Manifesto em defesa das eleições ganha apoios e amplia pressão do PIB sobre Bolsonaro após ameaças
Manifesto pró-eleições ganha apoios e amplia pressão do PIB sobre Bolsonaro
Mais duro recado do PIB a Jair Bolsonaro diante das ameaças do presidente à realização de eleições em 2022, o manifesto de apoio ao sistema eleitoral e à ordem democrática assinado por empresários, banqueiros, intelectuais e outros nomes da sociedade civil recebeu adesões nesta quinta-feira (5).
Signatários disseram à reportagem que a reação desmonta a ideia de que "a elite financeira do país esteja indiferente" aos ataques à democracia e sinaliza que não dá para "assistir a isso calado". A intenção, relatam, é demonstrar repúdio ao risco de rupturas e o desejo de estabilidade.
Um balanço parcial dos organizadores contava cerca de 6.000 novos subscreventes até o início da tarde desta quinta, mesmo dia em que o documento foi publicado na forma de anúncio em jornais, inicialmente com a assinatura de 267 pessoas. O texto está aberto para apoios na internet.
Somaram-se ao grupo personalidades ligadas ao setor financeiro, como Eduardo Mufarej, Guilherme Affonso Ferreira, José de Menezes Berenguer Neto e Reinaldo Pamponet, além do ex-chanceler Celso Amorim, dos acadêmicos José Álvaro Moisés e Lilia Moritz Schwarcz e do ex-jogador Raí.
Agentes de peso da área privada, como os empresários Luiza e Frederico Trajano, Jayme Garfinkel, Guilherme Leal, Horácio Lafer Piva e Carlos Jereissati Filho, e nomes ligados ao setor bancário, como Pedro Moreira Salles e Roberto Setubal (Itaú Unibanco), já compunham a lista original.
Políticos, economistas, líderes religiosos, ativistas do terceiro setor, artistas e centenas de pessoas envolvidas no debate público também estão engajados na mobilização. A divulgação da carta começou a ser discutida na terça-feira (3), em resposta à escalada autoritária no discurso de Bolsonaro.
Presidente do banco Credit Suisse no Brasil e um dos signatários do manifesto, José Olympio Pereira diz que a gota d'água para a reação foi "a escalada de uma crise institucional que não pode continuar".
"A gente precisa se manifestar. Não dá para a gente assistir a isso calado. É ruim para o Brasil, para todo o mundo, inclusive para o governo. Está na hora de o governo rever a sua posição. Estamos vendo o princípio de uma recuperação econômica e queremos avançar", afirma ele à reportagem.
Olympio critica o que chama de "leniência dos mercados" às sucessivas bravatas de Bolsonaro. "Essa escalada atingiu um nível que provocou essa reação. Vamos restabelecer o diálogo, a razoabilidade. Este país precisa mais de diálogo e menos de radicalização", prega.
Para o CEO, como a discussão sobre o voto impresso já está sendo apreciada no Congresso, é hora de esperar e de respeitar a decisão que for tomada. "Temos mecanismos institucionais para resolver isso tudo. O Congresso decide, e acata-se a decisão. É a forma como se faz em uma democracia."
Olympio diz esperar que "todos os envolvidos nisso prestem atenção" na carta e que o movimento "ajude a esvaziar esse posicionamento radical" e "a desmontar essa onda que está se formando".
"Nós todos queremos o melhor para o país, queremos avançar e temos desafios enormes pela frente. Queremos voltar a crescer, queremos ver as crianças de novo nas escolas. Espero que essa reação da sociedade acabe com esse tipo de confronto e de escalada e que as coisas voltem à normalidade."
Além de pedir respeito às eleições de 2022 e a garantia de realização do pleito, o documento "Eleições serão respeitadas" demonstra ainda confiança nas urnas eletrônicas e na Justiça Eleitoral, que são alvo do presidente, com ataques à credibilidade do sistema e a defesa de voto impresso.
O manifesto diz que "o princípio-chave de uma democracia saudável é a realização de eleições e a aceitação de seus resultados por todos os envolvidos". E ressalta a confiança dos autores na Justiça Eleitoral, "uma das mais modernas e respeitadas do mundo", e no voto eletrônico.
"A sociedade brasileira é garantidora da Constituição e não aceitará aventuras autoritárias. O Brasil terá eleições e seus resultados serão respeitados", afirma o texto do informe publicitário, que também foi disponibilizado na página eleicaoserespeita.org.
Ainda que alguns dos signatários do manifesto tenham feito comentários em público sobre as razões do movimento, o objetivo geral é não personificar a mobilização. A intenção expressa nos bastidores é a de que o texto seja lido como resposta da sociedade civil, embora o foco no empresariado seja nítido.
Um dos artífices da iniciativa, o professor da FGV-Direito São Paulo Carlos Ari Sundfeld conta que "a razão específica da articulação rápida e contundente é que se tocou em uma linha que não pode ser ultrapassada", a da ameaça de um governante à realização de eleições livres.
"Não existe uma ilusão na Faria Lima com as vantagens do autoritarismo. É o contrário. A elite financeira do país está associada à elite intelectual e defende a democracia. Quando as pessoas se manifestam, é porque sabem que inclusive seus próprios negócios não vão ter benefício se essa escalada seguir", diz.
Na opinião do docente, "as pessoas se enganam achando que a elite financeira do país esteja indiferente por não estar se manifestando a cada ameaça ou que esteja apoiando esse tipo de atitude do presidente".
"Existe uma movimentação, um desconforto enorme, e é algo que vem crescendo. Uma sensação de que esse caminho precisa ser cortado", segue Sundfeld, que é associado do CDPP (Centro de Debate de Políticas Públicas), entidade privada voltada a pesquisas onde o texto foi gestado.
Do CDPP, a carta passou a circular em grupos que reúnem economistas com passagens pelo governo, agentes do mercado financeiro, investidores e outros formadores de opinião. Foram feitos ajustes (houve duas versões, segundo Sundfeld) e depois se viabilizou a publicação na forma de anúncio.
Para o professor, uma resposta tão enérgica não foi vista em momentos anteriores por falta de paciência de setores do topo da pirâmide financeira, mas a demora não deve necessariamente ser entendida como leniência ou apoio majoritário do empresariado aos posicionamentos de Bolsonaro.
"O presidente faz um programa de auditório permanente e nem sempre as pessoas têm paciencia de reagir a cada coisa. Mas existem limites até para o circo", diz Sundfeld, para quem há pluralidade na lista de adesões.
"É difícil unir pessoas que são muito entusiasmadas com o PT e os críticos apoiando qualquer tipo de ideia política, ainda que não seja sobre questões partidárias. O manifesto mostrou que existem pessoas que dialogam, são plurais e defendem um caminho de equilíbrio e de estabilidade", avalia.
O cientista político e fundador do Centro de Liderança Pública, Luiz Felipe d'Avila, outro subscrevente, reforça o discurso de que defender os pilares democráticos é estimular também, em boa medida, o desenvolvimento econômico.
"Uma atitude como essa, de um presidente que toda hora ameaça adotar medidas extraconstitucionais, afeta diretamente as empresas brasileiras, já tão prejudicadas pelo descrédito da política ambiental e por um ministro que diz que pode dar calote em precatórios [Paulo Guedes, da Economia]", afirma.
"Isso aumenta demais a volatilidade política e econômica. Espero que as forças que defendem a democracia, como a sociedade civil, o mercado, o Judiciário e o Congresso, assumam a responsabilidade de blindar as instituições democráticas de ataques demagógicos", acrescenta d'Avila.
O manifesto, com quatro parágrafos e linguagem objetiva, não cita nominalmente Bolsonaro nem evoca as ameaças à Justiça Eleitoral feitas por ele nos últimos meses. A opção por evitar pontos que causassem divergências tem facilitado a adesão de diferentes espectros ideológicos, segundo organizadores.
A mensagem fala também em acreditar no Brasil, mesmo em um "momento difícil" de crises sanitária, social e econômica, com mortes pela Covid-19 e desemprego. "Nossos mais de 200 milhões de habitantes têm sonhos, aspirações e capacidades para transformar nossa sociedade e construir um futuro mais próspero e justo. Esse futuro só será possível com base na estabilidade democrática."
Em março deste ano, uma mobilização semelhante uniu economistas, banqueiros e empresários em uma carta aberta que pedia medidas mais eficazes para o combate à pandemia do novo coronavírus no Brasil. Embora Bolsonaro não fosse mencionado, o alvo principal do texto era ele.
Parte dos apoiadores do novo manifesto também endossou na ocasião a carta, que superou as 1.500 assinaturas e foi divulgada em um momento de alta nos números de mortes pela doença. O documento também foi encaminhado aos representantes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.