Só Paraolimpíadas põem pessoas com deficiência em evidência, diz Andrew Parsons
Parsons falou sobre os desafios de organizar os Jogos em meio à pandemia da Covid-19
As Paraolimpíadas de Tóquio-2020 serão as primeiras do brasileiro Andrew Parsons, 44, no comando do IPC (Comitê Paralímpico Internacional). O dirigente foi eleito em 2017 para presidir a entidade, após dirigir o CPB (Comitê Paralímpico Brasileiro) entre 2009 e 2017.
Em entrevista, Parsons falou sobre os desafios de organizar os Jogos em meio à pandemia da Covid-19, da frustração de não ter público nos estádios e de como promover maior visibilidade às pessoas com deficiência em todo o mundo.
"É o único evento global que bota as pessoas com deficiência como o centro das atenções. E isso não só no esporte. Você pode pensar na arte, cultura, economia, eventos sociais. Não há outro evento semelhante", afirma o mandatário do Comitê Paralímpico Internacional.
O dirigente também abordou a ausência do Afeganistão nas Paraolimpíadas e as regras que serão seguidas em relação às manifestações políticas durante os Jogos.
Leia a entrevista:
Como será a organização da Paraolimpíada?
A preparação vinha muito bem até a pandemia. Desde de março do ano passado tivemos que nos dedicar fundamentalmente às questões que dizem respeito à doença: criar procedimentos aplicáveis para que os atletas pudessem participar dos Jogos de forma plena. Foi um desafio enorme.
A boa notícia é que os números dos Jogos Olímpicos mostraram que esses protocolos funcionam. A gente sabe que os números da pandemia estão subindo no Japão desde antes das Olimpíadas. Mas entre a população olímpica o número de testes positivos foi muito baixo. Então, a gente acredita que isso vai se repetir durante os Jogos Paraolímpicos.
Será sua primeira edição das Paraolimpíadas como presidente do Comitê Paralímpico Internacional. Como está sendo encarar esse desafio?
Uma história engraçada é que depois da cerimônia de encerramento do Rio-2016, com tudo o que a gente passou para organizá-los, eu disse para algumas pessoas: "Olha, eu juro para vocês que depois que a gente conseguiu fazer esses Jogos acontecerem, sinto-me capaz de fazer qualquer coisa." Mas jamais imaginei que viria uma pandemia. Então eu prometi para todo mundo que vou ficar quietinho na cerimônia de encerramento. Vou celebrar, mas não vou fazer nenhuma observação nesse sentido.
O duro não foi só a questão dos Jogos, mas algumas coisas que a gente tinha planejado implementar nestes quatro anos não conseguimos ou demorou mais. Estou satisfeito com os quatro anos, mas realmente tem um ponto ou outro que a gente queria ter avançado mais e a pandemia não permitiu.
Atletas paraolímpicos podem ter alguma deficiência ou comorbidade que tornem uma infecção mais grave. Haverá mais rigor para evitar isso?
Todas as pesquisas que fizemos mostram que os atletas paraolímpicos não são mais suscetíveis a contrair o vírus. Agora, uma vez contraído o vírus, dependendo do nível da deficiência, o caso pode se tornar mais severo. Então, a resposta médica, quando detectado um caso positivo, em alguns casos vai ter que ser mais intensa e veloz.
Por causa dos números da pandemia, as Paraolimpíadas não terão público. Isso decepcionou o senhor?
Claro que a gente gostaria de ter o público vibrando. Os atletas sentem muito. É uma forma de conseguir legado, de mudança de atitude. Quando foi tomada a decisão dos Jogos Olímpicos, a gente já imaginava que a decisão iria para esse caminho. Surgiu agora a oportunidade de termos crianças estudantes [nas arquibancadas]. Queremos que elas se divirtam. É uma oportunidade de mudar ou criar a percepção delas sobre pessoas com deficiências. Mas estamos vendo como garantir a segurança dessas crianças e jovens. O legado que queremos deixar é de mudança de percepção, não de que crianças saiam contaminadas por terem participado dos Jogos de alguma forma.
Sem público nos estádios, qual é o objetivo de visibilidade pela TV?
Nosso objetivo é ter mais de 4,3 bilhões de espectadores ao redor do mundo. A gente teve 4 bilhões no Rio. Acabamos de confirmar a transmissão para mais de 40 territórios na África. Oferecemos os direitos de transmissão sem custos. A esmagadora maioria vai assistir aos Jogos Paraolímpicos pela primeira vez. Então, o objetivo é melhorar nossa presença, para chegar a mais gente. Para compensar o fato de que, pela primeira vez, não vamos ter torcedores.
O Afeganistão virou assunto mundial com a volta do Talibã ao poder. O que o sr. achou de não ter delegação afegã nas Paraolimpíadas?
Primeiro, como ser humano, as imagens do aeroporto de Cabul são chocantes. A gente, que milita no movimento paraolímpico, que fala de inclusão, direitos iguais e diversidade como algo positivo, entristece ver um regime que coloca as mulheres muito abaixo na sociedade. Vi o vídeo da atleta fazendo apelo para participar dos Jogos. Não existem voos comerciais do Afeganistão para nenhum lugar do mundo. O que ficou claro para nós é que talvez esteja colocando esses atletas mais em risco ao tentar trazê-los. Não vamos expô-los a um perigo maior para trazê-los para cá. Trabalhando com o Comitê Paralímpico do Afeganistão a gente não vê como embarcá-los em segurança. Claro que se tivesse uma oportunidade de trazê-los em segurança, a gente embarcaria.
Em compensação, haverá um atleta afegão na equipe de refugiados. Como o sr. vê essa iniciativa?
A gente costuma dizer que os refugiados com deficiência são os marginalizados dos marginalizados. A gente trabalha com o Alto Comissariado da ONU para Refugiados [ACNUR]. Existem milhões de refugiados do mundo e milhões com deficiência entre essas pessoas. A qualidade de vida nos campos de refugiados é muito limitada. Como podemos utilizar o esporte para melhorar isso é uma das questões do IPC. O movimento paraolímpico não surgiu simplesmente para ganhar medalhas, mas como plataforma de inclusão social, para mudarmos a percepção das pessoas. Os Jogos também são plataforma de mudança.
A campanha WeThe15 é uma tentativa, além dos Jogos, de chamar a atenção para isso?
O fundador do movimento paraolímpico, Ludwig Guttmann, já falava isso há mais de 70 anos: "Meu sonho é que toda pessoa com deficiência possa ser um pagador de impostos". Isso tem a ver com cidadania, ser um cara ativo, trabalhar. Desde a origem, o movimento paraolímpico vai além do esporte. O objetivo é trabalhar para esse 1,2 bilhão de pessoas com deficiência no mundo. É um em cada sete seres humanos.
Aí você pensa: eu olho ao meu redor e não os vejo. Cadê esses caras? Tem uma questão de as Paraolimpíadas darem visibilidade. É o único evento global que bota as pessoas com deficiência como o centro das atenções. E isso não só no esporte. Você pode pensar na arte, cultura, economia, eventos sociais. Não há outro evento semelhante.
A gente está lançando o WeThe15 para colocar um pouco de luz nesta questão. Estamos usando os Jogos Paraolímpico como chamariz, para dar visibilidade ao movimento. Mas estamos com organizações da sociedade civil, do setor de negócios, governos, o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos. Nosso pensamento é que pessoas com deficiência enfrentam desafios todos os dias. É trabalhar com mídia para ter mais pessoas com deficiência em frente às câmeras. Se uma em cada sete pessoas têm deficiência, cadê elas na mídia, no mercado de entretenimento? É trabalhar com Hollywood para que a gente tenha no cinema mais pessoas com deficiência. Por que não?
Os Jogos de Tóquio tiveram maior tolerância às manifestações políticas. Como isso vai funcionar nas Paraolimpíadas?
A gente fez uma consulta ao nosso Conselho de Atletas. Foi algo um pouco semelhante ao que o COI fez. E a opinião deles é que a gente deve flexibilizar em muitos aspectos, mas proteger o pódio e a competição. É dessa forma que a gente está seguindo. Muito semelhante ao do COI. O COI abriu antes dos jogos, esse momento da apresentação dos atletas, para alguma manifestação. Nós não estamos fazendo isso, seguindo o que os atletas disseram. Em compensação, houve uma flexibilização muito grande para que os atletas possam fazer suas manifestações positivas, sem cunho racista ou discriminatório, na Vila, redes sociais, coletivas de imprensa e zona mista.
Caso algum atleta se manifeste no pódio poderá sofrer punição?
A gente tem um procedimento para avaliar. Não quer dizer que haverá punição, mas você tem protocolo. Essas manifestações vão ser observadas e consideradas.
RAIO-X - Andrew Parsons, 44
Formado em Comunicação Social pela UFF (Universidade Federal Fluminense), foi presidente do CPB (Comitê Paralímpico Brasileiro) entre 2009 e 2017. Também presidiu o Comitê Paralímpico das Américas entre 2005 e 2009, sendo responsável pelo Parapan-Americano do Rio-2007. Entre 2013 e 2017 foi vice-presidente do IPC (Comitê Paralímpico Internacional). Em 2017 tornou-se o terceiro presidente da história do IPC.