Cúpula da CPI deixa Pazuello de lado e irá focar investigação de gabinete paralelo
A apuração da CPI nos últimos dias reforçou a hipótese de existência de um gabinete paralelo, um centro de aconselhamento para temas da pandemia, fora da estrutura do Ministério da Saúde
A cúpula da CPI da Covid decidiu deixar momentaneamente de lado questões relativas ao ex-ministro da Saúde e general da ativa Eduardo Pazuello. O foco da investigação agora é o chamado "gabinete paralelo".
A nova tendência se dá após dois fatos. O primeiro é a decisão do Exército de não punir Pazuello por participar de ato ao lado de Jair Bolsonaro. O segundo é o ressurgimento de um vídeo de uma reunião no Planalto, transmitida no Facebook do presidente, na qual foi sugerido um "gabinete das sombras". Para o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), um novo depoimento de Pazuello agora se tornou dispensável.
"Ele vai fazer o que lá? Perder tempo? Pazuello tinha uma missão a cumprir, não tinha mais nada. O gabinete paralelo é que decidia a vida das pessoas, a hora que ia comprar vacina", afirma o senador.
Já o relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), diz que pretende marcar a data da convocação do ex-ministro, mas agora esta não seria mais uma prioridade do grupo.
"O objetivo da CPI também é dissuadir da prática nociva, que foi o que aconteceu naquele domingo [manifestação com Pazuello e Bolsonaro] no Rio de Janeiro, e dizer: 'Olha, não continue fazendo as mesmas coisas'. Havendo necessidade, vamos marcar, sem dúvida, mas não é uma prioridade da comissão, por isso não tem data ainda", diz.
Assim como Renan, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI, afirma que a não punição de Pazuello e o vídeo não se excluem e, por isso, será importante ouvir o ex-ministro novamente.
"Respeito a opinião do presidente Omar, mas os dois fatores [gabinete paralelo e Pazuello] têm a mesma prioridade. Com Pazuello, se efetivou esse gabinete paralelo. O que fica para nós patente é que o ex-ministro é um dos membros dessa estrutura negacionista, antivacina", afirma.
Os senadores haviam aprovado um requerimento para nova convocação do ex-ministro da Saúde no dia 26 de maio, após uma primeira participação na comissão em que congressistas afirmam que o militar mentiu. Renan Calheiros chegou a apresentar uma lista das mentiras ditas na oitiva.
A gota d'água que definiu sua reconvocação foi a participação no ato com aglomeração ao lado de Bolsonaro no dia 23 de maio. Na quinta-feira (3), o Exército anunciou que não vai punir o general.
Além disso, a apuração da CPI nos últimos dias reforçou a hipótese de existência de um gabinete paralelo, um centro de aconselhamento para temas da pandemia, fora da estrutura do Ministério da Saúde.
Primeiro o depoimento da médica Nise Yamaguchi, defensora da hidroxicloroquina, apontou reuniões no Planalto para tratar do tema. O tema voltou à tona com a nova veiculação, nesta sexta-feira (4), de um vídeo do ano passado.
No vídeo, em reunião com especialistas da área de saúde em 2020, o presidente recebeu a sugestão de criar uma espécie de "gabinete das sombras" para tratar da resposta oficial à pandemia da Covid-19.
"Talvez fosse importante montar um grupo, e a gente poderia ajudar a montar um 'shadow board', como se fosse um 'shadow cabinet'. Esses indivíduos não precisariam ser expostos à popularidade", disse Paolo Zanotto na reunião, ocorrida no Palácio do Planalto.
Zanotto é um dos especialistas que vêm aconselhando Bolsonaro desde o começo da crise, reforça a suspeita de que haveria uma espécie de "ministério paralelo" lidando com a Covid-19, fora da estrutura oficial da pasta da Saúde.
A Folha também mostrou nesta semana como lives de aliados de Bolsonaro detalharam a suposta atuação do "ministério paralelo" que assessora o governo federal no combate da pandemia da Covid-19.
Documentos da Casa Civil da Presidência da República entregues à CPI da Covid também revelaram que pessoas apontadas como integrantes de um "ministério paralelo" participaram de ao menos 24 reuniões para tratar de estratégias do governo.
"Ajuda a consolidar a percepção do gabinete paralelo", afirma o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), em referência ao vídeo.
Posição parecida tem o senador Otto Alencar (PSD-BA). "É a confirmação de tudo o que dissemos. Agora veio a prova cabal que [o deputado] Osmar [Terra] influenciava, que Nise influenciava, esse médico [Zanotto]. Por isso, Bolsonaro dizia 'não vamos comprar vacina'. Ele estava de cabeça feita", afirmou.
Randolfe afirmou que vai apresentar requerimentos para a convocação de Zanotto e também de Terra, para explicarem a participação no gabinete paralelo.
Caso aprovados, os requerimentos devem promover mudanças no cronograma, jogando ainda mais para o futuro uma definição sobre a oitiva de Pazuello, corroborando a visão de Aziz.
O novo depoimento do general na CPI ainda não tem data marcada. A comissão estabeleceu cronograma até o dia 18 deste mês, que terá o ministro Marcelo Queiroga, o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), e o ex-secretário-executivo da Saúde Élcio Franco, entre outros.
Senadores afirmam que o entendimento da cúpula do Exército para livrar Pazuello de punição, no entanto, não terá influência nos trabalhos da CPI.
O senador Humberto Costa (PT-PE) afirma que a comissão ouvirá o general como ex-ministro da Saúde, e não por sua atuação nas Forças Armadas.
"Não acho que devemos condicionar uma coisa à outra. O que ele fez como membro do Exército não é de interesse da CPI. A única discussão que cabe a nós sobre o ato com o presidente é a mentira. Ele disse que era defensor do afastamento social."
Ainda nesta sexta, Randolfe publicou em redes sociais que o governo ignorou 53 emails da Pfizer. "O último, datado de 2 de dezembro de 2020, é um email desesperador da Pfizer pedindo algum tipo de informação porque eles queriam fornecer vacinas ao Brasil", escreveu.
"Essa omissão na aquisição de vacinas da Pfizer acontecia ao mesmo tempo que o nosso Itamaraty pressionava a Índia para liberar cargas de hidroxicloroquina a uma empresa brasileira", disse.
Reportagem da Folha há duas semanas mostrou que o governo ignorou 10 emails da farmacêutica em um único mês.