Olimpíada é consagração de Lucas Verthein, o menino que só jogava videogame
Único brasileiro na Olimpíada classificado no remo, Verthein vai competir no single skiff
Lucas Verthein, 23, estava relaxado em seu primeiro dia na Vila Olímpica, no último sábado (17). Preparado para temperaturas superiores a 30º C, usava chinelo de dedo, bermuda, camiseta regata e óculos escuros.
Mesmo antes de competir na Sea Forest Waterway, local onde iniciará a disputa do remo nos Jogos de Tóquio nesta quinta-feira (22), ele já aproveitava o ambiente. "É tudo o que eu imaginei. Valeu."
O "valeu" significa a recompensa pelos dias em que acordou às 4h para conciliar o treino de atleta de ponta com o trabalho em uma loja de produtos de informática, as corridas de bicicletas para entregar marmitas preparadas por sua mãe no Rio de Janeiro e o curso superior de administração de empresas.
"Neste ano, na reta final de preparação, conversei com o colega com quem eu trabalhava na loja, com a minha mãe e combinamos que eu iria focar apenas o esporte. Quando eu voltar de Tóquio recomeçamos tudo. Era o momento de me manter concentrado em só um objetivo", disse Verthein à reportagem.
A reta final começou com a conquista da vaga nos Jogos ao vencer o Pré-Olímpico das Américas, na Lagoa Rodrigo de Freitas, na capital fluminense, em março, parte de um ciclo olímpico que, diz Verthein, foi bem além dos cinco anos entre a Rio-2016 e a Olimpíada de Tóquio.
"Eu me preparo para chegar aos Jogos desde que comecei no remo, em 2012. Estar aqui é a coroação de tudo o que queria como atleta. Porque acordar muito cedo, treinar, estudar, trabalhar e fazer entregas te deixa exausto. Mas sabia que tudo aquilo, de alguma forma, me faria bem, me daria uma recompensa no final. Seguir era uma questão psicológica. A mente é muito mais forte do que o cansaço", afirma.
Único brasileiro na Olimpíada classificado no remo, Verthein vai competir no single skiff (ou single scull), barco desenhado para apenas uma pessoa, que usa dois remos para mover a embarcação.
O atleta afirma que, se baixar a melhor marca da sua carreira para a prova de 2 km –6min49s–, pode ficar até com a sexta posição. Seria um resultado histórico para o remador, que conquistou no mundial júnior disputado em 2016, na Holanda, uma medalha de bronze, a única obtida até hoje por um latino-americano.
"Sou fiel ao meu desenvolvimento a longo prazo. Estou em Tóquio com 23 anos. Serão mais três para [os Jogos de] Paris. Trouxe medalha no mundial júnior, fui medalhista no Pan-Americano [bronze em Lima, em 2019]. É uma evolução. Acredito em todo o trabalho que fiz e sempre trabalhei muito", afirma ele.
Mais do que um nome olímpico, Verthein é, para sua mãe, Luciana, a prova do poder de transformação. De uma hora para a outra, o menino de 13 anos entrou na casa da família, na zona norte do Rio de Janeiro, contando ter sido convidado por um amigo para treinar remo no Botafogo.
Justamente ele, o garoto que passava o dia trancado no quarto e jogava tanto videogame que aprendeu inglês graças aos consoles? Luciana duvidou que o filho fosse manter a rotina de levantar de madrugada para fazer um esporte que exige força.
"Minha mãe me olhou e só perguntou: 'VOCÊ vai acordar cedo para praticar remo?' Eu disse que sim, e ela não respondeu nada. Eu me apaixonei pelo remo, comecei a entrar cada vez mais no esporte e a mudar meus hábitos. Meus pais perceberam e me incentivaram muito."
Durante a pandemia de Covid-19, Verthein ficou cinco meses sem poder entrar na água. Teve de se contentar com exercícios físicos e um aparelho que simula os movimentos do remo. Não era a mesma coisa, mas teve de se virar. Dar um jeito nas situações difíceis não deixava de ser rotina em sua vida.
Foi ao entrar na Vila Olímpica e ao começar os treinos no Japão que ele começou a sentir o clima que desejava viver nos Jogos. "Imaginava um ambiente diferente de tudo o que já participei. Um lugar a que você chegou depois de treinar durante quatro anos e onde está pronto para dar tudo o que pode, atingir o ápice. Para mim, estar na Olimpíada é isso. Uma responsabilidade, mas também uma alegria imensa", diz.