Televisão

Irene Ravache fala sobre Sabine, da novela “Pega-Pega”

Exibida originalmente em 2017, novela voltou ao ar esta semana

Irene Ravache - TV Globo/Divulgação

A trama de “Pega-Pega” impressiona Irene Ravache até hoje. Exibida originalmente em 2017, e agora reprisada por conta da pandemia, a comédia de Claudia Souto encanta a intérprete da vilã Sabine por conta do conteúdo atual de sua história, centralizada em um roubo milionário que acaba por mesclar boas e más condutas em personagens realistas. Em comum, a máxima do “jeitinho brasileiro” de sempre querer se dar bem no final. “Enxergo essa novela como um microcosmo do Brasil. É muito bom voltar a falar de ética em um momento como esse. A Sabine é uma figura prepotente que odeia o próprio país e tenta corromper as pessoas em benefício próprio. Um tipo muito comum de se encontrar pelas ruas, infelizmente. Porém, até ela tem seus bons momentos”, destaca, entre risos.

Carioca que vive na ponte-aérea entre o Rio e São Paulo, Irene é do tipo que nunca fez outra coisa a não ser atuar. Com passagens por diversas companhias teatrais e emissoras de tevê, como Tupi, SBT, Record e Globo, foi nesta última que ela fez sua estreia no vídeo, em “Paixão de Outono”, de 1965. Quase seis décadas depois, a atriz se orgulha de manter o vínculo artístico com a emissora em que fez trabalhos célebres como “Champagne”, “Sassaricando”, “Passione” e a recente “Espelho da Vida”. “Tudo mudou tanto ao longo desses anos. A única coisa que fica intacta é a emoção. É o que eu busco a cada novo trabalho. Sigo atenta e forte ao que aparecer”, ressalta a atriz de 76 anos.

P – Como recebeu a notícia de que “Pega-Pega” estaria de volta ao mesmíssimo horário das sete?

R – Fiquei muito contente. Guardo lembranças boas de grande parte dos meus trabalhos, mas “Pega-Pega” foi além do esquema de muito texto e espera habitual das novelas. Houve realmente uma grande conexão de toda a equipe. Tive problemas pessoais durante a produção e me senti muito acolhida e prestigiada pela direção, pela autora e por todo o time.

P – Seu marido, o jornalista Edison Paes de Melo, teve problemas de saúde e você precisou se afastar das gravações. Foi difícil retornar ao trabalho diante de uma situação tão complicada?

R – Em um momento como esse, as prioridades mudam completamente. Liguei pro Luiz (Henrique Rios, diretor) e falei que iria precisar de pelo menos, duas semanas para acompanhar o Edison. Luiz ligou pra Claudia e os dois me deram o tempo que eu precisava. Sei como é difícil para uma autora e um diretor fazerem isso. Eles foram de um carinho enorme e serei eternamente agradecida. Faço novelas e trabalho em televisão há muitos anos e já vi o outro lado dessa questão.

P – Como assim?

R – Já tive problemas sérios no decorrer das novelas e a recepção não teve esse aconchego e compreensão. Acho importante ter a postura de saber o que está acontecendo com aquele ator ou aquele técnico. A vida tem seus reveses e, às vezes, a gente precisa de uma cobertura. Voltei ao trabalho extremamente satisfeita com o tratamento que tive.

P – Nos anos 1980 você participou de clássicos das 19h como “Elas Por Elas”, “Ti-Ti-Ti” e “Guerra dos Sexos”. Esse histórico ajudou na hora de você acertar sua participação em “Pega-Pega”?

R – Com certeza! Vivi momentos e personagens maravilhosas sob o texto de autores como Cassiano (Gabus Mendes) e Silvio (de Abreu). Impossível não lembrar dessa época quando chega um convite para a mesma faixa. Acho que “Pega-Pega” bebeu na mesma fonte desses clássicos. É claro que os tempos são outros, mas a novela das sete ainda continua tendo a função de abordar temas sérios do cotidiano com uma embalagem mais leve e cômica.

P – Sob o ponto de vista da intérprete, quais as principais diferenças entre as novelas das sete feitas nos anos 1980 e as de agora?

R – Hoje as novelas precisam ser realistas ao extremo. Se não for assim, o público se afasta. Isso tira um pouco da criatividade dos autores. Mas, para os atores, é um efeito bem interessante. Acabou a ideia de que a vilã é profundamente má e a mocinha é uma mulher perfeita. As personagens têm múltiplas facetas e isso deixa o trabalho mais rico. Sabine é uma mulher ardilosa, mas que, às vezes, demonstra ter um grande coração, por exemplo.

P – Sabine foi concebida como uma homenagem da autora Claudia Souto a Odete Roitman, vilã que odiava o Brasil vivida por Beatriz Segall em “Vale Tudo”. Décadas depois, você acha que o país chegou ao ponto de ser odiado novamente?

R – A gente continua em uma situação muito complicada. O mundo inteiro anda complexo. Mas meu foco é a nossa realidade e ela não está fácil. A corrupção sempre existiu e agora pelo menos a gente pode cobrar e pressionar mais. Acho que Sabine surge como uma Odete mais consciente de que é preciso se adaptar a cada situação. Dependendo do momento, Sabine vai usando suas máscaras. A única coisa de real nela é o amor pelo filho adotivo.

P – A descoberta da verdadeira família do Don (David Junior) fez Sabine mostrar que também pode ser cruel. Além da Odete Roitman, você buscou outras inspirações para a personagem?

R – Nem precisei ir muito longe. O Brasil é um país de extrema injustiça, o que gera um conflito de classes enormes. A Sabine é a face de um Brasil rico e mal educado. Ela só consegue ser legal com alguém que julga inferior quando precisa de algo. Isso a gente vê na rua. Não é nem necessário buscar referências no cinema ou na tevê.

P – Quando “Pega-Pega” foi ao ar, você estava com 72 anos e protagonizou cenas sensuais ao lado de atores como Marcelo Serrado, Márcio Kieling e Marcos Caruso. Foi bom estar no posto de “pegadora”?

R – Libertador. Sabine é uma mulher segura de si, muito independente e bem livre. Acho ótimo chegar ao ponto em que estou da minha carreira fazendo uma personagem desse tipo, que rompe com o que já está estabelecido. É um assunto que ainda mexe com as pessoas. Se fosse um ator com mais de 70 anos se envolvendo com meninas de 20, todos iriam achar muito normal. Achei ótimo a novela abordar essas outras configurações e o poder de atração de mulheres mais velhas.

P - A televisão é um veículo diretamente ligado à imagem. Em algum momento envelhecer a deixou receosa de conseguir bons papéis?

R – Não. Como nunca dependi da televisão, esse medo não me ocorreu. Vi muitas colegas reclamando da falta de bons papéis, mas as novelas cresceram e a gente viu aparecer não apenas papéis de destaques para atrizes maduras, como grandes protagonistas e antagonistas. No fim, o que conta mesmo é a emoção e o talento.