Em alta, cerâmica artesanal congrega tradição e contemporaneidade
Destaque em restaurantes, utilitários de ateliês pernambucanos ganham a atenção de compradores
Uma das tecnologias mais antigas da humanidade, a cerâmica acompanha a história das civilizações. Ao longo dos séculos, diversas culturas queimaram a argila na fabricação de utilitários, objetos decorativos ou figuras de devoção, utilizando diferentes técnicas e materiais. É um tipo de trabalho manual que sobreviveu ao avanço tecnológico e encontra, neste presente “instagramável”, olhares cada vez mais desejosos.
Tendo em vista que compartilhar fotos de comida nas redes sociais é hoje quase um esporte, ter uma bela louça como moldura se tornou essencial. Os restaurantes mais prestigiados do Recife e redondezas já se deram conta dessa tendência há tempos e investem em peças artesanais, que dão todo um charme para o que é servido. A clientela, por sua vez, não tem se contentado com apenas um clique, levando para dentro de casa o mesmo tipo de utensílio.
Não é à toa, portanto, o surgimento recente de novos ateliês com foco maior na produção de utilitários. Segundo a ceramista Karina Pontes, da Oush! Decor (@oush_decor), a pandemia trouxe uma procura maior por objetos como pratos, tigelas e xícaras. “Com o isolamento, muita gente se voltou para dentro de casa. Foi impressionante a quantidade de encomendas e surfamos nessa onda”, afirma a artesã, que fundou a marca em janeiro do ano passado, junto com as sócias Christiane Thom e Idalina de Albuquerque Moura.
Quem antes via o trabalho com argila como um hobby passou a perceber o potencial econômico do oficial. É o caso da empresária Marcela Aguiar (@dibarroceramicas). Mesmo tendo feito um curso de modelagem manual em 2018, ela só passou a comercializar suas criações após a pandemia. “Antes eu só presenteava amigos e familiares. Com mais tempo em casa, passei a produzir muito e a juntar peças. Só em setembro resolvi abrir a Di Barro, apostando nas vendas online”, comenta a artesã, que já planeja a saída do escritório de casa para uma oficina própria.
Se por um lado não faltam compradores, por outro é preciso muito jogo de cintura para conseguir dar conta da demanda. Os ceramistas precisam driblar diversos desafios em seu ofício, que começam nos custos para a aquisição de matéria-prima de qualidade. “Pago frete em tudo o que uso na produção, porque vem de fora de Pernambuco. Isso interfere diretamente no meu preço final”, conta Mariana Viana, dona da MV Ceramic Studio (@mvstudioceramica).
A queima das peças é outro ponto que dificulta o trabalho dos artesãos. Muitos não possuem fornos próprios - que precisam funcionar em temperaturas altíssimas - e, por isso, acabam recorrendo a outros ateliês. Todo o processo de produção do objeto é demorado e pode levar semanas, já que envolve várias etapas de queima e secagem, além da modelagem e da esmaltação.
Oleiro: um mestre
“A cerâmica artesanal faz parte da história de alguns municípios de Pernambuco. No Cabo de Santo Agostinho e em Tracunhaém, essa tradição ficou muito marcada pelos utilitários, porque era o que se produzia para consumo nos antigos engenhos de cana de açúcar. Depois, isso se modificou, vindo também o figurativo”, explica a professora universitária Ana Andrade, coordenadora do Laboratório O Imaginário, do departamento de Design da Universidade Federal de Pernambuco. Desde 2003, o grupo acompanha o trabalho de oleiros do Mauriti, no Cabo.
Uma das características do projeto desenvolvido no Centro de Artesanato do Cabo (@ceramicadocabo) é dar protagonismo aos oleiros. Quem antes replicava filtros e jarras em larga escala, agora assina suas próprias peças. Severino Antonio de Lima, o Mestre Nena, conta que trabalha em olaria desde os cinco anos de idade. Hoje, aos 56, comemora as mudanças. “Antigamente, trabalhava a semana todinha e, quando chegava o fim de semana, não tinha dinheiro nem para fazer feira. Sempre acreditei no que eu fazia e que as coisas iriam melhorar. Ainda bem, foi o que aconteceu”, compartilha.
Os longos anos de baixa remuneração, para Ana Andrade, desestimularam o surgimento de novos oleiros. “Os próprios ceramistas não queriam que os filhos frequentassem as olarias. Como é um tipo de conhecimento que passa de geração a geração, muita gente deixou de aprender”, aponta.
Karina Pontes afirma que um dos obstáculos para a expansão da Oush! é, justamente, a baixa oferta de profissionais no mercado. “Como é um processo totalmente manual, precisamos de mão de obra para que a gente consiga aumentar a produção. Tem gente que até esconde os seus oleiros. Nós tratamos eles como mestres nesse processo”, defende.