Amazônia

Macacos da Amazônia mudam tom de voz e 'falam' de forma diferente ao interagir com outra espécie

Espécies que costumam interagir muito em um mesmo ambiente podem mudar os traços para ficarem mais parecidas com o outro grupo de animais

Macaco - Maurício Talebi/ICMBio

Espécie de macacos que vive na Amazônia, o sauim-de-mãos-douradas (Saguinus midas) é capaz de mudar o som de seus gritos quando divide áreas com outra espécie de primata, os sauim-de-coleira (saguinus bicolor). Na prática, é como se o sauim-de-mãos-douradas falasse de um jeito diferente, mais acessível aos outros saguis.

O comportamento foi descrito por pesquisadores de instituições do Brasil e do exterior em um artigo publicado em maio na revista científica Behavioral Ecology and Sociobiology.

Espécies que costumam interagir muito em um mesmo ambiente podem mudar os traços para ficarem mais parecidas com o outro grupo de animais como fruto da convivência, mas este é o primeiro registro de uma mudança do tipo nos gritos de um primata.

"O som deles é igual nas áreas que eles dividem. Isso pode significar que, através do som, eles não reconhecem uma espécie ou outra, mas, sim, o contexto comportamental em que aquele barulho está sendo emitido", afirma Tainara Sobroza, bióloga no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e no Projeto Sauim-de-Coelira (Ufam), e uma das autoras do artigo. "É como se eles estivessem falando: aqui é meu."

O sauim-de-mãos-douradas produz um som diferente em outros espaços não compartilhados com os demais saguis. Já o sauim-de-coleira emite os mesmos barulhos em qualquer floresta, compartilhada com outras espécies ou não.

 



Segundo Sobroza, isso mostra que o sauim-de-mãos-douradas é mais flexível e consegue se adaptar melhor a lugares diversos -tanto é que a espécie ocupa uma área muito maior do que o sauim-de-coleira, que vive somente na região de Manaus e em duas outras cidades próximas da capital do Amazonas.

Os cientistas reuniram áudios de 15 grupos das espécies que foram encontrados ao longo de vários anos. Os sons foram examinados em um programa de computador que analisou diferentes parâmetros do som emitido pelas espécies.


"Costumamos pensar no som como uma coisa só, mas na verdade a fala dos primatas tem uma energia principal, que vem dos pulmões, e essa onda passa por cordas vocais, nariz, língua, dentes... Há um monte de filtros no aparato vocal", diz Sobroza.

No caso do sauim-de-mãos-douradas, o som produzido perto da outra espécie tem uma menor largura de banda. "Eles conseguem fazer sons mais altos em uma faixa de frequência mais restrita; é um barulho que se propaga melhor na floresta e o som fica um pouco mais longo", afirma a bióloga.

Sobroza e os colegas que realizaram a pesquisa dizem acreditar que os primatas mudaram o som dos gritos para poupar os animais dos custos da competição. Desde os anos 1980, estudos indicam que essas duas espécies podem estar em disputa por espaço e comida.

Essas vocalizações territoriais, que são os sons usados para defender uma área, servem para que os grupos não se cruzem e iniciem um combate -que, segundo a cientista, costumam ser muito violentos.


De acordo com Sobroza, pesquisas sobre essas espécies são mais importantes do que nunca para o planejamento da conservação das espécies, uma vez que o sauim-de-coleira está ameaçado de extinção e tem desvantagem na interação com o sauim-de-mãos-douradas, que é mais adaptável.