CPI DA COVID

Auditoria cita montagem, e gestão Bolsonaro encaminha anulação de contrato da Covaxin alvo de CPI

Há ainda uma apuração na CGU sobre possíveis irregularidades na negociação

Controladoria encontrou os documentos alterados durante uma auditoria sobre a compra - Norberto Duarte/AFP

O governo Jair Bolsonaro confirmou nesta quinta-feira (29) que documentos apresentados pela Precisa Medicamentos nas negociações da Covaxin com o Ministério da Saúde foram montados e não são reconhecidos pela Bharat Biotech, fabricante da vacina indiana.

Em declaração à imprensa no Palácio do Planalto, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, disse que a pasta encaminhou a anulação definitiva do contrato de R$ 1,61 bilhão pelas 20 milhões de doses da Covaxin, que está suspenso desde 29 de junho e que também se tornou alvo da CPI da Covid no Senado.

O ministro da CGU (Controladoria-Geral da União), Wagner Rosário, disse que os papéis foram encaminhados à Polícia Federal para descobrir quem fez a montagem.

O chefe da CGU afirmou, também no Planalto, que a Precisa apresentou dois papéis adulterados: uma procuração da Bharat, que a fabricante disse ao governo não ter emitido, além de declaração de inexistência de fatos impeditivos para assinar a compra.

"O documento denominado procuração, ele não foi emitido pela empresa indiana, em que pese a existência da assinatura do diretor-executivo da empresa no documento", disse Rosário.

"Nos dá certeza que documentos foram confeccionados a partir da colagem de um miolo de imagem em português sobre moldura de imagem de outro documento digitalizado. Não temos certeza de quem fez isso. A Bharat Biotech não reconhece nem que fez nem que autorizou a Precisa a fazer. Isso ainda vai ser alvo de novas investigações", afirmou o ministro da CGU.

Em nota divulgada após a declaração dos ministros, a Precisa afirmou que a empresa Envixia, dos Emirados Árabes Unidos, parceira da Bharat, é autora dos documentos citados na auditoria. "É importante esclarecer que uma perícia técnica já apontou que a autora daqueles documentos é a empresa Envixia", disse a firma brasileira.

A Controladoria encontrou os documentos alterados durante uma auditoria sobre a compra. Rosário disse que não há outras irregularidades no processo, como no preço do imunizante -US$ 15, o mais alto negociado pelo governo- ou em documentos apresentados para a importação, como a "invoice".

Há ainda uma apuração na CGU sobre possíveis irregularidades na negociação, inclusive atos de corrupção, que está em andamento. Rosário disse que o resultado pode ser apresentado em breve, mas não deu prazo.

"A posição do Ministério da Saúde será de cancelamento do contrato. Temos de notificar a empresa para que apresente a contratação nos autos", disse Queiroga.

A Precisa disse, em nota, que a constatação de que outra empresa seria a autora dos documentos com montagens motivou uma viagem de seus dirigentes à Índia para "discussões sobre o encerramento do vínculo com o laboratório indiano".

"Este laudo já foi entregue a CPI e demais autoridades públicas e a Precisa Medicamentos destaca seu manifesto interesse em uma perícia oficial da Polícia Federal, para que não reste dúvidas da lisura de toda a contratação e postura da empresa ao longo do processo, bem como para que se encerre esse injusto linchamento moral a que vem sendo submetida", afirmou a Precisa.

O ministro da CGU disse que não há previsão de multa no contrato da Precisa com a Saúde, mas citou que a Lei Anticorrupção prevê punições como multa e declaração de inidoneidade a empresas que cometem fraudes em negociações com o governo. Uma punição mais dura ainda dependeria de outras investigações.

O ministro da Saúde afirmou que a contratação perdeu o objeto, pois as doses não foram entregues, e a Precisa deixou de ser a representante da Bharat no Brasil, decisão anunciada pela fabricante indiana no último dia 23. Ele disse ainda que o aval da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para importação das doses foi muito restrito.

Queiroga informou que a Saúde também avalia romper o contrato de compra de 10 milhões de doses da vacina russa Sputnik V, mesmo sem "questionamentos sobre a lisura" da compra. O ministro disse que ela se tornou desnecessária para a campanha de vacinação e citou que a Anvisa também deu aval para importação bastante limitado.

Segundo Rosário, a Precisa disse que não possuia o documento original que a Bharat não reconheceu. A empresa nega ter forjado os papéis.

O Ministério da Saúde fechou contrato com a Precisa Medicamentos em 25 de fevereiro, no momento em que o govenro era pressionado para ampliar o portfólio de vacinas e Bolsonaro queria reduzir ganhos políticos do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), por causa da Coronavac.
A empresa brasileira foi arrastada ao centro da CPI por suspeitas de irregularidades na negociação da vacina.

A apuração sobre a Covaxin na comissão ganhou fôlego após o jornal Folha de S.Paulo revelar, em 18 de junho, que o chefe da divisão de importação da Saúde, Luis Ricardo Miranda, disse ao Ministério Público Federal que sofreu pressão atípica para agilizar o processo do imunizante, mesmo com documentos incompletos em mãos. O deputado Luis Miranda (DEM-DF), irmão do servidor, afirmou que levou as suspeitas a Bolsonaro.

As suspeitas sobre a Covaxin ainda atingiram aliados de Bolsonaro. O deputado Luis Miranda disse à CPI da Covid que o presidente sugeriu que o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), estaria envolvido nas possíveis irregularidades ao ser alertado sobre o caso. Barros nega qualquer participação na negociação da vacina indiana.

O servidor da Saúde foi atacado pelo governo após a revelação das denúncias. O agora ministro do Trabalho e Previdência, Onyx Lorenzoni, disse que seria aberta investigação contra ele.
Queiroga, porém, afirmou que não há elementos para mover um processo disciplinar contra o servidor, que segue atuando no mesmo cargo.
Já Rosário disse que o governo não deve desculpas ou agradecimentos a Ricardo Miranda, e afirmou que "canal de denúncia não é procurar irmão nem presidente".

Em nota divulgada após a declaração dos ministros, o deputado Luis Miranda disse que Bolsonaro foi alertado sobre pressão em um contrato "com empresa que possui histórico de inidoneidade".

"É preciso tratar o caso com a seriedade que merece, pois envolve inúmeras vidas que poderiam ter sido salvas. A busca por minimizar o que está diante dos olhos do país é mais um duro golpe nas famílias de vítimas da pandemia", disse Miranda.

A fabricante da vacina indiana Covaxin, Bharat Biotech, anunciou que rescindiu um acordo com a Precisa e negou ter assinado duas cartas que foram enviadas ao Ministério da Saúde pela empresa na negociação bilionária.

O outro é uma "declaração de inexistência de fatos impeditivos", o qual traz o símbolo da Bharat Biotech. 
Reportagem da CBN já havia apontado problemas nos documentos, como erros no endereço do laboratório em inglês e até mesmo na grafia do nome da empresa.

Sócia da Precisa, a empresa Global Gestão em Saúde recebeu R$ 20 milhões em 2017 do ministério por medicamentos que nunca foram entregues. Como mostrou a Folha de S.Paulo, em 2019 a pasta apontou em documentos internos que foi enganada pelo grupo empresarial.

Presidente da Global, Francisco Maximiano também é sócio da Precisa. O contrato foi firmado quando o ministro da Saúde era Ricardo Barros.

Barros, a Global e servidores da Saúde à época respondem a uma ação de improbidade por causa dos medicamentos não entregues. O MPF aponta que houve favorecimento à empresa.

O caso da Global entrou no radar da CPI da Covid no Senado por causa das possíveis irregularidades na compra da Covaxin. Os congressistas querem saber se o mesmo grupo de empresários foi beneficiado tanto em 2017 como agora na pandemia, e se houve participação de Barros nas duas compras.