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Vice da Câmara diz e que estuda aval, como interino, para abrir impeachment de Bolsonaro

O vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM) - Michel Jesus/Câmara dos Deputados

Para o vice-presidente da Câmara, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), as ameaças de Jair Bolsonaro sobre a não realização das eleições de 2022 são um "claro crime de responsabilidade".

Vice do deputado Arthur Lira (PP-AL), aliado do governo, no comando da Casa, Ramos disse em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo que estuda a possibilidade de acatar um pedido de impeachment no exercício provisório da presidência. Recentemente, ele pediu para ter acesso aos pedidos protocolados na Câmara.

"Porque o tipo penal que trata de eleição fala em ameaça. Então ameaçar o processo eleitoral já é crime de responsabilidade", afirma ele, que se coloca na trincheira contra Bolsonaro.

"O bolsonarismo está cada vez mais no gueto. O problema é que como é muito barulhento, eles parecem que são mais do que efetivamente são. Mas não vou recuar."

Acusado pelo chefe do Executivo de ser o responsável pela aprovação do fundo eleitoral de R$ 5,7 bilhões nesta semana, Ramos rebate afirmando que toda a articulação se deu com o aval dos líderes do governo Bolsonaro: "Se o governo não quisesse, não teria fundão. Só teve fundão porque o governo quis".

Vice-presidente da Câmara dos Deputados pelo PL-AM, Marcelo Ramos tem 47 anos. Foi presidente da comissão especial da reforma da Previdência. Está em seu primeiro mandato como deputado federal. Antes, foi deputado estadual no Amazonas de 2011 a 2015.

PERGUNTA - Como surgiram essas acusações de que o sr. articulou o fundo eleitoral?

MARCELO RAMOS -
Eu só soube de fundo eleitoral quando o projeto chegou na mesa para eu presidir a sessão do Congresso. Porque toda a articulação para incluir os R$ 5,7 bilhões se deu na Comissão Mista do Orçamento, coordenada pelo Eduardo Gomes, líder do governo no Congresso, pelo Ricardo Barros, líder do governo na Câmara, pelo presidente Arthur [Lira] e pelos líderes da base.

Eles coordenaram isso, incluíram o fundo no texto da LDO. Quando foi para mim, só me cabia votar. O que os líderes do governo fizeram em plenário? Em plenário eles pediram [para que houvesse votação] nominal do texto-base da LDO, porque assim a votação do destaque [votação específica sobre o valor do fundo eleitoral, apresentado pelo partido] do Novo ficaria dentro do interstício de uma hora [período em que outra votação com placar e votos individuais não pode ocorrer].

Então, houve encaminhamento na votação simbólica [sem mostrar o voto de cada deputado]. Só cinco partidos encaminharam contra: Novo, PSOL, Cidadania, Podemos e Rede. Todos os partidos da base do governo e o líder do governo encaminharam contra o destaque do Novo. Portanto, a favor do fundão.

Havia alguma forma de mudar esse valor do fundo no plenário?

MR -
Quem incluiu os R$ 5,7 bilhões foi a CMO. O destaque do Novo era para tentar tirar [no plenário], porque no texto já estava [aprovado pela comissão com um valor maior].

Isso foi uma articulação do governo, que eu estou ficando desconfiado de que tudo isso foi um grande acordão, porque agora ele está dizendo que vai fechar em R$ 4 bilhões. Não. Ele tem que vetar integral. R$ 4 bilhões não. R$ 4 bilhões é o dobro do que tem hoje. [O valor do fundo em 2020, nas eleições municipais, foi de R$ 2 bilhões].

Como o sr. vê as declarações de Bolsonaro tentando atribuir ao senhor a aprovação do fundo de R$ 5,7 bilhões?

MR -
Primeiro, é completamente desconectado da realidade. Todo mundo que acompanhou a sessão sabe que eu não tenho poder de incluir um artigo na LDO. Quem tem poder de incluir um artigo na LDO é o relator [deputado Juscelino Filho, do DEM-MA]. O artigo foi incluído pelo relator em cumprimento de uma articulação do líder do governo com os partidos da base.

Segundo, é da personalidade do presidente fugir e tentar transferir as suas responsabilidades. Ele não acha que ele é responsável por parte dos 530 mil mortos no Brasil. Então ele é contumaz em mentir e em tentar transferir responsabilidade.

O sr. viu essa movimentação que começou com aliados do presidente no Congresso tentando transferir a responsabilidade. E depois passou para ele. Isso surpreendeu o senhor de alguma maneira?

MR -
Me surpreendeu completamente, porque se tem alguém que não tem responsabilidade nenhuma com isso sou eu. Aquele dia, eu sentei na cadeira de presidente 11 horas da manhã e saí 1h30 da madrugada, trabalhando para uma pauta do governo.

Encaminhando as coisas como combinado com o líder do governo, Eduardo Gomes, e com o presidente da Câmara, Arthur Lira. Eu não acho que o líder Eduardo Gomes e que o presidente Arthur Lira tenham que comprar minhas brigas, não, mas acho que eles têm o dever de dizer publicamente que eu não me afastei nem um milímetro do regimento.

O senhor acha que é possível dissociar o fundão de R$ 5,7 bilhões do governo? Ou estão vinculados?

MR -
Alguma coisa é aprovada na Câmara sem o governo querer? Principalmente a partir da atual gestão? Se o governo não quisesse, não teria fundão. Só teve fundão porque o governo quis. Quem articulou para incluir o fundão na LDO foram os líderes do governo na Câmara e no Congresso Nacional. Foram eles que articularam. Como pegou muito mal na rede, aí ele tenta transferir responsabilidade.

Qual a solução para isso?

MR
- Se o presidente vetar, o veto é obrigatoriamente votação nominal. Pronto, está resolvido. Aí nós vamos ver quem votou a favor, quem votou contra, quem quer fundo, quem não quer fundo, e pronto, e toca o barco.

O sr. está desde a semana passada sendo atacado nas redes. Como isso o afetou?

MR -
Não tem como não dizer que isso não afeta, porque não é só a mim. Nós estamos falando da minha família, que lê essas agressões dessa turma. Mas isso é um pedaço da sociedade. Do mesmo jeito eu recebo muitas mensagens de parabenizações pela minha coragem.

O bolsonarismo está cada vez mais no gueto. O problema é que como é muito barulhento, eles parecem que são mais do que efetivamente são. Mas não vou recuar. Só sei andar para a frente. Agora vamos ver até onde ele aguenta.

Hoje o sr. é de oposição ao governo?

MR
- Sim. Poucos deputados colaboraram tanto com as pautas do governo como eu. Eu presidi a única pauta relevante que esse governo aprovou até agora, que foi a reforma da Previdência. Vocês sabem que em todos os momentos difíceis ali no plenário sou eu que me exponho para defender matérias muitas vezes impopulares. Sempre ajudei o governo.

Agora, eu não posso continuar ajudando um presidente que me agride com uma mentira e que vai ultrapassando todos os limites da independência entre os Poderes. O presidente Bolsonaro está marchando sobre a Câmara. Pode ter gente na Câmara que está disposto a abrir caminho para ele passar nessa marcha. Eu estarei na trincheira.

Mas o senhor rompeu também com o Arthur Lira?

MR -
Não. Eu tenho o defeito da correção. Então eu nunca vou fazer na mesa [Mesa Diretora da Câmara, que coordena as votações], como nunca fiz, nada que não seja combinado com o Arthur. O presidente é ele. Até se, em algum momento, eu tomar alguma decisão mais radicalizada, ele vai saber.

A posição do sr. é pessoal, não é do PL?

MR
- Não, minha posição é pessoal, eu não falo pelo PL. O PL tem ministro. O que eu posso dizer é que do meu partido eu só recebi solidariedade. Porque o meu partido sabe que eu agi no cumprimento do que fora acordado com o governo e com os líderes.

O presidente anda radicalizando no discurso, de que se não tiver voto impresso não tem eleição. Como o sr. vê essa escalada?

MR
- Isso inclusive, para mim, é das configurações mais claras de crime de responsabilidade. Porque o tipo penal que trata de eleição fala em ameaça. Então ameaçar o processo eleitoral já é crime de responsabilidade.

O sr. poderia abrir, durante o exercício interino da presidência, um processo de impeachment, se encontrar indícios de crime de responsabilidade?

MR -
Tem duas questões importantes. A primeira questão é de natureza estritamente jurídica: se existem os fundamentos que caracterizam crime de responsabilidade. Essa é uma questão.

A segunda questão tem natureza jurídica e política, que é se cabe no exercício provisório da presidência da Câmara acatar ou não um pedido de impeachment. Estou analisando as duas coisas.

O sr. falou que Bolsonaro está marchando sobre a Câmara. É a segunda gestão que não aprecia os pedidos de impeachment nem rejeita. Como o sr. vê isso?

MR -
Eu acho que uma das coisas que precisam ser resolvidas imediatamente na legislação é um prazo para que o presidente analise o pedido. Se ele entende que não existem fundamentos, ele tem que negar. Negar é uma possibilidade, uma possibilidade democrática, legítima.

Diante das ameaças ao processo eleitoral, o sr. vê algum risco real à democracia?

MR -
Hoje, eu acho que isso é mais retórica do que uma possibilidade real. Não há clima no mundo para uma saída fora da democracia, não há clima nas instituições, na imprensa, na sociedade brasileira para uma saída fora da democracia.

No entanto, esse tipo de atitude começa a ser um perigo. E só não se torna perigoso se tiver reação firme o suficiente das instituições. Quando o presidente diz que não vai ter eleição em 2022, ele está dizendo que o Congresso vai ser fechado em 31 de janeiro de 2023, quando acabam os nossos mandatos.

O Congresso não pode ficar calado diante disso. Não pode. O Congresso não tem o direito, nem a Câmara, nem o Senado, não tem o direito de se calar diante de uma fala do presidente que diz que pode não ter eleição no ano que vem. Na melhor das hipóteses, a Câmara e o Senado têm que dizer 'olha, sociedade, fique tranquila, não tem nada disso, terá eleição no ano que vem'.

MARCELO RAMOS, 47
Vice-presidente da Câmara dos Deputados pelo PL-AM. Foi presidente da comissão especial da reforma da Previdência. Está em seu primeiro mandato como deputado federal. Antes, foi deputado estadual no Amazonas de 2011 a 2015.