Atos contra Bolsonaro repensam estratégias
As manifestações têm dado dor de cabeça para os governistas
Os sinais de cansaço dos manifestantes, com a menor presença de público em atos como o de São Paulo, levaram a organização dos protestos nacionais contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a rever o planejamento de datas e estratégias para tentar brecar o esvaziamento da mobilização.
O tema ainda será discutido nesta semana pela Campanha Nacional Fora Bolsonaro, núcleo de movimentos sociais, partidos e centrais sindicais majoritariamente ligados à esquerda que é responsável pela onda de quatro atos iniciada em maio e que teve a edição mais recente no sábado (24).
Conversas iniciais, porém, apontam para a necessidade de readequação do calendário, possivelmente com um intervalo maior para o próximo ato. Uma das ideias é marcá-lo para 7 de setembro, o que resultaria em um espaço de 45 dias sem manifestações, mas ainda não há deliberação.
Originalmente, o plano era que a mobilização de sábado passado fosse a subsequente à de 19 de junho, mas os articuladores decidiram convocar uma marcha extra para 3 de julho, para aproveitar a repercussão das primeiras denúncias de corrupção na compra de vacinas pelo governo.
Apesar da queda no número de participantes em diversos locais, os coordenadores viram como positivo o recorde de 509 atos, em todos os estados e também fora do país. Segundo a campanha, 600 mil pessoas se juntaram às passeatas.
Capitais como São Paulo e Brasília registraram número menor de apoiadores, mas pessoas ligadas ao núcleo central afirmam que outros locais, como Salvador e Belo Horizonte, mantiveram o nível de adesão.
O risco de perda de fôlego já era debatido, com alas que defendem tanto espaçamento maior quanto ritmo mais intenso de manifestações. A proposta de greve geral, que alguns movimentos e entidades sindicais vocalizam, voltou a circular, mas está longe de ser consensual.
Um documento de avaliação interna do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) após o levante do dia 3 alertou para o perigo da "convocação excessiva de atos". A recomendação era de cautela para evitar o desgaste de setores da sociedade que vinham se engajando.
De modo geral, os ativistas relacionam a chance de comparecimento a duas questões: uma mobilização articulada, com atividades prévias que divulguem a convocação, e a temperatura política da hora, com fatos que instiguem os críticos do presidente a saírem de casa.
No caso de sábado, que já era visto como uma espécie de teste para a disposição dos manifestantes após uma sequência de três grandes atos em 56 dias (29 de maio, 19 de junho e 3 de julho), alguns elementos indicavam a possibilidade de menor adesão.
A pressão pelo impeachment de Bolsonaro estagnou em Brasília com a declarada oposição do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), ao andamento de algum dos mais de cem pedidos de destituição do mandatário que foram protocolados na Casa.
Ao mesmo tempo, Bolsonaro reforçou sua base parlamentar com a escolha de Ciro Nogueira (PP-PI), um dos líderes do centrão, para a Casa Civil. Com o ambiente nada animador para os querem a saída do presidente, cresce também a dificuldade para insuflar a militância.
Outra questão considerada era o período de recesso da CPI da Covid no Senado, que esfriou o noticiário sobre a atuação do presidente na crise sanitária.
Embora as revelações trazidas pela investigação parlamentar tenham aparecido em discursos e cartazes, ganhou espaço nas manifestações a reação às ameaças do Planalto à realização das eleições de 2022, depois de mais uma semana de crise protagonizada por militares do governo.
"Em geral, grandes mobilizações dependem de fatos com impacto na opinião pública. A do dia 3, que foi definida com base nas informações que começavam a surgir, teve esse apelo", diz Douglas Belchior, da Coalizão Negra por Direitos, uma das entidades que puxam as passeatas.
O progresso gradual da vacinação também vinha sendo tratado como mais um fator a contribuir para o esvaziamento das marchas, que têm como bandeira, além do "fora, Bolsonaro" e do apelo por auxílio emergencial de R$ 600, a cobrança de mais doses para proteger a população.
Na avenida Paulista, no entanto, o ex-prefeito Fernando Haddad (PT) tratou o avanço da imunização como algo positivo para os atos. Ele discursou que, após ser vacinada, a população jovem se sentirá mais segura para aderir às multidões de descontentes.
A campanha que agrega as entidades organizadoras diz oficialmente que ainda fará uma avaliação conjunta, conversará sobre datas e identificará as causas do arrefecimento para definir novas táticas.
Membros da linha de frente disseram à reportagem, reservadamente, que o grande dilema hoje é como obter resultados concretos, já que as marchas se firmaram como uma vitrine para expressar a insatisfação popular com o governo, mas nada produziram.
A ampliação ideológica, tida como um dos eixos que ajudariam a encorpar a iniciativa, ainda é restrita a capitais como São Paulo e Rio de Janeiro, onde siglas como PT, PSOL e PC do B passaram a ter a companhia de setores de partidos como PSDB, PDT, PSB, Cidadania e Solidariedade.
Sem acordo para se juntarem às passeatas, o MBL (Movimento Brasil Livre) e o VPR (Vem Pra Rua) anunciaram para 12 de setembro sua própria manifestação nacional contra Bolsonaro, apoiada por forças da direita não bolsonarista, sobretudo do Novo e do PSL.
Ministros e deputados aliados de Bolsonaro viram com certo alívio os indícios de desmobilização das ruas. Bolsonaristas também buscam tachar os protestos como eventos de campanha do ex-presidente Lula (PT), que lidera as pesquisas para a corrida eleitoral de 2022, e exploram imagens de episódios de violência, como casos de depredação na capital paulista.
Raimundo Bonfim, coordenador da CMP (Central de Movimentos Populares) e um dos líderes das marchas, minimiza a redução de público e diz que foram "quatro grandes protestos em 57 dias", em meio à pandemia e à suspensão da CPI. "E que mesmo assim movimentaram milhares de pessoas."
O desafio agora, segue Raimundo, é chegar às camadas mais afetadas pelo governo. "Precisamos mostrar à população que queremos o 'fora, Bolsonaro' porque ele é o responsável pela grave crise social, materializada no desemprego e no aumento da fome e da pobreza", conclui.
Presidente da UP no estado de São Paulo e coordenadora da coalizão Povo na Rua, Vivian Mendes defende a continuidade e, mais do que isso, uma escalada dos atos. Também prega uma greve geral construída em conjunto com outros setores políticos. "Mas não está fácil", queixa-se.
"Tem muita gente dizendo que quer derrubar o presidente e trabalhando duramente só para desgastá-lo para o ano que vem", diz, referindo-se às eleições de 2022 e ecoando a tese de que siglas como o PT queiram mais "sangrar" Bolsonaro do que tirá-lo do cargo.