre o Brasil, sobre nossa democracia, e o descaso do governo Bolsonaro no enfrentamento da pandemia".

Para afastar eventuais distorções sobre o significado do encontro, FHC afirmou horas mais tarde, em uma rede social, que seu gesto não significa apoio imediato à pré-candidatura de Lula.

"Reafirmo, para evitar más interpretações: PSDB deve lançar candidato e o apoiarei; se não o levarmos ao segundo turno, neste caso não apoiarei o atual mandante, mas quem a ele se oponha, mesmo o Lula", escreveu o tucano, que é presidente de honra do PSDB.

No PT, a aproximação com FHC foi comemorada como mais um passo de Lula rumo à construção da imagem de um candidato conciliador, que dialoga com forças políticas distintas e respeita adversários, características que ele tem procurado exaltar para se contrapor ao atual presidente.

Bolsonaro, em viagem ao Maranhão nesta sexta, , depois da revelação do encontro, atacou a reunião de seus dois opositores. Sem citar nomes, disse: "Falando em política, para o ano que vem, já tem uma chapa formada: um ladrão candidato a presidente e um vagabundo como vice".

A presidente nacional do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), reagiu: "Só mesmo Bolsonaro é incapaz de aceitar que dois ex-presidentes podem conversar civilizadamente sobre os graves problemas do país, como fizeram Lula e FHC".

"O Brasil quer voltar a debater o futuro pela política. O ódio e a mentira deram no que deram", escreveu Gleisi em uma rede social.

À reportagem o secretário nacional de comunicação do PT, Jilmar Tatto, disse que a foto é emblemática para a batalha de somar forças para "tirar o Bolsonaro", mas que considera "muito difícil" a aproximação evoluir para uma aliança eleitoral entre os dois partidos em 2022.

"O que poderia ser algo incômodo no passado hoje não é mais, porque Bolsonaro transformou o nosso país em pária internacional. Para derrotá-lo, vamos ter que fazer um movimento mais amplo em defesa da democracia, das instituições republicanas e, neste momento de pandemia, da vida."

Para Tatto, o diálogo entre os dois deve ser encarado como algo natural na boa política. "O Lula sempre foi amplo, democrático e conversou com todo o mundo. Mas não podemos ser ingênuos. Acho que eles [tucanos] vão insistir na terceira via", afirmou o ex-candidato a prefeito de São Paulo.

Nome relevante nas discussões da esquerda para 2022, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PC do B), disse em uma rede social considerar importante o diálogo entre os dois ex-presidentes, "independentemente de alianças eleitorais".
Para Dino, "trata-se de proteger a democracia ameaçada pela extrema direita bolsonarista".

Além de líderes do PSDB, outros políticos que trabalham pela fabricação de uma alternativa viável entre Lula e Bolsonaro revelaram, nos bastidores ou em público, descontentamento com a divulgação da foto pelo petista, acompanhada de um discurso que soa positivo para os interesses do PT.

Desde que recobrou o direito de se candidatar, em março, Lula iniciou uma abordagem a partidos e políticos de centro-direita, refez pontes com setores da esquerda e intensificou o contato com o mercado financeiro e as igrejas evangélicas, em esforço para se posicionar como moderado.

O presidente nacional do Cidadania, Roberto Freire, que sonha em filiar o apresentador Luciano Huck e transformá-lo nessa opção distante dos dois pólos, tratou o episódio como "grave equívoco" em meio às costuras para levantar um nome competitivo do autoproclamado centro.

"Gesto de civilidade e educação o de FHC, que há 20 anos é tratado por Lula/PT como um estorvo nacional. Mas, politicamente, não me parece ajudar em nada a construção de uma alternativa democrática para os que rejeitam a opção entre Lula e o fascista Bolsonaro. Grave equívoco", afirmou.

FHC é uma peça com influência sobre os artífices da terceira via, que hoje orbitam em torno de nomes como Doria, Leite, Tasso, Huck, o ex-juiz Sergio Moro (sem partido), o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), o empresário João Amoêdo (Novo) e o ex-ministro Ciro Gomes (PDT).

Em declarações nos últimos dias, o ex-presidente da República repetiu defender a articulação de uma candidatura alternativa às de Bolsonaro e Lula, mas afirmou que, diferentemente do que fez em 2018, não anulará seu voto e escolherá o petista se ele for ao segundo turno contra o atual mandatário.

Segundo pesquisa Datafolha divulgada na semana passada, Lula lidera a corrida eleitoral de 2022, com 41% das intenções de voto no primeiro turno, contra 23% de Bolsonaro. Em um eventual segundo turno, o petista levaria ampla vantagem, com uma margem de 55% a 32%.