Violência

Funai já sabia sobre declaração de coordenador estimulando 'meter fogo' em indígenas isolados no AM

A gravação foi feita na aldeia Vida Nova em 23 de junho, duas semanas após uma suposta tentativa de sequestro de uma mulher marubo por indígenas isolados

Sede da Coordenação Regional da Funai de Cuiabá - Reprodução Funai/Cuiabá

A sede da Funai (Fundação Nacional do Índio) tem conhecimento desde o dia 7 de julho do áudio em que seu coordenador regional do Vale do Javari (AM), o tenente reformado do Exército Henry Charlles Lima da Silva, aparece estimulando líderes do povo marubo a disparar contra indígenas isolados. O funcionário, no entanto, não foi punido ou exonerado até agora.

A gravação foi feita na aldeia Vida Nova em 23 de junho, duas semanas após uma suposta tentativa de sequestro de uma mulher marubo por indígenas isolados.

Em reunião, Silva afirmou: "Eu vou entrar em contato com o pessoal da Frente [de Proteção Etnoambiental, setor da Funai responsável pelos monitoramento de povos isolados] e pressionar: 'Vocês têm de cuidar dos índios isolados, porque senão eu vou, junto com os marubos, meter fogo nos isolados'".


Em relatório sobre o episódio obtido pelo jornal Folha de S.Paulo, a Coordenadoria-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) informou ter recebido o áudio de líderes marubos contrários à posição do coordenador.

Para a CGIIRC, a declaração do tenente reformado "é de extrema gravidade e não condiz com a missão institucional da Funai, que é a proteção física dos povos indígenas isolados do Brasil".

Ainda segundo a CGIIRC, a posição de Silva "não condiz com o comportamento e atitudes que um gestor da Funai deve manifestar em aldeias indígenas onde há um panorama de potencial conflito interétnico".

Dois dias depois, em 9 de julho, Lima da Silva enviou sua defesa à Diretoria de Proteção Territorial (DPT) da Funai. Ele admitiu que usou "equivocadamente" a expressão "meter fogo nos isolados", mas justificou que foi "apenas no sentido de tomar alguma providência junto às instâncias superiores de nossa instituição".

O episódio, revelado pela Folha de S.Paulo no último dia 22, gerou forte reação do movimento indígena. A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) acusou Lima da Silva de incitar o genocídio. O Ministério Público Federal investiga o caso.

Via assessoria de imprensa, a Funai informou na segunda-feira (26) "que o caso está sendo apurado em âmbito interno", sem detalhar como. O órgão disse que "não compactua com qualquer conduta ilícita, bem como com juízos açodados, emitidos antes que seja concluída a apuração dos fatos".

A demora da Funai, presidida pelo delegado da Polícia Federal Marcelo Xavier, em agir com relação ao coordenador da Vale do Javari (AM) contrasta com uma série de denúncias que o órgão federal tem feito contra líderes indígenas opositores do governo Jair Bolsonaro.

Desde o final de abril, Xavier já fez quatro denúncias. O primeiro caso foi contra Sonia Guajajara, da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil). Em seguida, foi a vez do líder Almir Suruí, da Terra Indígena Sete de Setembro, em Rondônia. Ambos processos já foram arquivados pela PF e pelo MPF, respectivamente.

Em 12 de maio, após provocação de Xavier, a PF no Amazonas abriu inquérito contra o líder waimiri-atroari Mário Parwe Atroari, duas organizações indígenas e até servidores da própria Funai.

O caso mais recente ocorreu no próprio Vale do Javari e também está relacionado com o suposto surgimento dos isolados nas comunidades marubos.

A Funai denunciou ao MPF quatro representantes da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) por descumprir a quarentena da Covid-19. O grupo havia ido às aldeias marubos em caráter emergencial para apaziguar os ânimos, dias após o caso do suposto rapto.