Terceira dose da vacina: o debate chega ao Brasil
Sete meses após iniciar a vacinação contra a Covid-19 no País, o Brasil chegou, na última sexta-feira, a 173.650.317 doses aplicadas, segundo dados do Ministério da Saúde. Dessas, aproximadamente 120,5 milhões foram utilizadas na primeira dose e pouco mais de 53,2 milhões são referentes à aplicação da segunda dose ou dose única, o que significa que cerca de 25% da população está com o esquema vacinal finalizado.
Em meio a todos esses números e com aproximadamente 75% da população adulta ainda não imunizada completamente, um novo aspecto tem ganho destaque na comunidade científica: as pesquisas acerca da necessidade de aplicação de uma terceira dose, chamada “dose de reforço” pelos especialistas. Essa, aliás, é uma medida que vem sendo debatida por diversos países. Nos Estados Unidos, por exemplo, as doses de reforço contra o coronavírus serão amplamente disponibilizadas a partir de 20 de setembro, conforme destacaram na última quarta-feira, segundo informações da Agência Brasil, as autoridades de saúde norte-americanas.
Público-alvo do reforço
A previsão, inicialmente, é de concentrar a dose extra em idosos e profissionais de saúde. Na semana passada, inclusive, a agência reguladora de medicamentos do país (FDA, na sigla em inglês) já havia autorizado a aplicação de uma terceira dose em pessoas imunossuprimidas e que receberam transplantes de órgãos.
Outros países, a exemplo do Chile e do Uruguai, que estão com campanhas de vacinação avançadas, com cerca de 70% da população imunizada com duas doses, também iniciaram a aplicação da dose de reforço. Além deles, Israel, onde as contaminações têm crescido nas últimas semanas, diminuiu para 40 anos, de acordo com a agência internacional de notícias AFP, a idade das pessoas elegíveis para receber a terceira dose.
Como estão os estudos no Brasil
De forma global, o que afirmam os países que adotaram a aplicação da dose extra é que a decisão é justificada por estudos que indicam a diminuição ou perda da eficácia dos imunizantes em determinado período de tempo aliada à alta transmissibilidade de novas variantes do coronavírus. No Brasil, o Ministério da Saúde encomendou um estudo para avaliar a necessidade de aplicação de uma terceira dose em pessoas completamente vacinadas com a CoronaVac, o primeiro imunizante a ser aplicado no País.
Em entrevista à imprensa realizada na quarta-feira, o ministro Marcelo Queiroga, afirmou que a aplicação da dose de reforço no Brasil deverá iniciar por idosos e profissionais de saúde, mediante as conclusões validadas ao término dos estudos. “Planejamos, no momento em que tivermos todos os dados científicos e o número de doses suficiente disponível, já orientar um reforço da vacinação. Isso vale para todos os imunizantes”, comentou.
“Sabemos que os idosos têm um sistema imunológico comprometido e, por isso, eles são mais vulneráveis. Pessoas que tomaram duas doses da vacina podem adoecer com a Covid, inclusive ter formas graves da doença. Mas se compararmos os que vacinaram com duas doses e aqueles que não vacinaram, o benefício da vacina é inconteste", completou. Também na quarta-feira, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) recomendou uma dose de reforço para pacientes imunossuprimidos e idosos, especialmente acima de 80 anos, vacinados com a CoronaVac.
Adoção da medida
Segundo o ministro da Saúde, a aplicação de uma terceira dose só será adotada após todos adultos completarem a vacinação, o que, de acordo com o gestor, pode ocorrer até o fim de outubro. "É possível, provável, que haja necessidade de uma terceira dose. Mas só vamos avançar numa terceira dose quando houver a população vacinada com as duas doses", disse Queiroga, em entrevista à Voz do Brasil, na última quinta-feira.
Pesquisa no Brasil
A médica Sue Ann Costa Clemens, que lidera os estudos do Ministério da Saúde quanto à necessidade da dose de reforço, explica que a pesquisa envolverá 1.200 voluntários, que receberam a segunda dose da CoronaVac há um intervalo entre cinco e sete meses. Os estudos estão sendo realizados em dois centros, um em Salvador e outro em São Paulo, cada um tendo recrutado 600 pessoas. Em ambos os grupos as aplicações da terceira dose iniciaram no início da semana: na segunda, dia 16, em Salvador e na terça, dia 17, em São Paulo.
“A gente vacina pessoas que estejam nos critérios de inclusão, ou seja, que tenham tomado a segunda dose da vacina CoronaVac entre cinco e sete meses, não tenham tomado outra vacina para Covid e que não tenham tomado qualquer outra vacina nos últimos 15 dias, também não pode estar grávida. Eles são vacinados e entram no estudo, que é um randomizado, com um sorteio em que eles vão cair em um dos quatro grupos da pesquisa”, detalha. Os grupos se referem ao imunizante que o voluntário receberá nos testes da terceira dose, que pode ser qualquer um dos disponíveis no Plano Nacional de Vacinação (PNI): CoronaVac, AstraZeneca, Pfizer e Janssen.
Conclusão até novembro
De acordo com a pesquisadora, o principal objetivo é verificar a persistência de anticorpos ao longo do tempo e quais imunizantes seriam mais eficazes contra variantes. “A gente está gerando dados porque temos que ter evidência para não dar vacina indiscriminadamente, até porque a gente não tem vacina para todo mundo. Então, vamos ver quais grupos que necessitam de vacina de reforço e qual vacina vai dar o melhor resultado”, comentou. A previsão é de que os estudos sejam concluídos até o mês de novembro.
Em paralelo ao estudo promovido pelo Ministério da Saúde, Sue Ann Clemens, que também é professora da Universidade de Oxford, coordena a pesquisa da instituição voltada para a aplicação, após um ano, de terceira dose da AstraZeneca. O estudo deve abranger cerca de 4.000 a 4.600 voluntários que fizeram parte dos testes iniciais realizados ainda em 2020. “Aqui no Brasil é um estudo pioneiro e que, claro, deve gerar dados para o mundo inteiro”, comentou. Além dos estudos liderados pela pasta federal e pela Universidade de Oxford, a Anvisa também se reuniu com representantes da farmacêutica Pfizer, na última quinta-feira, para discutir o uso de uma terceira dose do imunizante.
Planejamento em Pernambuco
Enquanto não há uma definição concreta sobre se e quando a terceira dose da vacinação contra a Covid-19 no Brasil será aplicada, o Governo de Pernambuco reforça a necessidade de a população completar a imunização com as vacinas de dupla aplicação ou dose única. “O que a comunidade científica tem colocado é que haverá, sim, a necessidade de se aplicar uma terceira dose. Nesse momento, Pernambuco teria como prioridade absoluta terminar a primeira e a segunda dose. Se configurar a necessidade de uma terceira, a prioridade deve ser as pessoas que foram inicialmente vacinadas, ainda lá em janeiro e fevereiro, que foram as pessoas mais idosas e os trabalhadores da saúde", comentou o secretário estadual de Saúde, André Longo, em coletiva de impressa realizada na última quarta-feira.
De acordo com o secretário, o ideal é que a terceira dose, caso confirmada, seja aplicada até o mês de janeiro do próximo ano. “Precisamos nos preparar. Para isso, esse planejamento, no nosso modelo ideal, seria para aplicar essa vacina dessas pessoas mais suscetíveis, caso houvesse necessidade da terceira dose, antes da nossa sazonalidade, que varia, quando mais precoce, de fevereiro e março até abril e maio. Então, nós precisamos, tão logo seja determinada essa necessidade, se assim for, nos preparar para vacinar esse público, de preferência, até janeiro de 2022."
Outras medidas contra o coronavírus
Para infectologistas ouvidos pela Folha de Pernambuco, além da vacinação de reforço, é necessário, também, para conter a pandemia, inclusive reduzindo o alcance de variantes mais transmissíveis, como a Delta, que outras medidas sejam associadas à imunização. “A terceira dose, se incorporada pelo Programa Nacional de Imunização, terá como finalidade aumentar a imunogenicidade para o vírus selvagem e todas as suas variantes que até então surgiram. A medida mais importante para evitar o espalhamento da variante Delta é acelerar a vacinação na população elegível com duas doses ou dose única e identificar precocemente pessoas infectadas para que elas possam ser rapidamente isoladas e, desta forma, reduzir a cadeia de transmissão”, explicou o médico, Paulo Sérgio Ramos, que atua na Fundação Oswaldo Cruz - Instituto Aggeu Magalhães (Fiocruz Pernambuco) e no Hospital das Clínicas (UFPE).
O infectologista Bruno Ishigami, do Hospital Universitário Oswaldo Cruz (HUOC), reforça que medidas não-farmacológicas também são essenciais para conter a disseminação da Covid-19 e suas novas cepas. “O que faz a gente falar mais sobre terceira dose é porque tem muito vírus circulante e as pessoas vacinadas também vão se expor, principalmente as mais velhas. A gente precisa entender que a vacina não é a única estratégia para resolver a pandemia, mas admitir que a gente precisa falar sobre medidas não-farmacológicas, que é manter distanciamento social, manter ambientes abertos e bem ventilados, fazer rastreio da população. Não dá para gente deixar todas as nossas fichas nas vacinas porque enquanto estiver a quantidade de vírus circulantes, mesmo entre os vacinados, a gente vai ter mortalidade e taxa de internação em UTI”, analisou.
Grupos mais vulneráveis
De acordo com o médico Demétrius Montenegro, também do HUOC, é fundamental que, confirmando-se a terceira dose no Brasil, ela inicie pelos grupos mais vulneráveis, a exemplo dos idosos. “Já há trabalhos mostrando que, principalmente nas pessoas com idade mais elevada - até porque a imunidade já não funciona 100% - já existe uma fragilidade no sistema imunológico. E com o tempo essa proteção da vacina realmente está caindo. Então, é extremamente importante essa população se vacinar, já que vem surgindo cada vez mais outras variantes e a gente nunca sabe qual vai ser realmente o desfecho dessa história”, frisou.
Questionamentos humanitários
A decisão de diferentes países de aplicarem doses de reforço em sua população tem levantado questionamentos morais e éticos ao redor do mundo. A Organização Mundial da Saúde, na última quarta-feira, criticou as nações mais ricas por buscarem a terceira dose enquanto países mais pobres não aplicaram sequer a primeira.
O secretário de Saúde de Pernambuco também mencionou a situação durante última a coletiva de imprensa. “Essa questão da terceira dose você tem que levar em conta uma questão humanitária, e a Organização Mundial de Saúde está preocupada com isso. Enquanto nós aqui estamos discutindo finalizar a primeira dose, avançar na segunda dose, até discutir uma terceira dose, vários países não têm disponibilidade sequer para vacinar os grupos prioritários com a primeira dose. Então, a OMS, obviamente, guarda um cuidado especial com a distribuição heterogênea das vacinas no mundo, e quer obviamente que essa distribuição seja mais equânime”, comentou André Longo.
O infectologista Bruno Ishigami reforça a atenção às desigualdades envolvendo as distribuições da vacina entre as nações: “Quando eu paro para pensar que se os países que estão vacinando liberarem terceira dose vai atrasar ainda mais a vacinação dos países que não iniciaram vacinação, por exemplo na África tem país que vacinou 2% da população, eu fico ainda mais reticente. Então, pensando na pandemia como um problema global, acho que é muito delicado a gente falar em terceira dose na Europa, nos Estados Unidos, no Canadá, no Brasil, em Israel, e negligenciar essa parte do mundo. Porque a gente não vai sair da pandemia se a gente não consegui vacinar o mundo todo. Não é vacinar países, regiões do globo, a gente precisa vacinar 70% ou 80% da população mundial”.