Morre de Covid o filósofo Roberto Romano, aos 75 anos
Morreu nesta quinta-feira (22), aos 75 anos, o filósofo Roberto Romano, professor aposentado de ética e política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Vítima da Covid-19, ele estava internado no InCor (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP), em São Paulo, desde o dia 11 de junho para tratar a doença. Segundo nota do hospital, o professor "evoluiu nas últimas semanas com quadro clínico grave, que culminou em falência de múltiplos órgãos".
Autor de livros como "Brasil, Igreja Contra Estado", "Conservadorismo Romântico", "Silêncio e Ruído - A Sátira e Denis Diderot" e "Razão de Estado e Outros Estados da Razão", Romano era um crítico contumaz do governo de Jair Bolsonaro e do atual momento político do país.
Em entrevista no final de 2019, classificou o primeiro ano do mandato do presidente "como uma espécie de pedagogia do inferno". "Foi um péssimo governo. Um governo que não prima pelo exemplo do respeito à Constituição, às leis e aos costumes éticos corretos", afirmou Romano na ocasião. Romano considerava que o primeiros ano do atual governo foi um retrocesso para o país. "Em termos éticos, [foi] um retrocesso muito grave em relação à situação da vida social brasileira e política, incentivado pelo exemplo do próprio presidente e de alguns ministros".
O filósofo disse na ocasião que não esperava que a carga ideológica fosse tão forte. Tinha a expectativa de um pensamento conservador, de direita, "próximo de um saudosismo do período militar porque o candidato Bolsonaro nunca fez segredo disso. Agora, com essa violência, eu não esperava. Essa virulência da fala e dos atos do presidente botam fogo num rastilho de pólvora".
Em texto publicado no jornal Folha de S.Paulo em fevereiro de 2019, Romano argumentou que a separação de Estado e igreja no Brasil passou por retrocessos desde que foi firmada no país pela Constituição de 1891 e permanece sob ataque de grupos que pretendem impor a religião à vida pública.
"Hoje lideranças católicas, unidas a igrejas e movimentos evangélicos, pretendem dar ao Estado e à sociedade formas legais contra o laicismo. Os evangélicos substituem o catolicismo, agora se imaginam a nova alma do corpo estatal", afirmou o filósofo.
Referindo-se na época a Bolsonaro, Romano acrescentou: "O presidente eleito deu a senha: somos um Estado cristão, não laico. Assim, o religioso retoma suas pretensões políticas sob a diretriz de seitas que não seguem com justeza a reforma, não valorizam o traço civil dos assuntos estatais".
Nascido em 1946, em Jaguapitã, no norte do Paraná, Romano militou na JEC (Juventude Estudantil Católica) no início da década de 1960 e se aproximou de Ubaldo Pupi, filósofo católico. Nessa época também trabalhou como monitor de um curso do método Paulo Freire em Marília, no interior paulista.
Ingressou no Convento dos Dominicanos, em Juiz de Fora (MG), mas voltou a São Paulo para estudar filosofia na USP. Foi frade dominicano por 12 anos.
Romano chegou a ser preso no Rio de Janeiro pouco depois da edição do AI-5 (Ato Institucional nº 5) em 1968, que inaugurou o período de maior repressão política da ditadura militar.
Em uma entrevista concedida em 2014, o filósofo recordou a prisão ocorrida quando buscava informações sobre um colega, Ivo Lesbaupin, que militava na ALN (Ação Libertadora Nacional), de Carlos Marighella. Romano foi preso e torturado mesmo sem ter vínculo formal com os dominicanos que atuavam na luta armada contra o regime militar.
"Fui levado e interrogado, mas não tinha muito que dizer, pois não tinha trato com a ALN. Fui transferido do Rio de Janeiro para São Paulo, onde encontrei o Ivo na cela do Departamento de Ordem Política e Social - DOPS, com o rosto totalmente esfacelado. Só o reconheci porque ele usava a mesma camisa xadrez canadense de quando saiu do convento. Quando o vi, pensei: eu conheço essa camisa".
Ao relembrar a tortura que sofreu, Romano disse, na mesma entrevista, que tentou suicídio. "A situação ficou de tal modo insuportável que eu, inexperiente e tolo, tentei suicídio. Fui socorrido por dom Paulo Evaristo Arns, a quem devo a vida." Ele acabou solto e depois absolvido.
Graduando-se em 1973, mudou-se para a França no ano seguinte. Lá, iniciou o doutorado em filosofia na Escola de Estudos Avançados em Ciências Sociais.
Em 1985, ingressou na Unicamp nas áreas de filosofia, ética e política. Na universidade, presidiu a Comissão de Perícia que analisou as milhares de ossadas encontradas no cemitério de Perus, em São Paulo, pertencentes a presos políticos da ditadura. Especialista na relação entre religião e política, Romano viu com bons olhos a eleição do papa Francisco, em 2013.
Em entrevista à Folha de S.Paulo logo após o conclave daquele ano, o filósofo avaliou que o argentino, integrante da ordem dos jesuítas, precisaria enfrentar a Cúria se quisesse "arejar a igreja". "Conforme a crise, a igreja apela para a colegialidade ou para a hipercentralização do poder. O que Francisco pode fazer é, pouco a pouco, aumentar a colegialidade".
Sobre as denúncias de suposta colaboração de Francisco com a repressão da ditadura militar argentina, porém, Romano disse que o papa "pode estar pagando pelos pecados da igreja argentina como um todo".
Em nota, o Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp lamentou a morte de Romano e se solidarizou com familiares e amigos.