Cenário é de Bolsa instável com indefinição política, fiscal e sanitária
A expectativa de analistas é que indefinições continuem a trazer oscilações para a Bolsa de Valores brasileira ao longo dos próximos dias
As incertezas sobre as questões políticas e fiscais do Brasil têm trazido uma maior volatilidade para o Ibovespa, principal índice acionário do país.
A expectativa de analistas é que essas indefinições, somadas ao ambiente de juros mais altos, ao noticiário internacional e aos temores sobre a variante delta do coronavírus, continuem a trazer oscilações para a Bolsa de Valores brasileira ao longo dos próximos dias.
Diante do cenário, investidores pessoas físicas retiraram R$ 1,2 bilhão da Bolsa só na semana passada, quando o Ibovespa acumulou queda de 2,59%. Os investidores institucionais terminaram com saldo negativo no período, de R$ 5,2 bilhões.
As vendas também superaram as compras de ativos entre os clubes de investimentos e as instituições financeiras, que fecharam com saldo negativo de R$ 190,9 milhões e de R$ 549,2 milhões, respectivamente.
No total, considerando todos os investidores, o saldo das negociações na Bolsa ainda ficou positivo na semana em R$ 91,8 milhões -resultado da entrada de R$ 5,2 bilhões de capital estrangeiro, de R$ 2,1 bilhões por parte de empresas públicas e privadas e de R$ 20,3 milhões por outros tipos de investidores que aproveitaram que as ações estavam baratas para irem às compras.
"Ontem [semana passada] era um caos global, e hoje parece que estamos vivendo na Suíça", afirmou o diretor de renda variável da Veedha Investimentos, Rodrigo Moliterno.
Apesar de continuarem no radar os temores sobre um retrocesso econômico -que tingiram o Ibovespa de vermelho na maior parte da semana passada-, a melhora da sinalização sobre as questões fiscais deu uma nova injeção de ânimo no mercado brasileiro.
Nesta terça-feira (24), o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que o Congresso buscará alternativas para garantir a responsabilidade fiscal em meio ao impasse envolvendo o pagamento de R$ 89 bilhões em precatórios em 2022 e, apesar de ter reconhecido a dificuldade em votar o texto do projeto que muda o Imposto de Renda, disse que não é um processo impossível.
Precatórios são dívidas do governo reconhecidas pela Justiça. A afirmação ajudou a Bolsa brasileira a subir 2,33% nesta terça-feira (24) aos 120.210 pontos. O dólar encerrou em queda de 2,23%, a R$ 5,2610.
"As falas de Lira ajudaram bastante a aliviar a pressão sobre os juros e sobre o dólar, fazendo com que as ações performassem bem no pregão desta terça. Mas apesar desse alívio em relação às dúvidas sobre o tema fiscal, a volatilidade [na Bolsa] deve continuar porque ainda temos muitas indefinições no país", disse o analista da Terra Investimentos, Régis Chinchila.
O mercado brasileiro também foi beneficiado pelo otimismo global gerado pela aprovação total da vacina contra Covid-19 da Pfizer-BioNTech nos Estados Unidos e a valorização de commodities no mercado internacional.
"A aprovação final da Pfizer pode aumentar a aceitação da vacina nos Estados Unidos e em outros países", diz Fernanda Consorte, economista-chefe do Banco Ourinvest. "Isso pode significar menor propagação do vírus e é positivo para a economia global", avalia.
"Contratos futuros de minério de ferro tiveram recuperação na China e isso impulsionou ações da Vale, da Siderúrgica Nacional, da Usiminas, assim como as ações da Gerdau", diz Flávio de Oliveira, head de renda variável da Zahl Investimentos.
Segundo o analista da Clear Corretora, Rafael Ribeiro, os investidores aproveitaram para comprar ações de empresas que estavam baratas, o que contribuiu a impulsionar o índice.
Entre os destaques positivos, a Vale subiu 3,65%, apoiada na recuperação dos preços do minério de ferro. A Petrobras fechou com elevação de 2,07%, ampliando os ganhos da véspera, em outro dia de alta dos preços do petróleo no mercado, com o Brent subindo 3,35%, ante perspectivas mais positivas para a demanda da commodity.
A Cyrela disparou 12,33%, em meio ao alívio nos juros futuros, tendo de pano de fundo ainda relatório do Bradesco BBI assumindo a cobertura da empresa com recomendação "outperform" para as ações.
As ações da Gol saltaram 10,97%, em sessão positiva para ações do setor de viagens, mais um reflexo da aprovação da vacina contra a Covid-19 nos Estados Unidos. Azul (7,3%), CVC Brasil (6,38%) e Embraer (8,13%) acompanharam esse movimento.
A Lojas Americanas avançou 11,81%, com o clima mais comprador apoiando alguma recuperação, embora ainda acumule perda de cerca de 17% em agosto, na esteira de ajustes relacionados à fusão de determinados ativos da companhia com a antiga B2W, agora chamada Americanas.
"Além de vermos um aumento dos investidores estrangeiros na semana passada, a Bolsa também testou os 116 mil pontos e vimos várias empresas e setores com múltiplos interessantes [mais baratas], o que ofereceu um gatilho de compras", afirmou Ribeiro.
"Agora resta ver como será a manutenção desse fluxo, que depende de uma redução do ruído político para ajudar no andamento da agenda de reformas", disse o analista.
Os papéis dessas empresas acabaram ficando baratos depois das fortes quedas vistas entre 16 e 20 de agosto, quando o Ibovespa inverteu o sinal positivo que vinha carregando e acumulou uma perda de 0,81% no ano até a última sexta-feira (20). Na semana passada, o índice acumulou perda de 2,59%.
Com a alta desta terça, a Bolsa passou a acumular ganhos de 1% em 2021.
"Tivemos uma maior percepção de risco na semana passada, principalmente pelas questões políticas, econômicas e fiscais no Brasil, que acabaram deixando os investidores locais preocupados. Sem uma definição clara e com o aumento dos juros no mercado interno, houve uma saída de capital", afirmou Chinchila.
Além da instabilidade doméstica, parte da explicação para o tombo da Bolsa veio do receio de uma diminuição do ritmo de recuperação econômica no mundo, que ganhou força depois que as duas maiores potências mundiais (EUA e China) trouxeram dados fracos de consumo, vendas e produção.
Outro ponto de atenção entre os investidores é a manutenção dos estímulos monetários por parte do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) e o simpósio anual que esse órgão fará ainda nesta semana.
Por aqui, o ministro Paulo Guedes (Economia) e sua equipe têm elevado a pressão no Congresso sobre os efeitos no Orçamento do ano que vem, caso o parcelamento das dívidas de precatórios não seja autorizado.
Há ainda outras pautas no radar dos investidores, como a reforma tributária e uma maior tendência de alta da taxa básica Selic por parte do Banco Central, como forma de tentar conter os avanços da inflação no país.
O banco Original, por exemplo já espera que a taxa, hoje em 5,25% ao ano, feche 2021 a 8% "diante da percepção de mais riscos inflacionários para o ano que vem e do 'compromisso inequívoco' do BC com a convergência das expectativas para a meta no horizonte relevante de política monetária, escreveu em relatório.
"Acredito que a questão dos juros está mais correlacionada ao momento político. No âmbito fiscal, eles gritam e gritam, mas se resolvem, mas a cena política é um pouco mais complexa", afirmou Moliterno.
A crise política gerada pela tentativa de reeleição do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que tem colocado em descrédito o processo eleitoral e confrontado ministros do Supremo Tribunal Federal, continua a pesar na percepção dos investidores.
"Mas acredito que toda essa incerteza no cenário doméstico possa dar uma acalmada agora no início de setembro, com uma conciliação para a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2022. Isso deve pelo menos levar um desfecho final à questão fiscal", completou o executivo.