Dimas Covas: Queiroga usa 'desculpa' e não usará Coronavac na 3ª dose porque não comprou vacina
Fala do ministro da Saúde foi feita à CNN na sexta-feira (3)
O diretor do Instituto Butantan, Dimas Tadeu Covas, chama de "absurda" a declaração do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, de que o governo federal não usará como terceira dose contra a Covid-19 vacinas que não tiverem registro definitivo concedido pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Isso exclui a Coronavac, produzida pelo Butantan.
"A vacina está em uso, sendo distribuída e há doses a serem entregues ao ministério", afirma Covas. "O que ele não tem são doses adicionais depois dos 100 milhões [previstos em contrato entre o Ministério da Saúde e o instituto, que se encerra neste mês]. Ele não contratou mais", segue o diretor.
A fala de Queiroga foi feita à CNN na sexta-feira (3). Para Covas, o gesto "descredencia a Coronavac, porque não tem nenhuma comprovação de natureza científica" que inviabilize a aplicação daquele imunizante como reforço.
"E ele faz isso usando um argumento administrativo. Assuma que não tem mais contrato para fornecimento da Coronavac portanto vão optar pelas vacinas que têm maior volume -como a Pfizer e a Astrazeneca. Use os argumentos corretos, não o de que o motivo é porque ela [Coronavac] não tem o registro definitivo. É uma desculpa", diz.
"O que o ministério faz é jogar uma cortina de fumaça", segue o diretor do Butantan. "O real problema não é a terceira dose. É o adiantamento da segunda dose. No Brasil ainda há em torno de 28 milhões de pessoas com mais de 60 anos que ainda não receberam a segunda dose, e eles [governo] não estão conseguindo adiantá-la. Então o ministério deveria estar fazendo um movimento mais importante de adiantar e, obviamente, incluir uma terceira dose como medida preventiva. Eles jogam muito em cima de problemas que não são os problemas do momento e esquece de comentar o problema do momento".
Procurado para comentar as falas de Covas, o Ministério da Saúde não respondeu até a conclusão deste texto.
Segundo o médico, com a decisão o ministro se mostra "incoerente". "O ministério comprou 100 milhões de doses da Coronavac e de repente não pode mais usar?", questiona. A pasta adquiriu esse total do Butantan em contrato que se encerrara no fim de setembro - mas o instituto resolveu entregar as cerca de seis milhões de doses que faltam até a segunda quinzena deste mês.
"Temos grande capacidade de produção, então adiantamos [a entrega] para poder encerrar esse contrato e disponibilizar essas vacinas para o Brasil e para outros países", afirma Covas.
Estudos sugerem que a intercambialidade entre as vacinas, ou seja, a aplicação de uma segunda ou uma terceira dose diferentes das que foram dadas como primeira, pode levar ao aumento da resposta imunológica contra a doença. Ainda não há, porém, estudos conclusivos sobre a possibilidade. Sobre esse tema, Dimas argumenta que "já temos elementos suficientes para dizer que qualquer sistema vacinal aditivo aumenta a imunidade".
E cita um estudo feito por dois pesquisadores da Universidade de Barcelona, ainda em processo de revisão, que aponta a importância de aplicar imunizantes com vírus inativado, como a Coronavac, em quem recebeu vacinas como a Pfizer e a Moderna (baseadas em RNA) e a AStraZeneca e a Janssen (que usa um adenovírus). "O que esse estudo coloca, se confirmar, é que deve-se ampliar o repertório imune", explica.
Estudos também mostram quem a Coronavac perde eficácia em idosos maiores de 80 anos. Segundo trabalho científico feito pelo infectologista da Fiocruz Julio Croda, naquela faixa etária a efetividade do imunizante a proteção foi de 28% contra casos assintomáticos, 43,4% contra hospitalizações e 49,9% contra mortes. De acordo com o mesmo trabalho, na faixa etária entre 70 a 74 anos a eficácia da Coronavac contra casos sintomáticos é de 61,8%, de 80,1% contra hospitalizações e de 86% contra mortes.
Questionado se esses dados podem influenciar na escolha de outros imunizantes como terceira dose, ele relativiza. "Todas as vacinas, não só as contra a Covid-19, perdem eficiência na população idosa. Isso é em decorrência do fenômeno de imunossenescência, o envelhecimento do sistema imunológico", argumenta Covas. A cidade de São Paulo também anunciou que usará a Pfizer como reforço a partir do dia 15 deste mês.
O médico cita Israel como exemplo de um país que fez sua vacinação majoritariamente com o fármaco da Pfizer e está assistindo a "novo recrudescimento dos casos, com aumento de número de óbitos e infecções" devido à variante delta do coronavírus.
"Não dá pra olhar parcialmente, tem que olhar para o todo. Até então, os dados que temos da Coronavac com a delta são muito bons, ao contrário dos dados que vêm de Israel, do Reino Unido e dos Estados Unidos -que mostram que vacinas como principalmente Pfizer, Astrazeneca e Moderna não foram capazes de conter. Isso mostra que essas vacinas têm a sua limitação, e isso pode ser importante em relação a novas variantes", segue ele.
"Israel, quando começou o surto, tinha o maior índice de vacinação. Isso não impediu a emergência e o predomínio da variante delta. A mesma coisa se observou na Inglaterra, com a Astrazeneca, e em regiões dos Estados Unidos onde já se havia inclusive porcentagens maiores de vacinação."
Como exemplos de sucesso da Coronavac, ele cita países como Chile e Uruguai, onde, segundo ele, "não houve emergência de variantes, não houve o predomínio catastrófico".
Esses dois países, porém, registram altos índices de vacinação na proporção de suas populações. Segundo a plataforma Our World in Data, respectivamente, 72,3% e 71,3% já foram imunizados com duas doses nesses locais – e ambos já começam a recorrer à terceira etapa, da Pfizer. Israel e Estados Unidos, em contrapartida, apontam taxas baixas de 62,6% e de 52%, na ordem.
"Tem que [se comparar] olhando as pessoas vacinadas e que tiveram a incidência da infecção. O que se chama de escape vacinal. O escape dessas vacinas em relação à [variante] delta é poderosíssimo. Ele reduz a eficiência dessas em 60%, às vezes até mais. Nas pessoas protegidas com esses imunizantes nos Estados Unidos, por exemplo, há dados de que 30% delas foram re-infectados ou infectados", aponta Covas.
Ele defende o uso de imunizantes com a tecnologia do vírus inativado, como a Coronavac. "São as mais completas do ponto de vista imunológico. Elas estimulam amplamente o sistema com o vírus inteiro, diferente das que estimulam só com um pedacinho do vírus".
Covas, porém, reforça que "vacinas são armaduras de aço". "São elementos importantes de combate ao vírus, mas não são escudos", diz. "Nós precisamos vacinar. Na minha opinião a prioridade é adiantar a segunda dose. E a terceira dose virá naturalmente nesses temas".