Crise elétrica e alta da inflação devem afetar vendas de eletrodomésticos
O aumento expressivo da energia elétrica e a redução do poder de compra do consumidor, com a inflação mais alta, podem gerar uma tempestade perfeita para a indústria e o varejo de eletrodomésticos e equipamentos eletrônicos neste segundo semestre.
Se o setor se beneficiou do maior número de pessoas em home office no ano passado, a tendência é que o fim de ano seja difícil para essas empresas. Elas comemoram o avanço na vacinação, mas reconhecem que terão de competir pela atenção do consumidor com serviços de lazer fora de casa.
Os dados de vendas de móveis e eletrodomésticos ajudam a entender o comportamento do setor durante os meses de distanciamento social, em comparação ao mês de fevereiro, antes da pandemia. Há uma queda expressiva em março, abril e maio de 2020, com o fechamento do comércio e o acirramento das medidas de distanciamento social nos primeiros meses de pandemia.
Logo em seguida, o setor registrou um longo período de recuperação, que combinava a flexibilização da quarentena na primeira onda de Covid-19 ao home office, que levou boa parte dos brasileiros a reequipar suas casas com novos eletrodomésticos e eletrônicos.
Se em março e abril as vendas de móveis e eletrodomésticos caíram 24% e 41%, respectivamente, o segmento registrou sete meses seguidos de vendas positivas na sequência e o varejo rapidamente começou a ter ganhos, acima do registrado em fevereiro do ano passado.
Quem viu esse movimento de perto foi Luís Pádua, 35. Vendedor de uma loja em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, ele registrou em julho do ano passado um dos melhores meses de vendas. "A loja acabou se destacando. O consumidor que ia almoçar no restaurante todo dia veio trocar de geladeira ou comprar um micro-ondas quando foi fazer home office."
Enquanto o setor de serviços sofria, a indústria e o varejo desses segmentos surfavam na alta das vendas. Em relação aos preços, o impacto foi semelhante: após uma queda expressiva de 7,2% em abril, eles voltaram a subir nos sete meses seguintes. Os dados são do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), compilados pela CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo).
A partir de janeiro deste ano, porém, com a flexibilização do trabalho remoto e os aumentos progressivos na conta de energia elétrica, as vendas voltaram a cair ou registraram períodos de estagnação. Os preços, no entanto, continuam subindo, impactados pela inflação e pela alta dos preços de energia.
"Não havia como crescer para sempre. As compras de eletrodomésticos não são como gastos de supermercado em que a pessoa precisa consumir todo mês. Se ele comprou uma geladeira hoje, ela pode ficar 20% mais barata no mês seguinte que ele não vai comprar de novo", lembra o economista-chefe da CNC, Fabio Bentes.
O mesmo aconteceu com os equipamentos eletrônicos e os materiais de construção. Com o consumidor mais tempo em casa, ele passou a priorizar esse tipo de gasto, mas o ciclo se encerrou neste ano. Em abril e maio, o crescimento é mais modesto.
Bentes acrescenta que a energia elétrica deve ficar mais cara para o consumidor até o fim do ano, com o aumento da bandeira vermelha devido ao baixo nível de água nos reservatórios das hidrelétricas, o que deve reduzir o poder de compra das famílias.
No fim de junho, o ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque, chegou a fazer um pronunciamento pedindo o uso consciente de energia e de água, mas o governo descarta o risco de racionamento de energia, como o que ocorreu em 2001.
"Lembro que, no apagão de 2001, muita gente correu ao comércio para comprar produtos mais eficientes, mas isso não deve acontecer agora. Estamos vindo de uma crise muito severa, com endividamento alto e inflação elevada, puxada justamente pela energia", diz Bentes.
A notícia boa é que o comércio não vai fechar, mas o consumidor dificilmente vai aparecer nas lojas para comprar esses itens, resume o economista.
Impactada pela energia elétrica, a inflação pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) alcançou 8,35% em 12 meses até junho –a mais alta para o período desde 2016, sendo que a energia teve o maior peso no aumento dos preços em junho.
Sem poder repassar todo aumento de custos com energia para o consumidor, as margens de lucro da indústria e do comércio, que foram mais gordas na segunda metade de 2020, não devem se repetir. Ao longo da pandemia, o segmento investiu em vendas online e dificilmente ocorrerão novas rodadas restrições de circulação, mas as condições econômicas não são favoráveis.
O momento é de extrema preocupação para o setor, diz José Jorge do Nascimento Junior, presidente da Eletros (Associação Nacional dos Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos). "É preciso ter preços competitivos e superar o custo de fabricar hoje. O aço, que é o principal insumo da cadeia de suprimentos, subiu; o plástico, também", diz Nascimento Junior.
Ele ressalta que já houve um repasse de 5% a 12% nos preços para o consumidor, a depender do produto. "No segundo semestre, que é quando tem a Black Friday e o Natal, a população procura os nossos bens para consumir, mas a inflação preocupa e pode causar uma retração no consumo."
"A crise hídrica e o aumento de energia assustam a indústria, que é uma grande consumidora. Os custos mais altos já estão pesando nas costas dos brasileiros, e um racionamento seria muito ruim para a recuperação da economia", diz Régis Haubert, presidente-executivo da empresa de automação residencial Exatron e diretor regional da Abinee (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica).
O cenário do segundo semestre de 2020 não deve se repetir também por causa das prestações mais caras para o consumidor, e a demanda por esses produtos tende a esfriar até o fim do ano.
Ao olhar para as condições de crédito, simulando um empréstimo de R$ 1.000, ele vai pagar R$ 34,50 por mês, até um pouco menos do que abril, mas, comparado com o ano passado, a prestação está mais pesada, segundo dados do Banco Central, também compilados pela CNC.