ROGÉRIO CABOCLO

Responsáveis pelo caso Caboclo foram indicados ou têm ligação com Del Nero

O dirigente foi afastado em 6 de junho pelo órgão, por 30 dias, após formalização de uma acusação de assédio moral e sexual feita por sua secretária na entidade

Rogério Caboclo, Presidente da CBF - Lucas Figueiredo/CBF

O destino do presidente afastado Rogério Caboclo na comissão de ética da CBF será decidido por integrantes indicados por Marco Polo Del Nero, seu antigo mentor, agora transformado em inimigo.

O dirigente foi afastado em 6 de junho pelo órgão, por 30 dias, após formalização de uma acusação de assédio moral e sexual feita por sua secretária na entidade. Em áudios gravados pela funcionária, divulgados pelo Fantástico, é possível ouvir o cartola fazendo perguntas de cunho pessoal e sugerindo que ela tinha um romance com outro empregado da instituição.

Caboclo acredita que sua retirada da presidência é resultado de uma sequência de ações orquestradas por Del Nero nos bastidores. O ex-mandatário da entidade, banido do futebol após escândalo de corrupção em 2015, ainda é tido como quem dá as cartas na CBF.

A dupla mantinha boa relação, mas ao forçar uma independência de seu antecessor, Caboclo se viu na mira.

A intenção de Del Nero sempre foi que seu sucessor se comportasse como uma espécie de fantoche. O dirigente banido costuma realizar rodadas de carteado em sua casa e os eventos sociais são frequentados por boa parte da diretoria da CBF. É onde o cartola dá conselhos e sugere os rumos da confederação.

A tentativa de se desvincular de Del Nero foi como um obstáculo aos interesses do antigo presidente, que viu sua força e influência política ameaçadas.

Pessoas ligadas a Caboclo (ele não quis falar com a reportagem) dizem que integrantes da comissão de ética têm ligação próxima e antiga com Del Nero, o que deve dificultar qualquer chance de defesa para se manter no cargo.

Procurados, nenhum deles quis comentar o assunto.

O órgão foi instituído pela CBF na esteira da operação Fifagate, deflagrada em maio de 2015 por agentes do FBI em hotel na Suíça com a prisão de cartolas -entre eles, o brasileiro José Maria Marin, que havia acabado de deixar a entidade que rege o futebol no país nas mãos de Del Nero.

O próprio Del Nero foi embora do Congresso da Fifa, em Zurique, às pressas, com medo de uma abordagem policial. De volta ao Brasil, passou a evitar viagens internacionais.

Em meio aos escândalos de corrupção, o dirigente convocou um comitê de reformas com a promessa de realizar mudanças no estatuto da CBF e implantar a comissão de ética, em abril de 2017. O dirigente, no entanto, acabou banido do futebol pela Fifa um ano depois.

Amigo de Del Nero, Carlos Renato de Azevedo Ferreira, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, é o único a presidir a comissão ao longo desses cinco anos.

O artigo 39 do código de ética da entidade institui um mandato de dois anos, pelo voto da maioria dos membros da diretoria da CBF, sem direito à reeleição. Caboclo não mexeu no órgão durante sua gestão, já que na maior parte dela ainda era aliado de Del Nero.

Ferreira, por telefone, não quis falar sobre o seu relacionamento com Del Nero e disse que não poderá conceder entrevista por proteção ao sigilo do caso que averigua a denúncia contra Caboclo.

A comissão de ética é dividida em presidência, câmaras de investigação e de julgamento. O colegiado conta com cinco homens e apenas uma mulher, a delegada aposentada da Polícia Federal Gladys Regina Vieira Miranda.

Ela é quem preside a câmara de investigação, que tem como conselheiros Júlio Gustavo Guebert e Antonio Carlos de Aguiar Desgualdo.

Relatora do caso Caboclo, Gladys é casada com Aloísio Oliveira Rocha, homem de confiança de Del Nero mesmo após ele deixar a presidência e ser banido do futebol. Rocha é responsável pela segurança da seleção brasileira.

Rocha foi alçado à chefia por Del Nero após polêmica demissão do coronel Moacyr Alcoforado, nomeado por Marin. Em novembro de 2015, durante amistosos nos Estados Unidos, o pastor Guilherme Batista realizou culto na concentração da seleção, comandada por Dunga, e postou foto com jogadores, além de agradecer a Kaká e David Luiz pelo convite.

Dunga se irritou com o episódio, e a cúpula da CBF responsabilizou Alcoforado pela entrada não permitida.

"Não vou comentar nada sobre o assunto", disse Gladys à reportagem.

Dos seis integrantes empossados pela gestão de Del Nero em abril de 2017, apenas um não faz parte da comissão hoje. Luiz Flaviano Furtado, coronel da reserva da Polícia Militar, foi preso durante operação contra jogos de azar e acabou afastado do órgão em 2018.

Furtado também foi membro suplente do conselho fiscal da Federação Paulista de Futebol (FPF) na gestão de Del Nero e coordenou a modalidade de beach soccer da CBF na era Marin, que já tinha o então cartola da FPF como homem forte.

Com o afastamento de Furtado, a comissão de ética passou a ter Júlio Guebert como integrante. Ele é atualmente diretor-geral da Acadepol (Academia de Polícia Civil), em São Paulo, onde a filha de Del Nero, a delegada Carla Priscila, exerce a função de diretora-técnica.

Guebert divide a câmara de investigação do comitê de ética com Antonio Carlos de Aguiar Desgualdo, delegado da Polícia Civil e ex-integrante da Acadepol. O órgão é responsável pela formação, treinamento e aperfeiçoamento de policiais civis. Uma atendente da academia, que não quis se identificar, disse que Desgualdo não faz mais parte do órgão "há algum tempo".

A câmara de julgamento é formada pelos conselheiros Marco Aurelio Klein e Amilar Fernandes Alves. Klein foi diretor da FPF duas vezes, além de secretário Nacional da Autoridade Brasileira do Controle de Dopagem.

Em contato com a reportagem, ele disse que não poderia falar sobre o assunto e que a comissão poderá se pronunciar apenas por meio da decisão final sobre o caso Caboclo, quando essa se tornar pública.

O artigo 21 do código de ética da CBF relaciona as punições possíveis no âmbito esportivo para quem comete infrações previstas no documento. Caboclo pode, se considerado responsável, receber uma simples advertência, ser multado, suspenso ou até banido do futebol.

Dirigentes de federações estaduais e quase todos os oito vice-presidentes da confederação trabalham nos bastidores para que Caboclo não volte ao cargo. A saída para isso seria, com o parecer da comissão de ética ou mesmo sem ele, convocar uma assembleia geral extraordinária para destituí-lo em definitivo.

Cada uma das 27 federações teria direito a um voto e seria necessária aprovação de 75% ao impeachment (21 votos).

A reportagem não conseguiu contato direto com Guebert, Desgualdo e Carla Del Nero. A reportagem então pediu uma posição deles sobre o assunto por meio da assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, mas não obteve resposta até o momento.

"A defesa do presidente da CBF, Rogério Caboclo, atua para comprovar sua inocência e para que o julgamento seja justo, equilibrado e transparente", respondeu a assessoria do dirigente afastado.

A reportagem tentou falar com Del Nero, mas ele não atendeu às ligações nem respondeu às mensagens enviadas.