Presidente assassinado

Haitianos no Brasil reagem a assassinato com desesperança

Jovenel Moise em 2019 - Valerie Baeriswyl / AFP

O assassinato do presidente do Haiti, Jovenel Moïse, 53, morto a tiros em sua residência na madrugada de quarta-feira (7), é visto com preocupação pelos haitianos que vivem no Brasil. Eles temem que a crescente onda de violência decorrente da instabilidade política na nação caribenha atinja parentes e amigos e que a volta para o país se torne um sonho ainda mais distante. Mas não só.

Muitos haitianos, que começaram a vir para o Brasil no início da década passada, após a catástrofe do terremoto de 2010, dizem acreditar que a ausência de diplomacia e de diálogo com instituições internacionais agravará a condição dos imigrantes.

Haitianos ouvidos pela reportagem reportam dificuldades para a renovação de visto fora do país e obstáculos cada vez mais frequentes para quem procura novas rotas migratórias, inclusive para sair do Brasil. De acordo com dados da Polícia Federal, mais de 135 mil haitianos entraram no país entre 2000 e o início de 2020.
 

"Estou preocupado com a minha família, porque não temos um presidente e não sabemos quem vai assumir o poder. Meus parentes estão um pouco mais em segurança do que a população de Porto Príncipe, porque estão no interior do país [onde a violência é menor]. Mas se a vida do presidente acabou deste jeito, imagina os riscos que o próprio povo não corre", diz o engenheiro civil Jean Baptiste Joseph, 34, referindo-se aos protestos violentos que já tomavam o país anteriormente.

Assim, o assassinato do presidente, para Joseph, piorou esse cenário. "Estou acompanhando os jornais, tenho notícia de que o povo está na rua e está queimando tudo", ele afirma. "E com a falta de diplomacia, outros países também deixam de dar oportunidades para que o haitiano possa entrar de maneira legal", diz.

"Sem presidente, o que sobra para nós?", questiona o atleta Jean Woolmay Denson Pierre, 25. "Se acontece algo grave com algum haitiano [imigrante], quem é que vai interceder por nós? Ninguém. Neste momento tem muito haitiano saindo do Brasil ou querendo sair, procurando residência em outro país. Aqui estava muito legal [no início da década passada] e hoje está complicado", afirma.

Uma das dificuldades citadas por ele é o desemprego e a inflação. "O preço dos alimentos aqui no Brasil está bem complicado, com R$ 200 você não vive duas semanas. Não vejo expectativa de melhorar. Parece que estamos cada vez mais inexistentes. Antes as pessoas estavam mais dispostas a ajudar, mas o brasileiro já está com tantos problemas que eles deixam de lado essa ajuda aos estrangeiros."

Um haitiano que andava pela região central de São Paulo na noite de quarta –ele não quis se identificar pois teme perder trabalhos– disse que tem recorrido a serviços cuja remuneração não chega a um salário mínimo, de R$ 1.100.

Também ressalta que a pandemia trouxe obstáculos além das questões sanitárias. Haitianos no Brasil relatam terem perdido oportunidades de tentar trabalhar em países vizinhos, como Argentina e Paraguai. "Não acontece [nesses dois países] na mesma frequência com que acontece na fronteira da Bolívia e do Peru, mas os haitianos estão sendo barrados, sim", diz o documentarista haitiano Akon Patrick Dieudonné.

"Os líderes do Haiti são os EUA e a França. Qualquer presidente ou congressista que queira negociar diretamente para o progresso do Haiti não vai conseguir fazer negociações de forma autônoma. Esse tipo de condição não é atual, vem desde a Revolução Haitiana [1804]", diz Dieudonné .

"O PIB do Haiti vem de remessas feitas por haitianos que trabalham em outros países, da Inglaterra, do Brasil, do Canadá. Na República Dominicana, há mais de 400 mil haitianos, e muitos fazem trabalhos escravos. É um país que está sendo esculachado pelo mundo inteiro", afirma ele, citando heranças dos conflitos históricos e das retaliações condicionadas pela insubordinação de uma nação que foi a primeira a conquistar sua independência, lutando contra os colonizadores franceses.

Rodrigo Charafeddine Bulamah, autor da tese de doutorado "Ruínas Circulares: a Vida e a História no Norte do Haiti", afirma que os haitianos com quem tem conversado no Brasil e no país caribenho têm se mostrado chocados, "cheios de incertezas e com expectativas frustradas em relação à possibilidade de votar". "Há um anseio por uma democracia que não consegue se realizar por uma pressão externa."