Paulo Rafael deixou legado perene para a música brasileira
Guitarrista pernambucano assinou os arranjos de clássicos, como 'Anunciação' e 'Vaca Profana'
Com “peito nu, cabelo ao vento, bruma leve e paixão que vem de dentro”, Paulo Rafael fincou nas cordas da guitarra que introduziriam a versão original de “Anunciação” (Anjo Avesso, 1983) os ares psicodélicos da canção que seguiria, a partir de então, como hino ovacionado País afora. Se Alceu fez a letra, coube a ele a incumbência de instrumentalizar e produzir, feitos que permaneceriam ativos ao longo de mais de quatro décadas de trajetória percorridas, em especial, ao lado do nosso “Bicho Maluco Beleza”, tal qual o fez quando passou a integrar o Ave Sangria lá pela década de 1970, impulsionando o rock enraizado de nordestinidades e udigridi pernambucano.
Paulo se foi na última segunda-feira (23), aos 66 anos, após complicações advindas de um câncer no fígado. Coube à única filha do pernambucano a tarefa de anunciar a dolorosa perda nas redes sociais. “É com profunda tristeza que comunico que meu pai, nosso amigo, lendário guitarrista e amor da vida da minha mãe levantou voo”, escreveu em uma publicação no Instagram. O velório está marcado para esta terça-feira (24), às 11h15, no Cemitério da Penitência, no Rio de Janeiro.
De Caruaru, o músico pairou entre palcos e produções de nomes diversos da Música Popular Brasileira (MPB), entre eles Elba Ramalho, Gal Costa e Juliano Holanda. E se pelo rock carregou preferências, nem por isso deixou de fluir entre violas, violões e sonoridades com nomes como Zé da Flauta, com quem assinou “Caruá” (1980) e impôs com a propriedade de sempre a sua mescla de sonoridades. Foi ao lado do mesmo Zé da Flauta e do cartunista Lailson de Holanda Cavalcanti, aliás, que Paulo iniciou sua trajetória musical - ainda adolescente - em uma banda batizada de Phetus.
O contato com as novas gerações musicais acompanhou o caruaruense, que era visto com respeito e carinho por músicos mais jovens. Juliano Holanda, com quem ele chegou a dividir o palco e também a gravar a música “Eu, Cata-vento”, no ano passado, destaca o sentido de perenidade presente no trabalho do veterano.
“Paulo Rafael não era apenas um guitarrista virtuoso, mas um artista que tinha uma preocupação com a música como um todo. A guitarra dele falava tanto quanto a letra da canção. Ele tinha muito respeito à música e ao papel do artista. Por isso, estava sempre pensando na contribuição que ele poderia dar ao tempo que estava vivendo”, pontuou Juliano, em entrevista à Folha de Pernambuco.
Paulo dividiu as guitarras com o saudoso Ivson Wanderley, o Ivinho (1953-2015), no icônico disco de estreia do Ave Sangria. Lançado em junho de 1974, o álbum foi censurado e retirado das lojas após pouco mais de um mês. O episódio acabou desfazendo o grupo, mas Paulo estaria presente também no seu ressurgimento, da série de shows em 2014 até o disco mais recente em 2019.
O encontro profissional com Alceu Valença ocorreu também em 1974, tocando no Festival Abertura, da TV Globo. Desde então, nunca deixaram de trabalhar juntos. Mas Paulo também teve outras parcerias marcantes, como no arranjo de "Vaca Profana", composta por Caetano Veloso e gravada por Gal Costa, além de ter produzido discos próprios com faixas instrumentais: "Alado" (2010), "Orange" (1992) e "Vagalume" (1995).