Ney Matogrosso: nu com a própria música, aos 80 anos de vida
Cantor e compositor segue como artista de excelência da Música Popular Brasileira
Pelos bem-te-vis, por dos sóis ou por sua felina Pretinha, Ney Matogrosso passaria por uma pessoa comum que compartilha com seus seguidores em rede social, paisagens e naturezas. Mas, aos 80 anos completados ontem, e um fazer artístico de menino que acabou de adentrar na Música Popular Brasileira (MPB), ele segue surpreendendo e (re)inventando em corpo, movimento e sonoridades, nuances aliás que o cantor, compositor e dançarino carrega desde os Secos e Molhados, na década de 1970 – talvez um tanto antes, quando em meio à criação militar e os pormenores de uma ditadura e seus anos de chumbo, no Brasil ele não hesitou em ser o que queria ser e que segue sendo até então, em um País que ao menos na teoria, admite liberdades. Os tempos (para Ney e para a arte brasileira) são para celebrar com o EP “Nu Com a Minha Música”, lançado ontem, dia do seu aniversário, com repertório tomado por 12 regravações de um cancioneiro que, segundo ele próprio, “deu a si mesmo de presente”.
A primeira parte do disco foi disponibilizada nas plataformas digitais e segue com a faixa homônima ao título do trabalho, em composição de Caetano Veloso. “Unicórnio Azul” (Sílvio Rodriguez), “Se não for Amor Eu Cegue” (Lula Queiroga) e “Gita” (letra de Paulo Coelho imortalizada por Raul Seixas), dão sequência. Em novembro, o álbum – cuja produção é assinada por Sacha Amback, Marcello Gonçalves, Ricardo Silveira e Leandro Braga - chega por inteiro. Inteireza, aliás, que consta na trajetória de mais de cinco décadas de Ney Matogrosso, intérprete que se basta e se impõe com discografia que não precisa se prevalecer de composições próprias, e nem por isso perde a excelência.
Ney segue impávido em “Gita”, quando escancara que é “a luz das estrelas, a cor do luar, as coisas da vida e o (não) medo de amar”. Na versão para o EP, o clássico do saudoso ‘Maluco Beleza’ se mantém com a fala do próprio na introdução. De Raul, Ney Matogrosso já havia dado voz a “Metamorfose Ambulante” para o LP “Pecado” e “Maçã”, um dia desses em 2019, em seu “Bloco na Rua”. Já entre as pernambucanidades afloradas no EP, Lenine e Lula Queiroga emprestaram “Se Não For Amor Eu Cegue”, que ganhou versão com piano (Renato Neto), bateria (Cláudio Infante), percussão (Zero) e baixo (Liminha). E ainda pelas bandas da ‘terra dos altos coqueiros’, “Estranha Toada” de PC Silva, também integra o rol de gravações recentes de Ney, fato que levou o autor a agradecer o “feito” na rede social. “ ‘Estranha Toada’ é mesmo uma canção forte. (...) Quem diria que agora ela estaria na voz de Ney, ícone da música brasileira?”.
Além do EP, “Ney Matogrosso, a Biografia” também ganhou lançamento em meio às comemorações pelas oito décadas do artista. Escrita pelo jornalista Julio Maria, o próprio Ney levou à sua rede social a boa nova com um “Aí está”, atraindo comentários de seguidores vorazes em devorar o ídolo mato-grossense do sul por meio da leitura de sua vida... Vida esta que Ney de Souza Pereira segue musicando, dentro ou fora de estúdios e palcos, com rosto lavado ou sob maquiagem, ele permanece expoente. Em ““Mi Unicornio Azul”, por exemplo, que ganhou no EP arranjo de piano e violoncelo criado por Sacha Amback, a canção de Sílvio Rodriguez discursa com sutileza sobre amor homoerótico. Ney, que ouviu a música em uma apresentação do autor no Canecão, Rio de Janeiro, ainda nos anos de 1980, trouxe à tona em um 2021 que tem se mostrado talvez o tanto quanto (ou mais) conservador, repressivo e preconceituoso como na época em que explicitamente a ditadura tornava o ambiente desfavorável aos que, como Ney Matogrosso, pregavam (e viviam) a liberdade. Em tempo: o unicórnio é representativo, adequado a quem não cabe em rótulos. Semelhanças aqui não são meras coincidências. Salve, Ney Matogrosso!