Ministério pode fechar contrato de R$ 15,7 mi com empresa alvo da CPI
Se confirmada, será a segunda etapa de um acordo entre a pasta e a empresa feito em 2020 para a entrega de 10 milhões de preservativos
O Ministério da Saúde pode fechar nova compra de preservativos femininos por R$ 15,7 milhões com a Precisa Medicamentos. A empresa é alvo da CPI da Covid por suspeitas de irregularidades na negociação da vacina indiana Covaxin com o governo Jair Bolsonaro (sem partido).
Se confirmada, será a segunda etapa de um acordo entre a pasta e a empresa feito em 2020 para a entrega de 10 milhões de preservativos. Metade da compra já foi concluída.
A nova aquisição estava encaminhada no ministério, mas travou por causa do avanço das apurações no Senado.
Apesar de parecer favorável da área técnica, a cúpula da Saúde agora avalia se vale a pena o desgaste de fechar novo contrato quando a empresa está sob holofotes, ainda que as suspeitas não atinjam a compra dos preservativos.
A Precisa atrasou a distribuição de todas as parcelas da primeira etapa do acordo com a Saúde, mas a pasta disse, em nota, que as as unidades foram entregues.
A compra foi brecada pela troca de comando no DLOG (Departamento de Logística de Saúde), responsável por assinar contratos do ministério.
No fim de junho, Roberto Ferreira Dias foi exonerado do DLOG após o policial militar Luiz Paulo Dominghetti revelar ao jornal Folha de S.Paulo que teria recebido dele pedido de propina em negociação de vacinas. Dias nega a acusação.
Em maio, Dias autorizou o empenho (reserva de verba) de R$ 15,7 milhões para a Precisa, após pedido da área técnica, mas o processo travou.
O novo chefe da Logística, general Ridauto Fernandes, mencionou em despacho do começo de julho que a Precisa atrasou todas as entregas e devolveu a análise para a área técnica. A medida, segundo apurou a reportagem, sinaliza cautela do general para assinar novas compras com a Precisa.
O contrato dos preservativos é tema ainda mais sensível após o laboratório indiano Bharat Biotech romper o acordo com a Precisa para venda ao Brasil da Covaxin. A fabricante sugeriu que a empresa apresentou documentos forjados ao governo federal, o que a Precisa nega.
A Precisa foi arrastada à CPI por suspeitas de irregularidades no contrato de R$ 1,6 bilhão por 20 milhões de doses da Covaxin ao governo. Cada vacina custaria US$ 15, valor mais alto entre as vacinas negociadas pelo governo.
A apuração sobre a Covaxin ganhou fôlego após a Folha de S.Paulo revelar, em 18 de junho, que o chefe da divisão de importação da Saúde, Luís Ricardo Miranda, dissera ao MPF (Ministério Público Federal) que sofreu pressão incomum –inclusive de Dias– para agilizar o processo do imunizante, mesmo com documentos incompletos. O deputado Luis Miranda (DEM-DF), irmão do servidor, afirmou que levou as suspeitas a Bolsonaro.
O contrato da Covaxin foi suspenso pela Saúde, que agora quer romper de vez o acordo. O processo pode gerar punições à Precisa, como proibição de participar de licitações do governo ou multa.
No caso dos preservativos, a Saúde tem até 10 de setembro para decidir se executa a segunda parte do acordo e firma novo contrato.
A Precisa fornece preservativos ao governo federal desde o começo de 2019 e já recebeu cerca de R$ 100 milhões.
O UOL revelou que a área técnica da Saúde chegou a propor, em maio de 2019, multa de ao menos R$ 1,3 milhão à empresa por atrasos na entrega, mas não houve punição.
As unidades da empresa são de látex. Entidades que representam pessoas vivendo com HIV/Aids dizem que o modelo da Precisa é menos confortável do que os de borracha nitrílica.
Em nota enviada no último dia 15, a Saúde disse que "há parecer favorável" para fechar o novo contrato. Procurada de segunda-feira (26) a esta quarta-feira (28) para confirmar se a compra será ou não feita, a pasta não se manifestou. A Precisa também não respondeu à reportagem.
Em março, a Precisa disse à Saúde que não teve culpa pelo atraso em uma das entregas e disse ter insistido para que o ministério agilizasse pedidos de importação.
A Saúde chegou a realizar nova cotação de preços, mas concluiu, em maio, que a oferta da Precisa pelos preservativos ainda era vantajosa.
A compra também gerou celeuma após falhas da Saúde. Em novembro de 2020, a pasta publicou o contrato para compra da primeira metade dos preservativos, mas errou na cotação do dólar. Ao corrigi-la, em fevereiro, firmou aditivo contratual com o dobro do preço (R$ 31,5 milhões), valor que só se justificaria se todos os 10 milhões de preservativos fossem comprados de uma vez. O primeiro contrato, porém, era de 5 milhões de unidades, com metade do valor cotado na ata de preço.
Nova correção foi feita em 24 de junho, com a Precisa já na mira da CPI. Ao revisar o processo, a área técnica da DLOG disse que não houve um reajuste para o dobro do preço, como chegou a ser noticiado, mas apenas erro humano.
Sócia da Precisa Medicamentos, a empresa Global Gestão em Saúde recebeu R$ 20 milhões em 2017 do ministério por medicamentos que nunca foram entregues. Como mostrou a Folha de S.Paulo, em 2019 a pasta apontou, em documentos internos, que foi enganada pelo grupo empresarial.
Presidente da Global, Francisco Emerson Maximiano, conhecido como Max, também é sócio da Precisa. O contrato foi firmado quando o ministro era Ricardo Barros, hoje deputado (PP-PR) e líder do governo Bolsonaro na Câmara.
Barros, a Global e servidores da Saúde à época respondem a uma ação de improbidade por causa dos medicamentos não entregues. O MPF aponta que houve favorecimento à empresa.
O caso da Global entrou no radar da CPI da Covid no Senado por causa das possíveis irregularidades na compra da Covaxin. Os congressistas querem saber se o mesmo grupo de empresários foi beneficiado tanto em 2017 como agora na pandemia, e se houve participação de Barros nas duas compras.