Comissão do Senado aprova recondução de Aras após sabatina com críticas à imprensa e à Lava Jato
A análise pelo plenário pode acontecer ainda nesta terça-feira
A CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania) do Senado aprovou nesta terça-feira (24) a recondução do procurador-geral da República, Augusto Aras, para mais dois anos à frente da instituição.
Sua recondução recebeu 21 votos favoráveis e 6 contras dos parlamentares, em votação secreta. Agora, o nome dele precisará ser avaliado pelo plenário do Senado, onde precisará obter, pelo menos, o apoio de 41 dos 81 senadores.
A análise pelo plenário pode acontecer ainda nesta terça-feira.
Aras foi sabatinado por quase seis horas pelos senadores do colegiado. Teceu duras críticas à Operação Lava Jato, argumentando que esse tipo de força-tarefa abre a possibilidade de uma série de irregularidades, como o vazamento de informações. Citou como exemplo a "Vaza Jato".
"O modelo das forças-tarefas com pessoalização culminou em uma série de irregularidades que vieram a público, tais como os episódios revelados na Vaza Jato, a frustrada gestão de vultosas quantias arrecadadas em acordos de colaborações e em acordos de leniência, por meio de fundos não previstos em lei", disse em sua fala de abertura.
Por outro lado, Aras afirmou que sua gestão teve um cuidado especial para "não criminalizar a política". O procurador-geral defendeu que foram realizadas centenas de investigações nos útlimos dois anos, mas sem "vazamentos seletivos ou espetáculos midiáticos". Isso, completou, resultou na ausência de decisões que acabaram derrubadas pelo Supremo Tribunal Federal.
O procurador ainda afirmou que a reversão de muitas condenações, feitas de maneira irregular e falha, contribuíram para diminuir a confiança no sistema judiciário. Nesse ponto, sem citar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, citou caso de pessoa condenada de forma irresponsável que posteriormente foi inocentada.
"É o cuidado em garantir a cada cidadão seus direitos e garantias fundamentais para que as condenações não ocorram de forma tão irresponsável que possa alguém, supostamente inocente, passar anos na cadeia, para, depois, em um momento seguinte, ser exonerado de toda e qualquer responsabilidade", afirmou.
Aras também rebateu as críticas de omissão, em particular frente aos ataques do presidente Jair Bolsonaro contra as instituições. Disse que não cabe a ele ser um comentarista político e nem mesmo um "censor" de autoridades. E defendeu sua atuação mais discreta.
"Acredito que a eficiência na atuação do PGR não deve ser mensurada por proselitismos ideológicos, operações policiais espetaculosas ou embates na arena política. E assim pautei minha atuação na discrição, no diálogo e na compreensão de que cabe ao PGR ficar adstrito ao discurso jurídico, manifestando-se nos autos, conduzindo investigações com rigor técnico, cumprindo a lei, que assim o determina", afirmou.
O procurador-geral, no entanto, voltou a ser cobrado por sua proximidade com o Palácio do Planalto. Rebateu estudo que aponta que a posição da PGR coincide na maior parte dos casos com a da Advogacia-Geral da União. E disse que nem mesmo a busca por ser reconduzido comprometeu a sua independência.
"Quem quer ser reconduzido não faz tantas manifestações contrárias [ao governo]. Mas não são contrárias. São divergentes das manifestações de governo", afirmou, em seguida acrescentando que negou habeas corpus ao senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), no caso das rachadinhas.
"Eu me manifestei duas vezes contra habeas corpus do senador Flávio Bolsonaro, que não está aqui presente. Todos os dois mereceram pareceres contrários, que eu assinei. Não foram colegas [que assinaram]", completou.
Aras também atacou diversas vezes a imprensa. Disse que parte da imprensa "abraça um jornalismo descomprometido com a credibilidade das fontes e descuidado em conferir a veracidade das premissas de fatos". Em outro momento, disse que a imprensa leva a "equívocos danosos".
Durante a sabatina, senadores questionaram Aras se ele dará prosseguimento aos indícios de irregularidades que deverão constar no relatório final da CPI da Covid, a ser enviado ainda neste ano à Procuradoria-Geral da República.
Aras evitou responder ou emitir opinião sobre os trabalhos da comissão. Disse apenas que vai se manifestar nos autos, quando o relatório for entregue, e que atuará em respeito à legislação.
"Eu ratifico o meu compromisso com esta Casa de bem cumprir a Constituição e as leis do meu país. E assim o farei quando receber o relatório da CPI da Covid", respondeu.
Aras também afirmou que havia "ameaças reais" a ministros do Supremo Tribunal Federal. A afirmação aconteceu ao ser questionado sobre sua posição a respeito da prisão de aliados de Bolsonaro, em particular o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) e o presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson.
"O grande problema, no caso concreto, é que nos manifestam os contra prisões inicialmente, porque a liberdade de expressão, segundo doutrina constitucional e jurisprudência do próprio Supremo, é controlada a posteriori, ou seja, primeiro o indivíduo", afirmou.
"No momento posterior da prisão, tanto do Daniel Silveira, quanto do Roberto Jefferson, houve ameaças reais aos Ministros do Supremo, de maneira que, se, em um primeiro momento, a liberdade de expressão era o bem jurídico constitucional tutelado mais poderoso que existe dentro da nossa Constituição, num segundo momento, já se abandonou a ideia da liberdade de expressão para configurar uma grave ameaça".
Apesar da aprovação, alguns senadores fizeram uma ofensiva contra Aras nos últimos dias. Um dia antes da sabatina, o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), arquivou a notícia-crime apresentada por Fabiano Contarato (Rede-ES) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE) contra o PGR.
Eles pediam para que Aras fosse investigado por prevaricação porque teria sido omisso em relação aos atos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Moraes, porém, considerou que é "flagrante a ausência de justa causa" para investigar o procurador-geral e determinou o arquivamento do caso.
Em outro caso, senadores também acionaram o Conselho Nacional do Ministério Público para que a subprocuradora-geral e uma das pessoas mais próximas de Aras, Lindôra Araújo, para que ela seja punida por ter dado um parecer contestando a eficácia do uso de máscara na prevenção contra a Covid-19.
O relator da recondução do PGR, no entanto, não fez críticas à atuação do chefe do MP. No parecer de oito páginas, Eduardo Braga (MDB-AM) fez um resumo do currículo de Aras e elogiou a atuação do PGR nos últimos dois anos. "A sua gestão à frente da Procuradoria-Geral da República tem procurado reforçar o papel do Ministério Público na solução de conflitos, atuando de forma extraprocessual e preventiva, sem renunciar de fiscalização", escreveu.
O senador ainda destacou as ações realizadas pelo procurador durante a pandemia e em áreas como meio ambiente, social, educação, cooperação internacional, transparência, defesa dos direitos humanos e proteção das comunidades tradicionais.
"Entendemos que as senhoras senadoras e os senhores senadores integrantes desta Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania dispõem de suficientes elementos para deliberar sobre a indicação do senhor Antônio Augusto Brandão de Aras para ser reconduzido ao cargo de Procurador-Geral da República", concluiu Braga.
A recondução do atual procurador-geral também é bem vista entre os congressistas governistas e de centro, que o consideram um cumpridor da Constituição, com perfil garantista e aberto ao diálogo.
Bolsonaro oficializou a indicação de Aras em julho deste ano. Assim como em 2019, o presidente ignorou a lista tríplice divulgada após eleição interna da ANPR (Associação Nacional de Procuradores da República).
O primeiro mandato do PGR foi marcado por polêmicas em razão de declarações que ele fez sobre a Lava Jato, o que o levou a ser apontado como responsável pelo desmonte da investigação.
No ano passado, as críticas contra o PGR se intensificaram em razão de apurações que não tiveram andamento, parte delas referentes à omissão do governo federal no combate à Covid-19.
A Procuradoria-Geral da República é obrigada a se manifestar na maioria dos ações que chegam ao STF, independentemente de quem é o autor do processo. Nesses casos, o procurador-geral se manifestou algumas vezes contra a atuação do Executivo.
Em raros momentos, Aras conseguiu aplacar parte das críticas ao promover uma ofensiva contra a parcela da militância bolsonarista que mobilizou manifestações que pediam o fechamento do Congresso e do Supremo.
O procurador-geral pediu abertura de inquérito para investigar os responsáveis pelos atos antidemocráticos e desencadeou, com autorização de Moraes, relator do caso, operação policial contra o núcleo da estrutura organizacional do Aliança pelo Brasil, partido que Bolsonaro tenta criar.
Em um segundo momento, no entanto, após não se entender acerca da apuração com a PF, que defendia o aprofundamento, a PGR pediu o arquivamento perante o STF e o envio de alguns casos para a primeira instância.