Inquérito aponta mais de mil acessos de perfis falsos ligados aos Bolsonaros e aliados
Essas contas foram acessadas 1.045 vezes de computadores em órgãos públicos
Assessores ligados ao senador Flávio Bolsonaro, ao deputado federal Eduardo Bolsonaro e a outros legisladores bolsonaristas estão por trás de contas inautênticas no Facebook e no Instagram usadas para atacar opositores do governo e integrantes do Supremo Tribunal Federal, além de fazer propaganda do presidente Jair Bolsonaro.
Essas contas foram acessadas 1.045 vezes de computadores em órgãos públicos, incluindo Senado, Câmara dos Deputados, Câmara Municipal do Rio de Janeiro, Presidência da República e Comando da Brigada de Artilharia Antiaérea.
As informações constam de relatório da Polícia Federal referente ao inquérito dos atos antidemocráticos.
A investigação, analisada pelo Laboratório Forense Digital do Atlantic Council, apontou que duas contas inautênticas de Instagram, SnapNaro e TrumpWeTrust, usavam endereço IP conectado à assinatura de provedor de internet no nome de Fernando Nascimento Pessoa, assessor parlamentar lotado no gabinete do senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ).
Outra conta inautêntica, a DiDireita, usava a mesma conexão de internet. As contas postavam propaganda pró-Bolsonaro e ataques a opositores.
Segundo a PF, há duas hipóteses -ou os administradores das contas inautênticas se reuniam no endereço de Pessoa, ou ele era dono de duas a cinco contas inautênticas.
Se a primeira hipótese estiver correta, diz o relatório, é provável que Pessoa também fosse o administrador das contas "Tudo é Bolsonaro", "Porque o Bolsonaro?", registradas com o mesmo email, e "Snappressoras", acessadas pelo endereço IP ligado ao assessor.
Em julho do ano passado, o Facebook removeu 35 contas, 14 páginas e um grupo no Facebook, além de 28 contas no Instagram, por comportamento inautêntico.
Segundo a empresa, são "grupos de contas e páginas que trabalham em conjunto para enganar as pessoas sobre quem elas são e o que estão fazendo".
De acordo com o Facebook, as contas se encaixavam na categoria "operações executadas por um governo para atingir seus próprios cidadãos. Isso pode ser particularmente preocupante quando combinam técnicas enganosas com o poder de um Estado."
Juntas, elas tinham 883 mil seguidores no Facebook e 917 mil no Instagram.
As contas derrubadas veiculavam conteúdo a favor de Bolsonaro e ataques contra opositores e a mídia, principalmente o governador de São Paulo, João Doria (PSDB-SP), e o então presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, além de campanhas pedindo intervenção militar e o fechamento do STF.
As contas Tercio Arnaud Tomaz e Bolsonaro News, ligadas a Tercio Arnaud, assessor especial de Bolsonaro, foram acessadas 405 vezes da Presidência da República e 15 vezes do Comando da 1ª Brigada de Artilharia Antiaérea.
Arnaud trabalhou no gabinete do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) antes de ocupar o cargo na Presidência. É apontado como líder do chamado "gabinete do ódio", estrutura do Palácio do Planalto que seria usada para mensagens de difamação.
As contas ligadas a Arnaud, como a Bolsonaro News, também foram acessadas da conexão de internet em nome da primeira-dama Michelle Bolsonaro, de acordo com o inquérito. A Bolsonaro News chegou a ter mais de 505 mil seguidores.
A Bolsonaro News e a Tercio Arnaud, além da Bolsogordos, a Bolsofeios e a Eduardo Guimarães, ligadas a Carlos Eduardo Guimarães, assessor parlamentar de Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), foram acessadas 308 vezes na Câmara dos Deputados.
Na época em que as contas foram banidas, em julho de 2020, levantamento do Atlantic Council em parceria com o Facebook já indicava ligação direta de Tércio Arnaud com o esquema de contas falsas nas redes sociais.
Ele foi apontado como responsável por parte dos ataques a opositores de Bolsonaro, como ao ex-ministro Sergio Moro na sua saída do governo e a integrantes de outros Poderes, e por difundir desinformação em temas como a Covid-19.
Segundo o levantamento, Tercio e outros usavam suas contas nas redes sociais para atacar rivais, moldar a narrativa e emplacar uma versão que favorecesse Bolsonaro, sem identificar sua ligação com o governo ou deputados.
Além de Tercio, cinco ex e atuais assessores de legisladores bolsonaristas, entre eles um funcionário do deputado Eduardo Bolsonaro, foram identificados como conectados à operação de desinformação no Facebook e no Instagram.
O levantamento do Atlantic Council indicava como "um dos principais operadores" da rede de desinformação Paulo Eduardo Lopes, conhecido como Paulo Chuchu, que era assessor de Eduardo Bolsonaro e se elegeu vereador em São Bernardo do Campo (ABC paulista) no ano passado, pelo PRTB.
Paulo Chuchu registrou um site chamado Brazilian Post, que teve suas páginas no Facebook e Instagram removidas. Os sites promoviam a Aliança pelo Brasil, partido que Bolsonaro tenta criar, e atacavam rivais dos bolsonaristas e a mídia.
No inquérito, a Polícia Federal afirma ter obtido dados externos e independentes para checar a consistência e plausibilidade das informações. A PF localizou 80.552 acessos das contas consideradas inautênticas pelo Facebook e solicitou às operadoras telefônicas dados sobre vínculos das contas com endereços IP.
Ainda segundo relatório da polícia, a conta SnapNaro, ligada ao assessor de Flávio Bolsonaro, foi acessada 45 vezes do Senado.
A Bolsonaro News e a Tercio Arnaud, ligadas a Arnaud, e a SnapNaro foram acessadas 260 vezes da Câmara Municipal do Rio.
Além do mapeamento dos IPs, a investigação da PF apresenta um relatório do agente Fábio Lutti, que afirma que o investigado Tercio Arnaud, além de assessores de legisladores bolsonaristas, usaram contas duplicadas, mas que não se constatou uso do artifício por Carlos Eduardo Guimarães e Paulo Chuchu.
O agente lista depois uma série de contas que "merecem aprofundamento" em relação à utilização de contas falsas. O agente também afirma que, a partir dos dados fornecidos pelo Facebook, não é possível afirmar tratar-se de "atividade conectada".
Segundo análise de Luiza Bandeira, editora associada do laboratório forense do Atlantic Council, o relatório da PF permite concluir que "funcionários do presidente Bolsonaro e de três de seus filhos estavam diretamente ligados à rede de contas inautênticas".
A PF, no relatório, pediu aprofundamento das investigações por ter encontrado indícios de que apoiadores e legisladores bolsonaristas discutiram ações pregando rompimento institucional.
A Procuradoria-Geral da República, no entanto, afirmou que a investigação não encontrou provas contra os parlamentares e não concordou com novas investigações, pedindo arquivamento do inquérito. O relator do inquérito no Supremo, ministro Alexandre de Moraes, irá decidir.
A reportagem tentou contato com Tercio e os filhos de Bolsonaro para obter um posicionamento deles e de assessores, mas ainda não houve resposta.