Solidariedade tem ajudado centenas de pessoas durante a pandemia em Pernambuco
Voluntários fazem do amor ao próximo um estilo de vida permanente
Há mais de um ano, a palavra ‘pandemia’ entrou de vez no vocabulário mundial. A declaração sobre a dimensão que o novo coronavírus tomou foi realizada no dia 11 de março de 2020 pela Organização Mundial da Saúde, quando 114 países registravam 118 mil casos confirmados de Covid-19 e aproximadamente 4,3 mil mortes. À época, o Brasil tinha confirmados 34 casos de infecção, ainda sem registros de óbitos. Hoje, o País se aproxima dos 16 milhões de casos e já ultrapassa as 440 mil vítimas fatais.
Em meio a um cenário tão desolador, histórias de solidariedade e amor ao próximo reacendem a esperança de quem deseja manter a fé no futuro e acreditar que dias melhores estão por vir. No estado de Pernambuco, não é difícil encontrar pessoas dispostas a ajudar o outro e a doar um pouco de si, do seu tempo e das suas condições materiais em prol daqueles que mais precisam.
“Pernambuco é um estado muito forte nessa parte de solidariedade. A gente tem muitos grupos, muitas pessoas, realmente, que estão diariamente dedicadas ao outro, a fazer o bem”. A fala é da contadora Ana Rogéria Coelho, idealizadora do projeto Ajudar PE, que divulga a atuação de diferentes ações sociais existentes no Estado.
Criado em 2016, o Ajudar surgiu exatamente da necessidade que Ana e mais duas amigas, Ana Paula Accioly e Cássia Pereira, também contadoras, sentiam de apoiar o próximo e da dificuldade que tiveram em encontrar, nas redes sociais, organizações filantrópicas atuantes em Pernambuco. “E aí a gente resolveu criar um perfil em que pudéssemos colocar grupos, ONGs, que têm credibilidade e assim poder ajudar outras pessoas a encontrar grupos que eles possam ter a confiança de ajudar. Então, nós somos parceiros do bem, a gente é elo entra quem precisa de ajuda e quem quer ajudar”, explicou.
Com mais de 5.500 seguidores, o perfil do projeto no Instagram (@ajudarpe) é o principal canal onde essas duas pontes do elo se encontram. Lá, são divulgadas ações de diferentes nichos sociais e apresentados os resultados das diferentes campanhas. “Nossas causas são todas as causas. A gente se envolve na causa animal, de pessoas em situação de rua, em causa do Sertão, em causa de pessoas com doenças, doação de sangue, os nichos de idosos, asilos e creches”, comentou Ana Rogéria. “A gente não só divulga, como fomenta, pede doação, participa como voluntárias também, porque queremos mostrar que aquilo que estamos fazendo e falando realmente acontece. A questão da transparência é muito importante”, acrescentou.
No início da pandemia, uma das ações do Ajudar PE foi para apoiar a produção de um item de proteção indispensável: as máscaras faciais. “Estava uma grande escassez de máscaras e um grupo estava com a ideia de confeccioná-las, sendo que eles não tinham apoio, não tinham contato, e a gente começou a divulgar para conseguir costureiras voluntárias. Nossa, foi incrível, muitas costureiras, confecções, entraram em contato, todo mundo querendo ajudar. Foi muito mágico, a campanha ganhou uma proporção tão grande, foram mais de 50 mil máscaras para ajudar os hospitais públicos”, lembrou.
Foi também durante a pandemia que surgiu um novo projeto social na capital pernambucana: o Reintegra Recife. A proposta, como conta o diretor industrial Gustavo do Vale, um dos fundadores do grupo, é reintegrar a população em situação de rua ao mercado de trabalho. Aliado a isso, o projeto distribui, de segunda a quinta, kits de café da manhã pelas ruas da cidade. “A gente identificou que existe uma carência de pessoas que vivem em situação de rua em receber o café da manhã, durante a noite têm muitos projetos que atuam. E o nome do Reintegra surgiu porque, nesses formatos de ronda, a gente conheceu algumas pessoas que estavam numa situação de rua por uma fatalidade ou desemprego, algo gerado pela pandemia”, comentou. O grupo atua em três equipes, que entregam 100 kits cada, em áreas do centro do Recife, em Boa Viagem e também em Olinda. Os voluntários iniciam as rondas por volta das 5h30 da manhã e seguem por aproximadamente duas horas.
De julho do ano passado para cá, destaca Gustavo, cinco pessoas em situação de rua foram reintegradas ao mercado de trabalho por meio da atuação do projeto, que conta com o apoio de psicólogos. Após a identificação da possível reintegração, o grupo ajuda o então morador de rua a obter uma estadia provisória. “A gente faz a desintoxicação, tira a pessoa desse contexto de rua e consegue um local para ela ficar um ou dois meses, até ela ter uma autonomia para se manter”.
Dentro do projeto, aliás, também há o braço Reintegra Saúde, em que duas vezes ao mês, médicos e profissionais da área acompanham o grupo e prestam atendimento humanizado à população em situação de rua. É durante as rondas, ainda, que são identificadas as atuais demandas, como os pedidos por cobertores e agasalhos, devido ao período de frio e chuvas. Inclusive, como explica Gustavo do Vale, doações desses itens podem ser deixadas no Por Elas Brechó, no bairro das Graças [veja o endereço completo abaixo], novo parceiro do projeto.
Garantir o cobertor de quem sofre com o frio nas ruas é também a campanha idealizada pelas professoras Amanda Freire, Ana Beltrão e Valderêz Costa, no Colégio Adventista do Recife, junto aos alunos do 3º Ano do Ensino Fundamental. “Os alunos estão radiantes. Todo dia eles querem falar sobre a ação. Um até falou o seguinte: ‘Ontem, quando eu fui dormir, estava bem quentinho e eu lembrei dos moradores, fiquei só pensando neles’. Então, eles já estão bem sensíveis, né? E esse é o sentido do projeto, para que a gente possa transformar essas crianças em pessoas que amam mais”, comentou Amanda.
Ela completou:” A gente vê tantos adultos tão egoístas, que não têm esse sentimento de amor ao próximo, e trabalhar isso desde a infância é importante, de pensar no próximo, de se colocar no lugar do outro. Então, tem sido um momento de muita reflexão para eles”. A iniciativa, inclusive, se estendeu para toda a escola e qualquer pessoa também poderá fazer doações no ponto de recebimento que será montado nos dias 26, 27 e 28 de maio em frente à instituição, no bairro de Santo Amaro.
Desde 2015, o projeto Pão Nosso de Cada Noite atua na Região Metropolitana do Recife. Atualmente, são distribuídas todas as terças-feiras cerca de 350 marmitas com jantar para a população em situação de rua e, quinzenalmente também são entregues materiais de higiene. “Eu não consigo ver uma pessoa na rua e ser indiferente a necessidade dela. O certo seria que não existisse [população em situação de rua] e a gente não precisasse desse trabalho. Mas eles são muitas vezes invisíveis, então a gente precisa dar visibilidade, um pouco de dignidade, uma comida quente, uma palavra amiga, uma conversa”, comenta a coordenadora do projeto, Adriana Bragagnolo.
Com a pandemia os cuidados com a segurança e higiene entre os projetos sociais multiplicaram e os voluntários estão atentos às medidas de proteção, inclusive higienizando com álcool em gel as mãos da população que recebe as doações. No entanto, outra triste realidade também multiplicou. “O que aconteceu é que até a pandemia a gente atendia basicamente morador de rua. Depois da pandemia, especialmente depois que acabou o auxílio emergencial, a gente tem atendido também famílias na rua, que você vê que é aquela pessoa que tem casa, porém não tem comida”, analisou Adriana.
Na Rua Capitão Lima, em Santo Amaro, no Recife, funciona há um ano o projeto Rua do Bem, que distribui nas noites de segunda a sexta marmitas para a população em situação de vulnerabilidade. A iniciativa conta com o apoio da Paróquia Nossa Senhora da Piedade, que sedia o espaço onde são preparadas as refeições. “Esse movimento nasceu num período de muita insegurança com relação ao futuro, em meados de abril de 2020, em meio a pandemia que assolava o mundo”, explicou o advogado Bruno Brasileiro, um dos idealizadores.
A administradora Mary Berenstein reverteu a renda do Bazar do Bem, evento anual que promove, para as ações desenvolvidas no projeto. “Eu sempre tive essa percepção na minha vida, que quando você dá alguma coisa de bom para alguém, você dá para você. Quando eu vejo que estou matando a fome de alguém, não tem preço”. A assistente social Luciolla Menezes é uma das organizadoras da Rua do Bem: “A gente serve no mínimo 150 refeições por dia”. As arquitetas Gisele Carvalho e Sheila Camargo também são voluntárias na ação. “Eu acho que a pandemia sensibilizou muita gente para fazer algo para ajudar”, comentou Gisele. “Para mim isso é muito importante, porque a gente está aqui para servir ao próximo”, acrescentou Sheila.
A dona de casa Jéssica Ramos da Silva, de 30 anos, mãe de cinco filhos, costuma ir diariamente ao local. “Eles ajudam muito a gente com essa comida”, afirmou. Morador em situação de rua há sete anos, José Ivaldo, 54, também encontra na solidariedade a fonte de seu alimento: “Eu passei uma fase muito difícil na vida, onde vim morar nas ruas. Eu trabalhava como vigilante, fiquei desempregado e as empresas já não estavam mais admitindo muito pessoas da minha idade”, disse.
Milca Ribeiro idealizou o projeto Quarentena Solidária - Foto: Divulgação
A empreendedora Milca Ribeiro idealizou ao lado da amiga Elianei Lima, em março do ano passado, o projeto Quarentena Solidária para ajudar mães de comunidades do Recife e Cabo de Santo Agostinho que tiveram seus trabalhos e rendas comprometidos durante a pandemia. "São mulheres que trabalham como diaristas, ambulantes, autônomas, artesãs, etc., e estavam impossibilitadas de trabalhar durante o período de isolamento social”, explicou Milca. Segundo a empreendedora, mais de 170 famílias foram beneficiadas através do projeto, que precisou ter uma pausa devido a razões de saúde. Agora, o objetivo é retomar as campanhas de doação: “Eu costumo dizer que voluntariado não é só uma palavra, é amor, dedicação e também ação. Através da solidariedade podemos transformar a realidade de vida de outras pessoas e isso é algo que quero poder fazer sempre durante minha vida”.
Quem também tem esse senso voluntário e solidário é a escritora Iaranda Barbosa, professora da Universidade Federal de Pernambuco. Ao lado de familiares, amigos e pessoas que aderem às doações por meio das redes sociais, ela tem ajudado a amenizar as dificuldades de muitas famílias. Em março, organizou a “Campanha para as Mulheres do Lixão de Carpina”, com o objetivo de arrecadar itens de higiene pessoal e, graças à quantidade de doações (que também contou com material de limpeza, roupas, calçados e cestas básicas) permitiu ajudar ainda três comunidades em Igarassu, pessoas do interior que estavam internadas em hospitais e mulheres que dormem na praça do Carmo, em Olinda.
Uma das ações permanentes encabeçada pela professora, aliás, é voltada para a comunidade do Quilombo, em Igarassu. Ao lado da moradora Valéria Alves, liderança comunitária responsável por cadastrar as famílias atendidas, ela segue buscando apoio para a região. “Materiais de construção são muito bem-vindos. Já houve bazar para arrecadar dinheiro para construir banheiros, pois nem todos possuem esse cômodo dentro de casa, e às vezes nem fora”, disse. No último ano, cerca de 250 famílias foram apoiadas tanto em Igarassu como em outras cidades. “As doações são contínuas e ininterruptas, pois cada vez mais, devido, sobretudo, à pandemia, o número de pessoas em situação de rua, sem alimentos ou o mínimo possível para a sobrevivência aumentou exponencialmente”, finalizou.
Como ajudar
Ajudar PE
Perfil no Instagram: @ajudarpe
Ação que divulga a atuação de projetos sociais em Pernambuco. Grupos que precisam de ajuda e pessoas dispostas a ser voluntárias ou contribuir com alguma organização podem entrar em contato por meio do perfil no Instagram ou por e-mail (ajudarpe@gmail.com).
Pão Nosso de Cada Noite
Perfil no Instagram: @paonossodecadanoite
Projeto social que desde 2015 distribui jantar para moradores em situação de rua. As entregas são feitas nas noites de terça-feira. Quinzenalmente também são entregues Kits de higiene. Para ajudar com doações de materiais, entrar em contato pelo perfil no Instagram e combinar local de entrega. PIX/Celular: 81999262570.
Reintegra Recife
Perfil no Instagram: @reintegrarecife
Projeto social voltado para a reintegração da população em situação de rua ao mercado de trabalho. Distribui de segunda a quinta kits de café da manhã no centro do Recife, em Boa Viagem e Olinda. Telefone: (81) 99999-0632. PIX: 05286779425. Doações de agasalho no Por Elas Brechó (Rua Abelardo, nº 54, Graças).
Projeto Rua do Bem
Perfil no Instagram: @projetoruadobem
Projeto social que distribui de segunda a sexta, na Rua Capitão Lima, no bairro de Santo Amaro, jantar para a população em situação de rua ou vulnerabilidade. Para ajudar, entrar em contato pelo perfil no Instagram.
Campanha do Agasalho
Realização: Colégio Adventista do Recife
Recebe doações de lençóis, cobertores e agasalhos nos dias 26, 27 e 28 de maio, no ponto montado em frente à instituição (Rua Gervásio Pires, nº 700, Santo Amaro). O material será distribuído entre moradores em situação de rua no dia 6 de junho.
Quarentena Solidária
Perfil no Instagram: @solidariaquarentena_
Iniciativa voltada para ajudar mães do Recife e Cabo de Santo Agostinho que tiveram seus trabalhos e rendas comprometidos durante a pandemia. Busca apoio para realizar uma nova temporada de doações. Mulheres interessadas em saber como obter ajuda e pessoas que desejam contribuir podem entrar em contato pelo perfil no Instagram ou pelo e-mail solidariaquarentena1@gmail.com.
Comunidade do Quilombo
Local: Igarassu
A professora Iaranda Barbosa organiza ações ao lado da moradora Valéria Alves, liderança comunitária, para apoiar moradores da região com doações, por exemplo, de roupas, alimentos e materiais de higiene. Para ajudar, é possível entrar em contato pelo e-mail contatoiarandabarbosa@gmail.com.