Manifestação

Racha escancarado após protesto contra Bolsonaro reforça entraves para atos unitários

Atos do domingo (12) apresentaram baixa adesão da sociedade; nova manifestação está prevista para o dia 2 de outubro

Manifestação contra Bolsonaro, no domingo (12) - Nelson Almeida / AFP

A organização de atos unificados contra o presidente Jair Bolsonaro ganhou novos obstáculos com as cisões escancaradas após os atos de domingo (12) convocados por MBL (Movimento Brasil Livre) e VPR (Vem Pra Rua), que tiveram baixa adesão e não contaram com a participação do PT.


Os dois movimentos ligados à direita evitam, por enquanto, se comprometer com um envolvimento em manifestações puxadas por outros setores. A Campanha Nacional Fora Bolsonaro, fórum majoritariamente de esquerda, indicou 2 de outubro como data de sua próxima mobilização.

MBL e VPR informaram à reportagem nesta segunda-feira (13) que ainda vão discutir internamente datas para suas próximas manifestações e foram evasivos sobre uma entrada na articulação do dia 2. Não descartaram incisivamente uma aproximação, mas tampouco demonstraram entusiasmo com a ideia.
A ausência do PT no protesto do fim de semana, justificada pelo discurso de que a sigla não participou da construção desde o início, foi motivada por mágoas com os dois movimentos pelas marchas em prol do impeachment de Dilma Rousseff (PT) e contra o ex-presidente Lula (PT), presidenciável para 2022.

O principal ponto de discórdia estava no tom eleitoral do ato, com o apoio a uma terceira via para as eleições simbolizado no slogan "nem Bolsonaro nem Lula", presente nas convocações. Apesar da promessa de que a pauta comum seria o "fora, Bolsonaro", o petista foi criticado no domingo.

Entre membros do MBL, o sentimento é o de que petistas boicotaram a manifestação, estimulando o público de esquerda a não comparecer –inclusive com a hashtag "domingo em casa com Lula". Na opinião do grupo, isso ampliou a distância entre o PT e o MBL, que já não participou das últimas cinco manifestações de oposição majoritariamente de esquerda feitas desde maio.

A expectativa no MBL é a de que o 2 de outubro seja novamente protagonizado por grupos favoráveis a Lula. A avaliação de que esses atos são demasiadamente vermelhos pesou para o grupo manter distância dos protestos anteriores, além de justificativas ligadas aos riscos da pandemia.

Outro obstáculo para a união é a leitura, por líderes do MBL, de que a luta pelo impeachment no PT é jogo de cena, já que seria favorável para Lula enfrentar Bolsonaro na eleição –argumento rechaçado pelo partido.
Após o domingo, a rivalidade se ampliou. Renan Santos, líder do MBL, diz que irá processar petistas e jornalistas que identificaram o grupo com o fascismo. "A manifestação revelou as intenções do PT, com um trabalho bem-feito de desmobilizar a esquerda. Petismo e bolsonarismo agiram da mesma forma", afirmou.
Oficialmente, o PT divulgou nota afirmando que "saúda todas as manifestações 'fora, Bolsonaro'", embora tenha decidido não comparecer.

Do lado da esquerda, os receios de engrossar a manifestação da direita foram confirmados diante das críticas a Lula, inclusive com um boneco pixuleco do ex-presidente. Renan afirmou que esse foi "um dos erros" do ato e reconheceu que o argumento petista para ficar em casa acabou reforçado.

A ausência de público na manifestação do dia 12, admitida pelos nomes mais conhecidos do MBL, não é, contudo, creditada por eles à ausência da esquerda.

"O público 'nem, nem', o eleitorado da terceira via, está desmobilizado. A massa ficou em casa", afirmou Renan.

Como previsto, os atos foram identificados com a terceira via, seja pela presença de presidenciáveis desse campo, como João Doria (PSDB), Luiz Henrique Mandetta (DEM) e Ciro Gomes (PDT), seja pela relação entre o esvaziamento das ruas e a pontuação baixa desses nomes em pesquisas.

Renan, no entanto, considerou ter ficado claro que o protesto foi pelo impeachment. "Não tem que misturar com terceira via. Ninguém falou de candidatura."

De acordo com a porta-voz do VPR, Luciana Alberto, o movimento ainda não discutiu eventual engajamento no dia 2 ou em outras articulações.

"Alguns líderes de esquerda participaram no domingo. Tivemos no mesmo palco diversas vertentes ideológicas. Com isso, há um caminho aberto para essas possibilidades. Mas não houve também nenhum convite formalizado [para participarmos do dia 2]."

Na visão da ativista, "o dia 12 foi bastante razoável no sentido de construir esse entendimento, mas o movimento tem a sua articulação interna. É importante que a sociedade construa esse diálogo, sempre com um grupo respeitando as posições do outro".

Luciana avaliou o protesto de domingo como positivo. "Após a pandemia, há ainda um trabalho grande a ser feito para despertar as pessoas para a mobilização, mas a indignação [com Bolsonaro] existe."

No MBL, o ato é comparado às primeiras manifestações contra Dilma, em 2013, que, pequenas, deram o tom e a estética aos protestos que lotaram a avenida Paulista nos anos seguintes. Para Renan, deve ocorrer o mesmo em relação ao impeachment de Bolsonaro, com a cor branca e um pacto de não agressão.
"Vamos manter um processo de mobilização", diz ele.

"O que tínhamos eram pessoas bem intencionadas, dispostas a deixar as diferenças de lado para apoiar a democracia e o direito de discordar entre si", publicou Rubinho Nunes (PSL), membro do MBL e vereador em São Paulo. "Esquerda, centro e direita se unindo para derrotar um inimigo maior."

A proposta de mobilização no dia 2 depende também do que sairá de uma reunião entre presidentes de partidos que se declaram de oposição a Bolsonaro marcada para esta quarta-feira (15). A expectativa é que um bloco de ao menos nove legendas confirme mobilização em torno da data.

Dirigentes nacionais de PT, PDT, PSB, PSOL, PC do B, PV, Rede, Cidadania e Solidariedade darão sequência a uma conversa iniciada na semana passada, logo após os atos com bandeiras autoritárias incitados por Bolsonaro no 7 de Setembro.

A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, afirmou ao jornal Folha de S.Paulo nesta segunda que o partido está nas ruas contra Bolsonaro há vários meses e não precisa ser convencido a participar de atos que pedem a saída do mandatário do cargo. A sigla é a principal força dentro da Campanha Fora Bolsonaro.

Gleisi disse ainda que "unidade não se improvisa, nem se impõe", mas se constrói com diálogo em torno de pautas comuns. "Para ter unidade, é preciso a construção conjunta, não a adesão", afirmou.

Ao UOL, também nesta segunda, Gleisi disse: "Não iremos em nenhum manifestação que ataque Lula e o PT". Ela afirmou que é preciso encontrar "pontos de convergência" para evitar ataques mútuos e que, hoje, o "ponto de convergência" que une PT, MBL e outros grupos é "o 'fora, Bolsonaro', o impeachment".

Já partidos de centro e centro-direita que, na semana passada, ensaiaram apoio ao afastamento do mandatário passaram a ser dúvida na lista de convocadores de um ato unificado. Siglas como PSD, MDB, DEM e PSDB recuaram no impeachment após o aceno de pacificação feito por Bolsonaro na quinta-feira (9) –embora alas tucanas, por exemplo, estejam participando dos atos de oposição.

Integrantes do núcleo de esquerda que organizou cinco manifestações de alcance nacional dizem que o ambiente tem sido cada vez mais aberto à participação de segmentos de outras tonalidades ideológicas, mas a chegada de atores tem que ser deliberada para evitar conflitos.

Para um dos líderes da Campanha Fora Bolsonaro, Raimundo Bonfim, que é coordenador da CMP (Central de Movimentos Populares), o ato previsto para o dia 2 tende a ser um dos mais amplos, se houver o empenho do bloco dos partidos de oposição na preparação e divulgação.

Ele aposta, no entanto, que uma diversificação ainda maior só deva ocorrer em 15 de novembro, para quando está programada uma outra mobilização, também puxada pela coalizão de esquerda.

"Estamos dispostos a fazer esse debate dentro da Campanha Fora Bolsonaro", disse Bonfim sobre uma adesão de MBL e VPR. "Não dá para ter hegemonia de nenhum lado", segue ele, avaliando, contudo, que desentendimentos relacionados ao dia 12 poderão interferir na receptividade aos grupos.

Em outra frente, o grupo Direitos Já usará um evento seu agendado para esta quarta para sensibilizar dirigentes de partidos, entidades da sociedade civil e forças políticas a se unirem em uma coalizão que imite a da campanha pelas Diretas Já, nos anos 1980.

Segundo o porta-voz da iniciativa, Fernando Guimarães, a ideia é trabalhar pela superação de divergências. "Estamos dialogando com todas as forças, partidos e movimentos, fazendo essa mediação para conseguirmos ter um ato unificado", disse.

"A gente tem essa responsabilidade de buscar o diálogo a partir do momento em que percebemos que algumas divisões ainda existem. A questão não é se é A, B ou C convocando, mas se temos a capacidade de estarmos todos juntos. Não é hora de sectarismo ou de olhar para trás", afirmou.