Substituir a floresta amazônica por grandes plantações comerciais eleva temperatura e reduz chuva
Já a ocupação com pequenas propriedades, embora também afete o clima da região, produz mudanças menos severas, revela uma nova pesquisa
Substituir a floresta por grandes plantações comerciais produz efeitos significativos sobre o clima local da Amazônia, criando áreas até 3°C mais quentes e com menos chuva. Já a ocupação com pequenas propriedades, embora também afete o clima da região, produz mudanças menos severas, revela uma nova pesquisa.
Os resultados, publicados em artigo no periódico científico PNAS, vêm do acompanhamento de áreas em Rondônia e Mato Grosso ao longo de três décadas (dos anos 1990 até meados dos anos 2010), e da comparação desses locais com regiões amazônicas que não sofreram desmate intenso.
A pesquisa foi coordenada pelo brasileiro Eduardo Eiji Maeda, que trabalha na Universidade de Helsinki, na Finlândia. Também assinam o estudo pesquisadores de instituições brasileiras e britânicas.
Maeda e seus colegas levaram em conta dois tipos bem diferentes de uso do solo na região amazônica (embora ambos tenham causado considerável devastação na floresta no período estudado). As áreas estudadas foram definidas como quadrados de 110 km2 de lado, e as duas já perderam cerca de 40% da vegetação nativa.
No entanto, enquanto a região analisada em Rondônia se caracteriza pela presença de propriedades relativamente pequenas (em média, de 54 hectares), pastagens e um pouco de agricultura familiar, a área de Mato Grosso tem grandes propriedades (média de 374 hectares, quase sete vezes maior) e foco no agronegócio- em 2018, 25% dela já tinha sido ocupada por grandes plantações de soja, milho e outros cultivos.
Quando comparada a áreas não desmatadas, a região estudada em Rondônia não teve mudanças significativas nas chuvas, enquanto a precipitação diminuiu no trecho de Mato Grosso com presença de grandes fazendas e agronegócio.
Por outro lado, a temperatura aumentou tanto nas propriedades menores de Rondônia (aumento médio de 1,05°C na estação chuvosa e 1,25°C na estação seca, com máxima 1,85°C a mais) quanto, mais acentuadamente, nas grandes fazendas de Mato Grosso (média 1,57°C e 2,11°C mais alta nas chuvas e na seca, respectivamente, e máxima 3,06°C mais alta).
"A floresta atua como uma bomba d'água, retirando o líquido da superfície da terra e jogando-o de volta para atmosfera", explica Maeda. "A água que retorna para a atmosfera muitas vezes volta para a floresta na forma de chuva. Quando a mata é removida, esse retorno é reduzido, e a energia não utilizada contribui para o aumento das temperaturas locais."
Com a floresta em pé, o processo lembra a transpiração dos seres humanos, cujo suor, ao evaporar, tende a reduzir a temperatura de sua pele. No caso da mata, a chamada evapotranspiração combina a transpiração das plantas e a evaporação da superfície, diz ele. Sem a cobertura florestal, portanto, é como se a região não "suasse" como deveria.
A análise feita pelos pesquisadores indica que o problema é particularmente sério nas áreas ocupadas pela lavoura de grande escala porque ela envolve a retirada de grande parte da vegetação do solo (no caso, os plantios comerciais) duas vezes por ano.
É um processo que altera a transpiração das plantas e reduz a umidade do solo de maneira severa, enquanto as pastagens e outros usos dados ao terreno nas propriedades menores ao menos mantêm o solo "coberto" durante o ano todo.
"Analisando a situação estritamente do ponto de vista biofísico, o pasto extensivo realmente seria 'menos pior', uma vez que as áreas são menos manejadas. No entanto, é preciso deixar claro que o problema é mais complexo. A criação extensiva de gado isso isso significa que áreas maiores precisam ser desflorestadas para obter a mesma produtividade de uma área de manejo intensivo. Portanto, é preciso haver um equilíbrio entre intensidade de manejo e produtividade", pondera o pesquisador brasileiro.
"O problema é que nem a monocultura de soja nem o pasto extensivo encontram esse equilíbrio. Por isso é importante abrir uma discussão sobre outras alternativas de produção, que consigam ter alta produtividade e, ao mesmo tempo, manter características biofísicas como alta cobertura vegetal", diz Maeda.
Um caminho seria integrar, nas áreas já desmatadas, a lavoura e o pasto tradicionais com sistemas agroflorestais (palmeiras, árvores frutíferas etc.), que não precisam ser derrubadas na colheita.