Internacional

EUA serão 'arsenal de vacina' para salvar o mundo da pandemia, diz Biden

A doação de 500 milhões de doses do imunizante da Pfizer para cerca de 100 países mais pobres foi a vitrine para a estratégia do presidente americano nesta visita à Europa

Presidente americano Joe Biden, discursa sobre a pandemia COVID-19, em Cornualha - Brendan Smialowski / AFP

O presidente americano, Joe Biden, aproveitou o comunicado após seu primeiro encontro cara a cara com o premiê britânico, Boris Johnson, para apresentar os Estados Unidos como "o arsenal de vacinas" do mundo.

A doação de 500 milhões de doses do imunizante da Pfizer para cerca de 100 países mais pobres foi a vitrine para a estratégia de Biden nesta visita à Europa: apresentar o sistema democrático liberal dos EUA como alternativa preferível ao modelo autoritário chinês.

Até o final de maio, era a China que aparecia como "celeiro" de vacinas do mundo, com o maior número de doses exportadas. Saíram das fábricas chinesas para outros países mais de 263 milhões de doses, ou 35% de sua produção, enquanto os Estados Unidos haviam fornecido apenas 3 milhões, ou menos de 1% de sua produção.

Com a distribuição agora gratuita -e, como Biden fez questão de ressaltar, "sem contrapartidas"-, o presidente americano vira o jogo da chamada "diplomacia da vacina".

"Assim como a América foi um arsenal em defesa da democracia na Segunda Guerra Mundial, agora será um arsenal de vacinas para o mundo", disse o presidente, enumerando a seguir vários quesitos que mostrariam os EUA à frente da China.

"É a maior doação feita por um único país, com uma vacina de mRNA, que é extremamente eficaz contra a Covid", afirmou.

Imunizantes chineses hoje largamente usados em países mais pobres do mundo, como os desenvolvidos pela Sinovac e pela Sinopharm, usam uma tecnologia de produção mais simples, baseada no Sars-Cov-2 inativado (morto). Não é correto porém comparar a eficácia entre os imunizantes, pois os ensaios clínicos foram feitos sob parâmetros diferentes.

Biden disse também que acabar com a pandemia no mundo todo atendia a interesses americanos, porque reduzia o risco de aparecerem variantes mais letais ou mais contagiosas, propiciava um crescimento mais rápido da economia e evitava instabilidades políticas causadas pela crise sanitária.

Seguindo a estratégia de mostrar a democracia americana como um sistema bem-sucedido, citou também o crescimento de 6,9% projetado para este ano, a criação de 2 milhões de empregos em quatro meses, a vacinação de 64% dos adultos no país com ao menos uma dose e a reabertura de empresas e atividades.

Sobrou pouco espaço para falar de seu encontro bilateral com Boris ou de seus planos comuns com os outros líderes do G7, fórum de grandes nações industrializadas que faz reunião de cúpula neste final de semana. O presidente americano disse que, "sob a liderança do Reino Unido", o grupo apresentaria nesta sexta seu plano conjunto de combate à pandemia.

Em um breve comentário após a reunião com Biden, Boris disse que o encontro havia sido "um sopro de ar fresco", no qual os Estados Unidos haviam reafirmado sua intenção de colaborar em assuntos como defesa e ambiente. O presidente americano quer usar sua primeira viagem internacional para reatar ostensivamente os laços com seus aliados europeus, bastante estremecidos por ataques do ex-presidente Donald Trump.

No capítulo de colaborações, os dois líderes concordaram com uma nova "Carta do Atlântico" -em referência à declaração conjunta feita pelo primeiro-ministro Winston Churchill e pelo presidente Franklin Roosevelt em 1941, fixando seus objetivos pós-guerra.

A Carta do Atlântico original incluía acordos históricos para promover a democracia e o livre comércio, e foi precursora de organizações multilaterais como a ONU (Organização das Nações Unidas) e a Otan. A versão do século 21 deve focar esforços para a reconstrução pós-pandemia, a proteção do ambiente e o combate a ameaças globais contra democracias liberais, entre elas ataques cibernéticos e campanhas de desinformação.

Os dois países também prometeram reabrir o mais rapidamente possível as viagens entre o Reino Unido e os EUA, restritas a mais de 400 dias. A medida deve beneficiar cerca de 10 milhões de pessoas que faziam o trajeto entre os dois países por ano antes da pandemia.

Biden e Boris não deram entrevista conjunta após o encontro e evitaram falar do tema mais atritoso, o impacto do brexit na paz entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte estaria na pauta. O presidente americano ignorou o assunto em seu pronunciamento, e Boris disse que garantir o equilíbrio do processo de paz "é absolutamente terreno comum e estou otimista de que podemos fazer isso".

Segundo o jornal britânico Times, os EUA fizeram um protesto formal -conhecido como démarche diplomática-, dizendo ao ministro britânico do brexit, David Frost, que o governo britânico estava inflamando tensões ao não seguir seu acordo de retirada da União Europeia.

Parte fundamental do compromisso firmado entre os ex-parceiros de mercado único, o protocolo da Irlanda do Norte tinha como objetivo evitar uma fronteira dura -com controles, verificação sanitária e fiscalização aduaneira- entre as duas partes da ilha da Irlanda.

Mas, como a Irlanda é parte da UE e a Irlanda do Norte deixou de ser, mercadorias britânicas precisariam ser checadas antes de entrar na ilha, na passagem do mar da Irlanda, o que Boris diz ser impossível.

Apesar das declarações otimistas de Boris após o encontro com Biden, pela manhã a oposição entre Reino Unido e União Europeia continuava firme e transparente. O ministro do Comércio do Reino Unido, Greg Hands, disse que o Reino Unido estava "absolutamente de acordo" em preservar o processo de paz. "Mas, para isso, é necessária uma abordagem mais pragmática da União Europeia em termos de como interpreta o protocolo", disse ele.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula van der Leyen, afirmou que a UE está disposta a ser flexível, mas que não abrirá mão do que foi assinado por Boris no acordo de retirada: "Não haverá fronteira dura na Irlanda e o Reino Unido será tratado como um terceiro país. Os bens que entram na UE serão controlados, porque temos que proteger o mercado comum".

Além das nuvens negras que pairam sobre o divórcio entre Reino Unido, a meteorologia desta quinta estragou a brisa de ar fresco do premiê britânico. Nublado e chuvoso, o clima impediu o passeio de Boris e Biden ao Monte de São Miguel, uma península da costa sul inglesa que vira uma ilha quando a maré está alta.

O castelo que domina a paisagem seria o cenário do encontro bilateral, enquanto as mulheres dos líderes, Jill Biden e Carrie Symonds, visitariam o cais, o vilarejo e os jardins. A reunião acabou sendo na baía de Carbis, na Cornualha, que vai também sediar a cúpula do G7, de sexta a domingo.