Dia da Independência

Grupos rivais disputam avenida Paulista no 7 de Setembro com manifestações pró e contra Bolsonaro

Grupos simpáticos ao presidente já organizavam a ida às ruas no feriado da Independência

Em São Paulo, Avenida Paulista dividida: de um lado manifestantes pró Haddad e de outro manifestantes pró Bolsonaro. - Alex Ribeiro/Mídia Ninja

A convocação simultânea de manifestações favoráveis e contrárias ao presidente Jair Bolsonaro para 7 de Setembro acendeu o alerta para o risco de conflitos nas ruas. Em São Paulo, grupos rivais disputam a avenida Paulista, que, por decisão judicial, só pode ser usada por um lado de cada vez.

Diante do impasse, líderes da oposição querem pressionar o governador João Doria (PSDB) para que impeça a realização na capital paulista de ato pró-golpe militar e contra as instituições. Já apoiadores do governo mantêm a convocação para o local e esperam a participação do presidente na passeata.


O embate ganhou força nos últimos dias, com a crescente mobilização de bolsonaristas em torno de bandeiras agitadas pelo chefe do Executivo, como o voto impresso — já derrubado pela Câmara dos Deputados — e o impeachment de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).


Grupos simpáticos ao presidente já organizavam a ida às ruas no feriado da Independência quando veio à tona no fim de semana a informação de que o cantor Sérgio Reis comandava uma grande manifestação de caminhoneiros com pautas autoritárias, com risco de paralisação e ameaça de caos.


Reis foi desautorizado por líderes da categoria que estão à frente de negociações com o governo e por ruralistas. Eles afirmaram que o cantor não fala em nome do setor e desaconselharam o movimento, dizendo que pode prejudicar demandas da classe. Apesar disso, o temor está colocado.

 



Bolsonaro voltou nesta terça-feira (17) a estimular a participação de apoiadores nos atos. "Eu sou leal ao povo brasileiro. O povo que tem que nos dar o norte do que devemos fazer", disse em entrevista à Rádio Capital Notícia Cuiabá. A data tem sido tratada por bolsonaristas como "nova Independência".

Em 30 de julho, setores da oposição reunidos na Campanha Nacional Fora Bolsonaro -fórum com partidos, movimentos sociais e centrais sindicais que desde maio faz atos pelo impeachment e por mais vacinas contra a Covid-19- anunciaram também uma convocação para 7 de Setembro.

O comando central, que é formado majoritariamente por grupos de esquerda, mas ganhou adesão de siglas e organizações que se identificam como de centro, decidiu se juntar ao Grito dos Excluídos, tradicional mobilização promovida no feriado da Independência por alas da Igreja Católica.

Aí tem início a novela da utilização da Paulista, a avenida-símbolo das grandes manifestações políticas ocorridas no país desde 2013. Todas as quatro passeatas neste ano com a causa do "fora, Bolsonaro" ocuparam a via, assim como uma série de atos de apoiadores do presidente, em datas distintas.

Cada grupo deve notificar antecipadamente a Polícia Militar, informando previsão de público na manifestação e trajeto (quando há).


Baseada em decisão judicial de 2020 que impede a ida ao local ao mesmo tempo de "movimentos ideologicamente opostos", a corporação pede que o solicitante se classifique como oposição, situação ou neutro.


O referencial jurídico diz que o objetivo não é o de censurar manifestações, mas unicamente "evitar confrontos". E recomenda um rodízio caso haja pedidos de grupos rivais para um mesmo dia, estabelecendo uma alternância. O descumprimento pode ser punido com multas pesadas.

No último dia 10, o representante da Campanha Fora Bolsonaro avisou a PM sobre o ato previsto para 7 de Setembro. Ata da negociação que foi obtida pela Folha informa que a antecedência foi considerada adequada pela PM, mas já havia uma outra notificação, da chamada situação.

O 11º Batalhão de Polícia Militar, que responde pela área, disse que, na vez anterior em que ocorreu empate, com solicitações de grupos opostos, o revezamento foi decidido em favor da oposição. Agora, então, a vez seria da situação.

Os detratores do presidente foram aconselhados a optar por outro local, com a garantia de também haver acompanhamento das forças de segurança, mas sem qualquer marcha em direção à Paulista. Em ocasiões anteriores, o largo da Batata, em Pinheiros (zona oeste), foi utilizado como alternativa.


Mesmo com a obediência ao protocolo, a separação geográfica embute o risco de conflitos entre grupos antagônicos em estações de metrô e praças usadas como ponto de encontro, por exemplo. O cenário deixa em alerta o comando do policiamento e os próprios articuladores de manifestações.

Em reunião nesta segunda-feira (16), porta-vozes da Campanha Fora Bolsonaro decidiram contestar o veto ao uso da Paulista pela oposição. Eles planejam recorrer ao Ministério Público e à OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) para que o protesto seja mantido na avenida.

Raimundo Bonfim, coordenador da CMP (Central de Movimentos Populares) e um dos líderes das marchas, diz que o grupo discorda do entendimento da PM sobre a decisão judicial e levanta pontos que sustentam sua posição. "Vamos lutar até o fim para que possamos fazer na Paulista."

A PM diz que o "empate de notificações" mais recente foi relacionado ao dia 24 de julho e que, na ocasião, a oposição ficou com o direito de ocupar a Paulista, já que o solicitante rival -identificado pela polícia como de situação- concordou em fazer seu ato longe da avenida, no parque Ibirapuera (zona sul).

"Era um representante de um grupo pequeno, que queria fazer um ato de cunho religioso. Ele nem participou de reunião de mediação. Então, quando um lado estiver planejando ato, basta uma pessoa pedir o mesmo e fazer a concessão para que, na vez seguinte, tenha prioridade? Não concordo", diz Bonfim.

O coordenador da CMP argumenta ainda que, se o critério é o de rodízio, a prerrogativa para 7 de Setembro é da oposição, já que a última manifestação política na Paulista foi a de partidários de Bolsonaro, no dia 1º deste mês, quando defenderam o voto impresso e atacaram o sistema eleitoral brasileiro.

"Não queremos desrespeitar nenhuma decisão da Justiça, mas queremos debater essa interpretação da liminar, que nos parece injusta. O local tem sido o palco das nossas manifestações e é também usado há anos pelo Grito dos Excluídos. Temos a preferência", acrescenta o líder do movimento social.

"Não é razoável que a Paulista seja priorizada para quem defende intervenção militar e fechamento de instituições, em prejuízo de quem defende a democracia e aceleração da vacina. Vamos buscar os meios jurídicos, mas também não vamos deixar de fora o Doria. Ele vai ter que se posicionar", diz Bonfim.

Doria, eleito governador em 2018 com a dobradinha "BolsoDoria", rompeu politicamente com o presidente e quer enfrentá-lo nas eleições presidenciais de 2022. Para se cacifar, dispara críticas diárias ao atual titular do Planalto e se contrapõe a ações dele que ameacem a democracia e as instituições.

No ano passado, quando se estabeleceu impasse semelhante sobre o uso da Paulista após confronto entre manifestantes com opiniões opostas, Doria defendeu a separação de atos pró e anti-Bolsonaro e disse que não permitiria mais dois protestos no mesmo local e na mesma hora.

Segundo o documento da PM, corporação que está subordinada ao governo do tucano, há pedidos de bolsonaristas para uso da via a partir das 8h do dia 7.

A Secretaria da Segurança Pública, em nota, reiterou o teor da decisão judicial de 2020 sobre a avenida Paulista que determina "a proibição da realização de atos de grupos antagônicos no mesmo local e data" e "a alternância das manifestações em ocasiões subsequentes".


"A última manifestação no local foi em 24 de julho do grupo em questão [oposição]. Respeitando o revezamento previsto na referida decisão, a próxima, em 7 de setembro, caberá ao outro grupo. As forças de segurança continuarão garantindo os direitos de todos, conforme determina a legislação", disse a pasta.


O empresário Mauro Reinaldo, fundador do movimento União pelo Brasil e um dos que estão convocando para o ato pró-Bolsonaro, afirma à Folha que os governistas estão preparados para se concentrar na avenida e seguem todas as orientações das autoridades de segurança.

"Vai ter muita gente. Muitos ônibus de vários estados vão vir para cá", diz Reinaldo, que quer usar o protesto para defender uma investigação do Judiciário, nos moldes da CPI da Lava Toga que foi proposta no Congresso. Bolsonaro também está empenhado em fustigar setores da magistratura.

Segundo o empresário, o presidente indicou à organização que comparecerá à Paulista. Ministros do governo, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do mandatário, e outros expoentes bolsonaristas também são aguardados. O pastor Silas Malafaia anunciou que estará no local.

Já o levante divulgado por Sérgio Reis, que teria Brasília como foco principal, não tem chance de prosperar, na opinião de Reinaldo. "Não acredito que paralisação ou acampamento terá força. Lá vai ter a cerimônia militar do 7 de Setembro, mas não essa manifestação que anunciaram."

Coordenador do movimento Avança Brasil, o empresário Patrick Folena afirma que as principais pautas da direita bolsonarista na ocasião serão "a favor do voto impresso auditável e contra a ditadura e a censura" praticadas pelo STF e pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) "contra a direita".

Para o ativista, a pressão por "mais transparência nas eleições, com o direito de acompanhar, auditar e fiscalizar a apuração" precisa ser mantida mesmo após a derrota do tema na Câmara. Segundo Folena, a ideia é levar à avenida de sete a dez trios elétricos, onde serão feitos discursos.

"A gente nunca defendeu o fechamento de nada e não abraça [pedido de] golpe. Nossa reivindicação é por justiça, respeito ao devido processo legal e direito de defesa", diz, citando como exemplos de abusos as prisões do ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) e do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ).

Aliados de Bolsonaro fazem em redes sociais divulgação intensa da mobilização na Paulista e em outras cidades, tentando arregimentar multidões com ataques a ministros do STF e frases de apelo como "por uma nova Independência", "hora do tudo ou nada" e "redemocratização já".

A prisão de Jefferson, por decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes, atiçou ainda mais o chamado às ruas. Defensor fiel de Bolsonaro, o presidente nacional do PTB vinha insuflando a retórica golpista do mandatário e as ameaças à ordem democrática.

Também em setembro, só que no dia 12, está agendada outra manifestação de alcance nacional contra o presidente, capitaneada pelos movimentos MBL (Movimento Brasil Livre) e VPR (Vem Pra Rua) e por líderes de partidos como Novo e PSL. Em São Paulo, a Paulista será o palco do ato.

A convocação ocorreu após o fracasso em tentativas de convencer integrantes do MBL e do VPR -grupos que tiveram papel relevante nas passeatas pelo impeachment de Dilma Rousseff (PT) — a aderirem às mobilizações contra Bolsonaro feitas pela esquerda.