Imprensa

Bolsonaro atacou imprensa 87 vezes no primeiro semestre de 2021, aumento de 74%, diz entidade

Bolsonaro foi o campeão de agressões à imprensa entre os agentes públicos monitorados pela entidade

Um dos ataques do presidente Bolsonaro à imprensa em maio de 2020 - Reprodução/Facebook

O presidente Jair Bolsonaro atacou a imprensa ao menos 87 vezes no primeiro semestre de 2021, um aumento de 74% em relação ao segundo semestre de 2020, revela levantamento da organização Repórteres Sem Fronteiras, divulgado nesta quarta-feira (8).

Bolsonaro foi o campeão de agressões à imprensa entre os agentes públicos monitorados pela entidade.
Ao todo, a RSF registrou 331 ataques contra a imprensa protagonizados por autoridades públicas de alto escalão, aumento de 5,4% em relação aos últimos seis meses do ano passado.


Desses, 293 (88%) vieram da família Bolsonaro — além do presidente da República, com 87, figuram no ranking de ataques o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), com 85, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), com 83, e o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), com 38.

"Tensões entre governos e a imprensa não são novidade. Mas, com o presidente Jair Bolsonaro, vemos um ponto de inflexão, os atritos esporádicos foram substituídos por uma política deliberada de desmoralização e ataques sistemáticos ao jornalismo promovidos por autoridades das mais altas esferas de poder. A normalização desse cenário é um ataque aos princípios básicos da democracia", diz Emmanuel Colombié, diretor do escritório regional da RSF para a América Latina.

"O levantamento também evidencia a violação de compromissos internacionais assumidos pelo Brasil em relação à liberdade de expre ssão. O Estado tem a obrigação de prevenir episódios de violência contra a imprensa, o que inclui adotar um discurso público que não aumente a vulnerabilidade dos jornalistas diante dos riscos aos quais estão confrontados. O governo brasileiro age de forma diametralmente oposta."

Procurada, a secretaria de comunicação da Presidência não respondeu até a publicação deste texto.
Em abril, pela primeira vez em 20 anos, o Brasil entrou na "zona vermelha" do Ranking Mundial de Liberdade de Imprensa da Repórteres Sem Fronteiras.

O país está classificado, ao lado de Bolívia, Nicarágua, Rússia, Filipinas, Índia e Turquia, como uma nação na qual a situação para o trabalho da imprensa é considerada difícil. O Brasil ocupa a 111ª colocacao no ranking, e, em 2 de julho deste ano, a RSF incluiu o presidente Bolsonaro em sua lista global de predadores da liberdade de imprensa.

O levantamento sobre agentes públicos considera ataque o uso de discursos anti-imprensa de maneira geral, sobretudo agressoes morais contra jornalistas, veiculos e grupos de comunicacao.

 



As agressoes morais sao ameacas, xingamentos, exposicao de jornalistas e veiculos de comunicacao de maneira vexatoria. Alem disso, tambem sao consideradas publicacoes nas redes sociais e falas publicas com intuito claro de construir uma retorica de desconfianca e falta de credibilidade do trabalho jornalistico.

São analisadas as contas de Twitter e Facebook do presidente Bolsonaro, suas lives semanais e aparicoes publicas, como coletivas e entrevistas noticiadas pela midia e pela assessoria de imprensa da Presidencia.

Foram monitoradas também falas publicas e publicacoes em redes sociais do vice-presidente Hamilton Mourao (PRTB); dos tres filhos do presidente que ocupam cargos eletivos; e de ministros e ministras de Estado que utilizam as redes sociais como meio institucional de comunicacao.

O relatório cita episódios como o evento do dia 27 de janeiro, em que, cercado por apoiadores e falando sobre gastos publicos do governo federal, Bolsonaro recomendou aos jornalistas "enfiar as latas de leite condensado no rabo".

Outro ataque abordado ocorreu no dia 21 de junho, durante viagem do presidente ao Estado de Sao Paulo. Em entrevista coletiva, Bolsonaro insultou a repórter Laurene Santos, da TV Vanguarda, afiliada da TV Globo. "Cala a boca [...] a Globo e imprensa de merda, imprensa podre", gritou Bolsonaro, ao ser indagado pela repórter sobre o porquê de ter chegado ao local sem usar máscara.

Em 25 de junho, questionado sobre suspeitas de fraude na compra de vacinas contra a Covid-19, atacou a repórter Victoria Abel, da radio CBN: "Volta pra universidade, depois pro ensino medio, depois pro jardim de infancia, entao voce pode renascer!". Na mesma entrevista coletiva, pediu aos reporteres que parassem de fazer perguntas estupidas.

Daniela Lima, âncora da CNN Brasil, foi a mulher jornalista mais atacada no período, com quatro ataques. Em 2 de junho, o presidente qualificou Lima de quadrupede, causando uma avalanche de ataques misoginos contra a jornalista nas redes sociais.


As lives semanais de Bolsonaro foram seu principal veículo de ataques contra a imprensa: 58,62% das agressões ou ofensas contra jornalistas ocorreram durante essas transmissões ao vivo pelo Facebook, também veiculadas pelo YouTube. Outros 21,84% dos ataques ocorreram no Twitter, e 19,54%, durante atos públicos.
Na contabilidade da RSF, entre os veículos de mídia, o Grupo Globo foi o principal alvo, com 76 ataques, seguido do Grupo Folha, com 44 ataques.

Segundo a entidade, essas atitudes violam normas internacionais de direitos humanos, que preveem como papel do Estado condenar agressoes contra jornalistas, além de nao adotar discursos publicos que exponham jornalistas e outros comunicadores a maior risco de violencia ou aumentem sua vulnerabilidade.

"Quando o presidente se refere cotidianamente à imprensa como um inimigo a ser combatido, ele alimenta um ambiente hostil para todos os jornalistas e intoxica o debate público. É uma fala que autoriza e chancela uma postura agressiva do governo e da sociedade em geral frente ao exercício do jornalismo", diz Colombié.
Ranking de agressões à imprensa no primeiro semestre de 2021

Fonte: Repórteres Sem Fronteiras