Livro de Dráuzio Varella que inspirou série vira documentário
"Encarcerados" chega aos cinemas nesta quinta-feira (26), com direção de Fernando Grostein Andrade, Pedro Bial e da diretora de arte Claudia Calabi
Poucos autores escrevem livros já prevendo que eles serão adaptados. Alguns gêneros chegam às telas mais facilmente, é verdade, mas no campo da não ficção, traduções televisivas e cinematográficas são ainda mais raras. Drauzio Varella, no entanto, conseguiu que uma de suas obras, "Carcereiros", fosse adaptada não apenas uma, mas três vezes.
Depois de dar origem a uma série e a um filme de ficção, o livro agora inspira um documentário em longa-metragem, "Encarcerados", que chega aos cinemas nesta quinta, sob a direção do cineasta Fernando Grostein Andrade, de "Quebrando o Tabu" e "Abe", do jornalista Pedro Bial e da diretora de arte Claudia Calabi.
Médico e colunista deste jornal, Varella concebeu a obra a partir de suas experiências pessoais, depois de décadas visitando presídios como médico voluntário, levando assistência a um sistema que ele considera falho. As memórias e as amizades com agentes penitenciários o levaram, então, à escrita.
"A sociedade escala pessoas para ir trabalhar dentro das cadeias e impedir que aqueles presos fujam e criem problemas. E essas pessoas precisam desenvolver uma estratégia para cumprir com a sua função e também para poder sobreviver, em primeiro lugar", diz Varella.
"Eu tenho vários amigos carcereiros que fiz ao longo da carreira, e eu sempre me interessei muito por esse tema. Eu sempre tive essa curiosidade de saber como essas pessoas se comportam dentro desse universo, de forma a impedir que essa panela de pressão que é o sistema carcerário vá pelos ares."
Em "Encarcerados", os diretores traçam um histórico desse sistema desde os anos de ditadura militar até hoje. Explicam como o trato dos presos pelo Estado mudou e também como o crime organizado se apoderou das prisões, num movimento que fez emergir facções como o PCC, mas que ao mesmo tempo impôs regras e ordem a lugares em que as autoridades foram incapazes de se fazer presentes.
Tudo isso é costurado por testemunhos de ex e atuais agentes penitenciários, bem como do próprio Drauzio Varella, e por mergulhos na vida onerosa, condicionada a um constante estado de alerta, desses funcionários.
Aqui, a realidade é nua e crua, sem a pinta de galã de Rodrigo Lombardi ou os delírios de ação hollywoodiana vistos em "Carcereiros", série do Globoplay de 2017, e "Carcereiros - O Filme", longa derivado que estreou dois anos mais tarde. Neste último, a presença do ex-BBB sírio Kaysar Dadour no elenco deu margem a um roteiro que falava de uma ilusória ameaça terrorista e que culmina em explosões e agentes quase secretos.
"Olha, eu sou um pouco suspeito para falar, mas quando eu olho para a série e o filme eu vejo que sim, há pontos em comum com o livro que eu escrevi, mas eles estão distantes das histórias que estão no livro. Cinema é um barato do diretor, né?", diz Varella.
Fernando Grostein Andrade serve justamente de ponte entre esses dois universos. Ele dirigiu episódios da série do Globoplay e, agora, volta à obra do médico para uma adaptação mais realista.
Ele diz que, de fato, esses são trabalhos com muitas diferenças, que se fazem presentes tanto na produção, quanto no resultado final. "Quando você faz um documentário, a sua equipe tem que ser uma formiguinha para passar despercebida e registrar o cotidiano. Numa série, você tem um exército que recria uma realidade", afirma o cineasta.
Questionado se "Encarcerados" pode soar repetitivo para quem acompanhou as versões ficcionais da obra de Varella, Grostein Andrade diz que os três produtos, série, longa de ficção e documentário, se complementam.
"Encarcerados" não bebe apenas da fonte de "Carcereiros", publicado em 2012 pela Companhia das Letras. Varella também relatou o cotidiano prisional em "Estação Carandiru", de 2005, e "Prisioneiras", de 2017. Eles se fazem presentes no documentário em segmentos dedicados especialmente ao massacre por trás do primeiro livro e a relatos vindos de um presídio feminino -algo que, de fato, não faz parte dos roteiros de "Carcereiros", a série, e "Carcereiros - O Filme".
Curiosamente, Claudia Calabi diz que foi nas casas de detenção femininas onde se sentiu mais acuada, e não nas masculinas, onde o crime organizado se faz presente e, portanto, impõe regras de comportamento aos encarcerados -o que inclui até mesmo não estar sem camisa na presença de mulheres.
"Houve muito mais provocação, até mesmo de cunho sexual, no presídio feminino em que gravamos", diz ela. "Todos aqueles ambientes são tensos, por causa das forças que estão operando ali. Mas nós fomos construindo uma relação com os detentos e os agentes, de confiança mútua, e fomos aprendendo as regras do jogo."
ENCARCERADOS
Quinta-feira (26), estreia nos cinemas
Direção Claudia Calabi, Fernando Grostein Andrade e Pedro Bial