Secretária defende cloroquina à CPI e contradiz versões de Pazuello sobre tratamento e crise em AM
A secretária, que é médica, presta depoimento à CPI da Covid nesta terça-feira (25) munida de um habeas corpus concedido pelo STF
Em depoimento à CPI da Covid-19, a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, fez defesa ferrenha do uso da hidroxicloroquina, medicamento sem eficácia comprovada para tratamento da Covid-19, e admitiu que a pasta federal orientou médicos de todo o país para que adotassem o tratamento precoce.
Conhecida como "Capitã cloroquina", Mayra também apresentou versões que conflitam com as apresentadas à comissão na semana passada pelo ex-ministro Eduardo Pazuello, em particular sobre a crise em Manaus e a plataforma TrateCov.
A secretária, que é médica, presta depoimento à CPI da Covid nesta terça-feira (25) munida de um habeas corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal. Ele lhe garante o direito de permanecer em silêncio em perguntas sobre os fatos de dezembro do ano passado e janeiro, quando houve o colapso do sistema de saúde de Manaus, em face da segunda onda da pandemia.
Mayra é investigada em ação que corre em segredo de Justiça do Amazonas. Ela confirmou ter informado à Secretaria de Saúde do Amazonas que era "inadmissível" não adotar a orientação da pasta.
A secretária foi questionada sobre o tema pelo relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL). O senador leu trecho de um ofício encaminhado ao Amazonas no qual estimulava a gestão municipal a usar as drogas orientadas pelo Ministério da Saúde.
"Aproveitamos a oportunidade para ressaltar a comprovação científica sobre o papel das medicações antivirais orientadas pelo Ministério da Saúde, tornando dessa forma inadmissível, diante da gravidade da situação de saúde em Manaus, a não adoção da referida orientação", diz trecho do documento lido por Renan.
Mayra ainda afirmou à CPI que a diretriz do ministério não valia apenas para os médicos amazonenses. "A orientação para tratamento precoce é para todos os médicos brasileiros, não só para Manaus", disse a secretária.
Ela também defendeu pessoalmente a hidroxicloroquina. Disse que, como médica, mantém a orientação "de que a gente possa usar todos os recursos possíveis para salvar vidas". Por outro lado, disse que nunca recebeu ordens para propagar o medicamento.
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"Nunca recebi ordens, e a indicação desses medicamentos não é iniciativa minha pessoal", afirma.
Ela depois ainda afirmou que a cloroquina e outros medicamentos foram "criminalizados", com a publicação de dois estudos acadêmicos.
"A gente teve um grande prejuízo à humanidade de pessoas que poderiam não ter sido hospitalizadas e não terem ido a óbito se a gente não tivesse criminalizado duas medicações antigas, seguras e baratas, que poderiam ter sido disponibilizadas e prescritas pelo médico", disse.
A defesa da cloroquina foi rebatida pelo senador Otto Alencar (PSD-BA), que é médico. O senador afirmou que a hidroxicloroquina é um antiparasitário e que portanto não há estudos conclusivos para tratar doença causada por vírus.
"Não tem nenhum estudo que possa demonstrar que foi feita a primeira, segunda, terceira e quarta fase. Além disso, doutora, todos esses estudos têm que ser acompanhados do ponto de vista farmacológico, farmacodinâmico e farmacocinético, para saber como a droga no organismo do paciente desenvolve sua ação. Hidroxicloroquina não é antiviral em estudo sério nenhum no mundo", afirmou.
"Essa insistência de permanecer no erro não é virtude, doutora, é defeito de personalidade. Não é da senhora, não, eu estou me referindo até ao presidente da República", completou.
A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) questionou posteriormente se a secretária se incomodava de ser chamada de "capitã cloroquina". Mayra Pinheiro afirmou que não era adequado, mas indicou que o problema não era a cloroquina e sim a patente militar.
"Apenas não acho o termo adequado, porque não sou uma oficial de carreira militar. Sou uma médica conceituada no meu estado. Então prefiro ser chamada de Mayra Pinheiro", afirmou.
Em seu depoimento, a secretária também contradisse versões dadas por Pazuello, em especial sobre o colapso do sistema de saúde de Manaus. Apresentou, por exemplo, uma data diferente em que o Ministério da Saúde tomou conhecimento de problemas da falta de oxigênio, que resultou na morte de pessoas asfixiadas.
A secretária afirmou que o Ministério da Saúde tomou conhecimento dos problemas de falta de oxigênio medicinal em Manaus por meio de um email da empresa White Martins, que havia sido repassado pelas autoridades locais para a pasta.
Mayra afirmou que não foi informada do problema da falta de oxigênio no período em que esteve atuando em Manaus, em missão do ministério.
"Não houve uma percepção que faltaria. De provas, é que nós tivemos uma comunicação por parte da secretaria estadual que transferiu para o ministro um email da White Martins dando conta que haveria um problema de abastecimento", respondeu.
"O ministro teve conhecimento do desabastecimento de oxigênio em Manaus creio que no dia 8 [de janeiro], e ele me perguntou: 'Mayra, por que você não relatou nenhum problema de escassez de oxigênio?'. Porque não me foi informado", disse à CPI.
Em depoimento à comissão, Pazuello disse que foi informado do problema apenas na noite do dia 10 de janeiro.
No dia 7 de janeiro, a White Martins enviou email à Secretaria de Saúde do Amazonas na qual informou que não tinha quantidade suficiente de oxigênio para suprir a demanda do estado. No mesmo email, a White Martins aponta o nome de outro concorrente, Carboxi, que poderia ter a carga necessária, segundo documento a que o jornal Folha de S.Paulo teve acesso.
A secretária de Gestão do Trabalho e da Educação ainda afirmou à CPI da Covid que o aplicativo Tratecov foi alvo de uma extração de dados, e não um hackeamento, como afirmou Pazuello na semana passada.
Segundo Mayra, a constatação de que houve uma extração de dados foi o que levou o ministério a tirar o dispositivo do ar. Pazuello disse o mesmo na semana passada.
Ao contrário do que disse o ex-ministro, porém, Mayra frisou em depoimento nesta terça que não houve alterações no aplicativo porque ele era seguro. A retirada do ar foi feita para que houvesse uma investigação.
Já Pazuello afirmou na semana passada à CPI que o aplicativo foi manipulado e colocado no ar pelo hacker.
"Ele [o hacker] pegou esse diagnóstico, botou, alterou, com dados lá dentro, e colocou na rede pública. Quem colocou foi ele; tem todo o boletim de ocorrência. Eu vou disponibilizar para os senhores", disse Pazuello.
Nesta terça, Mayra disse que o laudo da perícia no aplicativo mostra não ter havido hackeamento.
"Ele não conseguiu hackear. Hackear é quando você usa a senha de alguém. Foi uma extração indevida de dados. O termo usado [por Pazuello] foi um termo de leigos", tentou justificar. "O que ele [a pessoa que inspecionou o aplicativo] fez foram simulações indevidas, fora de contexto epidemiológico", disse Mayra.
Segundo a secretaria, o Tratecov servia como uma plataforma para auxiliar médicos no diagnóstico da Covid. De acordo com senadores, no entanto, o aplicativo também receitava cloroquina para crianças e adolescentes.
"Estamos organizando para que ele possa ser utilizado", disse Mayra, após ser cobrada pelo presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), pelo fato de estar fora do ar uma iniciativa que poderia ajudar no combate ao coronavírus.
A fala sobre o Tratecov é uma das 11 contradições da secretária que foram apontadas pelo relator da CPI, Renan Calheiros.
Ele também indicou a declaração em que a secretaria disse que não era possível prever a quantidade de oxigênio que deveria ser usado na crise em Manaus. Em outro momento do depoimento, Mayra afirmou que era sim possível fazer o cálculo por meio do prognóstico de hospitalizações.
No início da sessão, Renan provocou grande polêmica ao fazer um paralelo entre a situação atual da pandemia do novo coronavírus e o período do nazismo na Alemanha.
Renan citou o tribunal de Nuremberg, que julgou dirigentes nazistas por seus crimes. "O tribunal da história é implacável", disse.
"Não podemos dizer ainda que houve genocídio. Mas podemos dizer que há sim uma semelhança assustadora, uma semelhança terrível, uma semelhança tenebrosa no comportamento de algumas altas autoridades que testemunharam aqui na CPI e o relato que acabei de ler sobre um dos marechais no nazismos no tribunal de Nuremberg", afirmou.
A fala provocou reação imediada de senadores governistas, que afirmaram que haveria um pré-julgamento e um paralelo "absurdo", segundo descreveu o líder do governo, Fernando Bezerra (MDB-PE). Houve um princípio de tumulto.