Organizações pressionam governos europeus para proibir exportação de armas para o Brasil
A importação de revólveres e pistolas subiu 137% durante o governo Bolsonaro - foram US$ 11,89 milhões em 2018 e US$ 28,2 milhões em 2020
Organizações da Suíça, da Alemanha e do Brasil se uniram para pressionar governos e fabricantes de armas europeus para deixarem de exportar armamentos para o Brasil.
A Terre des Hommes Schweiz e a Terre des Hommes da Alemanha, em parceria com o Instituto Sou da Paz, estão enviando para governos e parlamentares europeus, além de organizações da sociedade civil, um relatório sobre o uso de armas europeias no Brasil e violações de direitos humanos e pedindo critérios mais rígidos na exportação para o país.
A ideia é semelhante à pressão de organizações e parlamentares sobre multinacionais europeias para que deixem de comprar de fornecedores brasileiros que não consigam garantir produtos provenientes de cadeias de fornecimento livres de desmatamento.
"Queremos sensibilizar o público alemão, especialmente os políticos e o governo, sobre a dimensão da violência no Brasil em geral e por parte da polícia", diz Ralf Willinger, pesquisador do Terre des Hommes. "Nosso objetivo é que a Alemanha suspenda todas as exportações de armas para o Brasil por causa das graves violações de direitos humanos por instituições estatais e das fragilidades de controles de arsenais e do mercado de armas."
Segundo dados do Instituto Internacional Estocolmo para Pesquisas sobre a Paz (Sipri, na sigla em inglês), a Alemanha é um dos principais exportadores de armas para o Brasil.
"Por causa das críticas, também de nossa parte, desde 2018 o governo alemão não permite mais a exportação armas leves para o Brasil, mas não vamos descansar até que outros armamentos não sejam mais exportados, como já e o caso para Arábia Saudita e Filipinas", diz Willinger.
Esse tipo de pressão surtiu efeito no caso da alemã Heckler & Koch (H&K). Em agosto do ano passado, após vir à tona que uma submetralhadora da marca alemã havia sido usada no assassinato da vereadora Marielle Franco e seu motorista, em 2018, a fabricante anunciou que iria deixar de exportar armas para o Brasil. Segundo um jornal alemão, a empresa havia sido questionada pela Associação de Acionistas Críticos na Alemanha, que compra participação acionária em empresas para poder cobrar delas respeito a direitos humanos e preservação ambiental.
Outro caso foi o da indústria de armamentos suíça Ruag Ammotec, que anunciou em 2017 investimento de 15 milhões de euros para abrir uma fábrica de munições em Pernambuco. O parlamento suíço vetou a decisão, em setembro de 2018. "O risco de ferir a reputação da Suíça foi considerado demasiado elevado", diz Andrea Zellhuber, assessora de prevenção da violência da Terre des Hommes Alemanha. Segundo ela, com a privatização parcial da Ruag em curso, a influência parlamentar direta acabará, e os planos de expansão para o Brasil podem ser retomados após a venda da empresa.
O relatório do Sou da Paz mostra o aumento de importação de armas no Brasil e a apreensão de armas europeias desviadas, além de listar violações de direitos humanos no Brasil em que armas importadas foram usadas.
"O relatório mostra como é arriscado exportar armas para o Brasil, há cada vez mais desvios de armas", diz Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz e coordenadora do relatório. "Pressionamos por um fornecimento responsável. Governos precisam fazer uma avaliação de risco antes de exportar, e, no Brasil, há risco considerável de que essas armas sejam usadas para violações de direitos humanos, tanto pelas polícias como no mercado ilegal."
O Tratado de Comercio de Armas determina que os governos façam uma avaliação de risco antes de autorizar exportação de armas e que proíbam a venda caso haja grande chance de que o armamento seja usado para graves violações de direitos humanos ou acabe em organizações criminosas. Alemanha, Suíça e Brasil estão entre os 110 signatários do tratado –os Estados Unidos não são.
Por meio da Lei de Acesso à Informação, o Sou da Paz levantou informações sobre o perfil das armas apreendidas nos anos de 2018 e 2019 pelas polícias Federal e Rodoviária Federal e as secretarias de Segurança estaduais de Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo.
Segundo os dados, 6% do total das armas eram europeias. Apesar de serem minoria, as armas europeias eram mais sofisticadas e de maior potencial letal do que a média dos armamentos apreendidos. Entre os 15 países de origem mais frequente das armas apreendidas no Brasil, há dez países europeus, sendo os mais frequentes Áustria, Itália, Alemanha e Republica Tcheca.
A organização obteve dados também sobre armas de propriedade do Estado que foram desviadas no período de 1 de janeiro de 2015 a 31 de março de 2020 do Exército, da Marinha, da Aeronáutica, da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal e da Força Nacional. As forças federais reportaram, somadas, o desvio de 323 armas no período solicitado, sendo que 135 (42%) delas eram de origem estrangeira.
O Senado da Suíça votou, em 3 de junho, a favor de uma proposta de lei que exclui exportação de armas para países que violem sistemática e gravemente os direitos humanos. Em setembro, a Câmara de Deputados vai debater a proposta de lei.
Segundo o relatório, entre 2019 e 2020 o governo federal publicou mais de 30 normativas que facilitaram o acesso de cidadãos comuns a armas de fogo e munições, e houve um aumento de 65% no total de armas com registro legal ativo, chegando a 1,1 milhão de armas.
A importação de revólveres e pistolas subiu 137% durante o governo Bolsonaro - foram US$ 11,89 milhões em 2018 e US$ 28,2 milhões em 2020. Segundo dados da UE compilados pela Terre des Hommes, a Suíça exportou 30 milhões de euros em material bélico para o Brasil em 2020, e a Alemanha, 114 milhões de euros.
"Infelizmente, algumas empresas alemãs, especialmente a SIG Sauer, exportam armas via outros países, como os Estados Unidos, ou estão tentando evitar as restrições alemãs de exportação criando joint ventures com empresas brasileiras como a Imbel", diz Willinger.
A fabricante alemã SIG Sauer (que tem uma subsidiária nos EUA) negocia parcerias com a estatal Imbel desde 2018. Em 2020, a estatal recebeu aprovação do Exército para produzir pistolas SIG Sauer no Brasil.