Cúpula do Congresso mantém distância de crise entre TSE e Bolsonaro
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e Pacheco indicaram a aliados que não querem se envolver na briga entre Bolsonaro e o ministro do STF Luís Roberto Barroso
Diante da escalada nos ataques de Jair Bolsonaro ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e da resposta do Judiciário com medidas para investigar o presidente, a cúpula do Congresso Nacional procura manter distância do conflito institucional.
O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luiz Fux, reavalia se irá marcar reunião dos chefes dos três Poderes para baixar a tensão.
Na semana passada, auxiliares de Fux haviam enviado recados ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), de que o ministro ligaria na segunda-feira (2) para reagendar o encontro, costurado em meados de julho.
Porém, após a live da última quinta (29) na qual Bolsonaro repetiu teses conspiratórias contra urnas eletrônicas e lançou mão de vídeos com teorias já desmentidas, Fux sinalizou a auxiliares que está repensando o encontro por não haver clima a curto prazo.
Da mesma forma, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e Pacheco indicaram a aliados que não querem se envolver na briga entre Bolsonaro e o ministro do STF Luís Roberto Barroso, atual presidente do TSE, sob pena de se indisporem com o Judiciário.
Lira disse a pessoas próximas que a rixa é um problema de Bolsonaro com o TSE e que fez o que podia para amainar os ânimos.
Dirigentes do centrão, entre eles o novo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, haviam pedido que Bolsonaro moderasse o discurso e evitasse ataques contundentes aos tribunais. O conselho foi ignorado.
Ministros do governo disseram à reportagem sob reserva que, no momento, o objetivo é acalmar ânimos do presidente e de integrantes do Judiciário.
Ciro iniciou um movimento para ampliar o diálogo com ministros do STF e do TSE.
Desde o domingo (1º), o líder do centrão vem buscando magistrados na tentativa de arrefecer a crise. Nesta terça-feira (3), porém, o mandatário seguiu disparando contra o presidente do TSE.
"O ministro Barroso presta desserviço à nação brasileira, cooptando agora gente de dentro do Supremo, né, querendo trazer para si, ou de dentro do TSE, como se fosse uma briga minha contra o TSE ou contra o STF. Não é. É contra ministro do Supremo, que é também presidente do TSE, querendo impor a sua vontade", disse a apoiadores.
A declaração ocorreu um dia após o TSE tomar a ação mais contundente desde que Bolsonaro começou a fazer ameaças golpistas de impedir as eleições caso seja mantido o sistema atual de votação.
O tribunal aprovou, por unanimidade, a abertura de um inquérito e o envio de uma notícia-crime ao Supremo para que o chefe do Executivo seja investigado no inquérito das fake news.
"Jurei dar minha vida pela pátria. Não aceitarei intimidações. Vou continuar exercendo meu direito de cidadão de criticar, ouvir, e atender acima de tudo a vontade popular", disse Bolsonaro.
O presidente tem afirmado, sem provas, que o sistema de contagem eletrônico de votos é passível de fraude e que pleitos passados registraram irregularidades. Ele nunca conseguiu mostrar evidências que corroborem as acusações.
Auxiliares de Bolsonaro veem uma consequência positiva do enfrentamento com o presidente do TSE. Eles avaliam, sob a condição de anonimato, que a briga atiçou a militância digital bolsonarista.
Para a base mais fiel, Barroso passou a personificar o novo representante do sistema que tenta bloquear a pauta do presidente. Trata-se, dizem, de uma preocupação constante de Bolsonaro em momentos em que ele se sente acuado, como atualmente.
Questionados sobre as consequências da crise, interlocutores do presidente afirmam que é preciso aguardar a reação de Bolsonaro à votação da PEC do voto impresso na Câmara. O cenário mais provável é que a proposta seja derrotada ainda na comissão especial.
Congressistas aliados ouvidos pela reportagem dizem que o discurso do presidente tende a se enfraquecer caso o Legislativo de fato barre a iniciativa.
Nesse caso, Bolsonaro também teria de apontar o dedo para o Congresso para justificar a derrota do projeto, algo politicamente complicado em um momento em que ele consolidou sua aliança com o centrão.
Ainda nesta terça, Bolsonaro voltou a sugerir que há um complô para eleger Lula em eleições fraudadas no próximo ano e repetiu a retórica anticomunista que marcou sua campanha em 2018.
Em tom de ameaça, disse que pode convocar e participar de manifestações em resposta ao presidente do TSE.
"Repito, o último recado para que eles entendam o que está acontecendo, passem a ouvir o povo, eu estarei lá", disse Bolsonaro.
Se funciona como mobilizador da base mais radical, a escalada golpista preocupa parlamentares que querem encaminhar pautas no Congresso. O receio é que a permanente tensão institucional contamine os trabalhos.
Alguns aliados de Bolsonaro se dizem receosos com os efeitos da escalada da crise sobre a votação, no Senado, da indicação de André Mendonça para uma vaga no STF.
Candidato "terrivelmente evangélico" para um assento na corte, o atual advogado-geral da União já encontra resistências na Casa.
Mendonça passou esta terça no Senado em busca de apoio. Ele conversou com o senador Lucas Barreto (PSD-AP) e esteve na liderança do governo no Congresso.
Questionado se as falas de Bolsonaro poderiam atrapalhar sua aprovação no Senado, respondeu que as afirmações feitas pelo presidente "são discussões naturais da política, que vão se resolver certamente com respeito".
O ministro do STF Dias Toffoli aproveitou a volta aos trabalhos da Primeira Turma da corte, nesta terça, para também enviar recados.
Ele fez uma analogia com as Olimpíadas para ressaltar a importância de manter o "genuíno respeito às regras do jogo, ao papel dos árbitros e à aceitação dos resultados".
Para o ministro, atletas demonstram que o "respeito às regras do jogo e à autoridade dos que zelam pelas regras é a base de qualquer convivência pacífica" e disse que essa fórmula "funciona não só no esporte, mas na convivência entre as diferenças".
Em relação aos ataques de Bolsonaro à urna eletrônica, Toffoli lembrou que novas ferramentas têm sido cada vez mais usadas em competições esportivas e afirmou que quando há mais tecnologia, "há mais justiça na aferição dos resultados".