Cinema

'Deus é Mulher': pernambucana leva documentário em produção para Cannes

Diretora apresentará o projeto para possíveis financiadores no festival, que começa nesta terça-feira (6)

Alexya Salvador é a primeira reverenda trans da América Latina - Divulgação

O Festival de Cannes 2021 tem início nesta terça-feira (6), retomando o formato presencial em sua programação, após realizar uma edição totalmente online no ano passado. O evento, que segue até o dia 17, traz alguns representantes brasileiros. É o caso do documentário “Deus é Mulher”, da pernambucana Barbara Cunha, ainda em processo de produção.

Focado na trajetória de Alexya Salvador, primeira pastora trans da América Latina, o filme foi selecionado para o Docs in Progress. O espaço dentro do festival funciona com uma vitrine, apresentando documentários “em gestação” para possíveis financiadores, agentes de vendas, programadores de festivais e outros parceiros de diversas partes do mundo. O objetivo das sessões é fechar negócios que possibilitem a realização das obras audiovisuais.

“Deus é Mulher” chega ao evento por indicação do Circle Doc Women Accelerator, laboratório voltado para projetos dirigidos por mulheres, no qual o filme foi desenvolvido. Ele será apresentado aos investidores em dois momentos: um virtual, no dia 8, e também presencialmente, no domingo. Para Barbara Cunha, o fato de ter sido selecionado para essa “janela” é uma grande conquista para o longa-metragem.

“Uma vez que você tem esse selo de Cannes, as portas se abrem tanto no Brasil como fora. O mais importante é a possibilidade de romper fronteiras e se tornar realmente uma obra internacional. O Brasil tem uma produção de cinema imensa e de muita qualidade. Então, chegar a um lugar que centraliza todos os olhares do mundo é uma honra e um privilégio”, comenta a diretora, que viajou até a França para acompanhar os trabalhos no festival. 

Levar o documentário até o mercado internacional é estratégico para a equipe envolvida. Diante das dificuldades estabelecidas para o mercado audiovisual brasileiro nos últimos anos, a obra coproduzida com a Colômbia e a Estônia tem saído do papel com muito esforço. “No Brasil, nosso único investimento veio da Sony Pictures Entertainment, através de um fundo para retomada das filmagens nacionais. Fora isso, estamos trabalhando com verba internacional e dinheiro próprio. Não é que seja um caminho fácil, mas acredito muito que essa história precisa ser contada para o mundo”, afirma.

A diretora pernambucana vem acompanhando o cotidiano de Alexya Salvador desde 2017. Elas se conheceram um ano antes, quando Barbara filmava a série documental “Borboletas e Sereias”, que aborda a identidade de gênero na infância. Ana Maria, uma das duas filhas trans da pastora, seria uma das personagens entrevistadas, mas acabou não participando por incompatibilidades das agendas. A incrível história da mãe da garota, no entanto, ressoou na mente da cineasta por muito tempo.

“As pessoas ficam muito chocadas com todas as especificidades dessa biografia. Ela é mãe, esposa, pastora trans, professora e ainda a primeira mulher trans a adotar no Brasil. Parece até um personagem irreal, mas ao presenciar todo o processo a gente percebe como ela encara todas essas facetas de uma forma muito natural e humana”, pontua. 

Apesar de exibir toda a pluralidade carregada pela personagem, o longa deve focar na sua vida religiosa. No ano passado, Alexya foi ordenada reverenda pela Igreja da Comunidade Metropolitana, fato inédito em toda a América Latina. “Ela é a minoria das minorias dentro de um ambiente que muitas vezes é opressor. Queremos mostrar a construção enquanto sujeita ativa dentro do clero. Não é um filme religioso. Estamos apenas defendendo que todos os seres humanos, se quiserem, devem ter o direito a viver sua fé”, diz.

Grande parte do filme já foi filmado e o processo de montagem deve ser iniciado nos próximos meses. A previsão de estreia inicial é no segundo semestre de 2022. Até lá e se a pandemia permitir, Barbara espera poder estar com Alexya em diversos festivais ao redor do mundo. “Os corpos dissidentes precisam ocupar esses espaços,existindo e resistindo”, declara.