Entretenimento

True crime: qual é o segredo do sucesso das séries sobre crimes reais?

Produções brasileiras e internacionais abordam assassinatos famosos e despertam o interesse do público

Série da Netflix aborda o crime cometido por Elize Matsunaga - Divulgação

A indústria do entretenimento vem sendo tomada, nos últimos anos, por uma onda de produções do gênero true crime (ou “crime real”, numa tradução livre). Filmes, séries, livros e podcasts que retratam casos verídicos de assassinatos, roubos e sequestros estão cada vez mais populares no Brasil e no mundo. 

O formato não é exatamente novo. Quem assistia ao “Linha Direta”, programa exibido pela Globo no começo dos anos 2000, sabe que não é de hoje que crimes hediondos prendem a atenção da audiência. Mas a atual recorrência de obras como “Elize Matsunaga: Era uma vez um crime”, recentemente lançada pela Netflix, apontam para um interesse que só cresce.

Elize matou e esquartejou o corpo do marido em 2012. A série documental traz, com riqueza de detalhes, diversos aspectos ligados ao homicídio. O que abriu as portas para essa e outras produções do tipo nos serviços de streaming foi o sucesso das duas temporadas do documentário norte-americado “Making a Murderer”, que estreou em 2015 na Netflix, sobre a tentativa de inocentar Steven Avery, condenado pelo assassinato de uma fotógrafa.

O universo dos podcasts também é responsável pela febre do true crime. Lançado em 2014, o norte-americano “Serial” é considerado um marco das séries em áudio. Com o tamanho da repercussão, uma versão televisiva para a HBO acabou sendo produzida. Algo semelhante aconteceu com o nacional “O Caso Evandro”, que nasceu como um podcast em 2018 e, em maio deste ano, chegou ao Globoplay no formato de série. 

Série "O Caso Evandro" (Foto: Globoplay/Divulgação)

No Brasil, o podcast “Modus Operandi” é um dos mais ouvidos nas plataformas digitais. Criado em 2019 pelas apresentadoras Carol Moreira e Mabê Bonafé, o programa discute com o público crimes famosos, com abordagens que tocam em diferentes assuntos. Ainda neste semestre, a dupla deve lançar um livro pela editora Intrínseca, que funcionará como um guia para os fãs do true crime.  

“A gente não quer contar somente os crimes em si, mas todo o contexto no qual aquilo aconteceu. Sempre dá para trazer questões sociais, como abuso na infância e machismo, além dos problemas envolvendo o nosso sistema judiciário, que é cheio de falhas. A gente pesquisa e estuda muito para conseguir ir um pouco mais a fundo nos casos”, aponta Carol.

Mas o que faz com que o público tenha interesse em histórias repletas de violência? Para os especialistas, não existe uma resposta única para a pergunta, mas alguns fatores podem ajudar a explicar esse fascínio. “Assistir a essas séries e filmes é uma forma de elaboração dos nossos próprios fantasmas, numa distância segura. Isso gera uma vivência que permite a coexistência do horror e do deleite”, afirma Marina Pinheiro, professora do departamento de Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). 

Apesar de serem contadas em narrativas muito próximas da ficção, algumas dessas obras têm consequências bem reais, como a reabertura de processos e mudanças na perspectiva da opinião pública sobre os casos. Para a perita criminal Amanda Melo, da Polícia Civil da Paraíba, as séries documentais dão visibilidade ao trabalho dos investigadores, mas devem ser tratadas com cautela. 

“Pode ter certeza que o que é mostrado não é a totalidade do caso, porque muitos detalhes são resguardados pelo sigilo. É difícil a população ter um olhar crítico para isso, mas quem é da área consegue perceber as lacunas. Por isso, é um problema quando há parcialidade nessas produções. Não é justo nem com os envolvidos e nem com o espectador”, pontua.

A médica psiquiatra Danielly Ferraz, pós-graduanda em Psiquiatria Forense, chama atenção para os possíveis gatilhos mentais que podem ser acionados diante de cenas de extrema violência. “Quem sofre de doenças psiquiátricas ou passou por traumas recentes deve evitar esse tipo de conteúdo. Normalmente, há avisos indicando esse risco nas próprias séries. Se a pessoa estiver bem, não vejo como um problema o consumo, que pode ser até educativo, ajudando a identificar comportamentos semelhantes às que estão sendo expostas em situações próximas”, comenta.