CINEMA

Tela Trans: o projeto pioneiro que cataloga filmes realizados por cineastas trans

Caia Maria e Pethrus, idealizadoras do projeto - Foto: Divulgação

Apesar do reconhecimento de sua evolução recente, a indústria cinematográfica continua sendo o espelho da desigualdade que atinge outros setores da sociedade. Se nas telas há uma frequente escalação de atores e atrizes cisnormativos (aqueles que se identificam com o gênero que nasceram), para personagens trans, valorizar a produção feita por esses grupos é necessário. 

Foi com essa proposta que a travesti Caia Maria Coelho e a pessoa não-binária Pethrus Tibúrcio se debruçaram em uma pesquisa há cinco anos para catalogar e criar um acervo de filmes feitos por pessoas trans no Brasil. O resultado do trabalho culminou no Tela Trans, plataforma que reúne todo o acervo, lançado nesta semana.

O site é o primeiro brasileiro a reunir curtas, médias e longas-metragens, ficções e documentários, videoclipes, videoartes e videoperformances realizados por homens e mulheres trans, travestis e pessoas não-binárias no País. Foram catalogadas 150 produções audiovisuais e 50 perfis de cineastas trans de quase todos os estados brasileiros. Neste mapeamento, Caia e Pethrus consideraram todo o período da história que se tem notícia de produção, sendo 2002 o marco para o primeiro filme do projeto.

Elas duas se conhecem há sete anos, fazendo projetos e elaborando produções intelectuais juntas, e consequentemente frequentavam festivais e outros circuitos de cinema, quando passaram a notar e terem um incômodo com a falta de produções de pessoas trans nesses locais. “A gente se preocupava muito juntas com a falta de boa vontade e de ir de atrás de pessoas trans que faziam cinema no Brasil. Nós sabíamos que essas pessoas existiam, mas que havia uma dificuldade de acesso a essas obras, que as curadorias não estavam interessadas naquele momento de reparar e fazer uma busca ativa desses filmes”, explica Pethrus Tibúrcio.

Recifest e diversidade

Essa percepção de que havia cineastas trans produzindo, mas sem alcance aos grandes circuitos, veio ainda mais quando Pethrus passou a integrar o "Recifest" - festival pernambucano que se dedica a exibir e difundir filmes sobre diversidade sexual e de gênero. “Ao mesmo tempo teve uma surpresa, é que mesmo sendo pessoas interessadas em consumir audiovisual feito pessoas trans, mas que a gente nunca tenha ouvido falar no trabalho dessas pessoas, porque não estavam circulando esses trabalhos em lugares nenhum, somente numa conta do Vimeo ou do YouTube”, conta.

Acervo plural

A partir dessas descobertas, o catálogo foi sendo construído a partir das diversidades de narrativas e olhares para o cinema por pessoas trans. “Nossa pesquisa catalogou muitas obras experimentais, mas também temos comédia romântica, comédia, terror, drama, filme ensaio, animação, documentário, videodança, videoclipe. Pudemos observar a vastidão estética, narrativa, formal e temática das expressões desses cineastas, percebendo quão complexo pode ser o trabalho de definir "um audiovisual trans brasileiro”, enfatiza Caia Maria Coelho.

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Essa construção pode ser vista como um avanço nos últimos anos, com a ampliação do debate público para o tema. “Observamos que, nos últimos anos, há, sem dúvida, um expressivo aumento de filmes dirigidos por cineastas trans. Isso se relaciona com a recente dimensão dos debates públicos sobre diversas áreas da nossas vidas, incluindo em todas elas a importância de valorizarmos e priorizarmos narrativas elaboradas/desenvolvidas pela própria comunidade”, comentam.

Elas duas ainda sugerem uma maior participação de pessoas trans nas bancas de editais e a criação de incentivos específicos para que essas produções possam circular mais. “Também podemos pensar em editais específicos e políticas afirmativas dentro dos editais que já existem, para efetivamente termos novas produções trans nos próximos anos”.