Afeganistão

Um mês após vitória, Talibã enfrenta duro desafio no Afeganistão

O grupo tomou o controle do país do dia 15 de agosto

Integrantes do Talibã próximo ao túmulo do falecido líder afegão Ahmad Shah Massoud - Wakil Kohsar/ AFP

Um mês após a tomada de poder no Afeganistão, o Talibã enfrenta o duplo desafio de manter a paz dentro de suas fileiras e governar um país à beira da ruína, afirmam analistas.

De fora, o grupo de islamitas radicais parece homogêneo e unido em termos ideológicos e de estratégia.

Mas assim como em outras grandes organizações políticas, o Talibã tem divisões, rivalidades, alianças e facções.

As fissuras permaneceram sob controle durante a guerra de 20 anos contra o governo afegão, amplamente considerado corrupto, e as forças internacionais lideradas pelos Estados Unidos.

Mas com a derrota do inimigo e após a nomeação de um governo provisório - há 10 dias -, as divisões do grupo aparecem com mais força.

 

 Facções rivais 

Na segunda-feira passada surgiram os boatos de um tiroteio entre facções rivais no palácio presidencial que teria matado o vice-primeiro-ministro Abdul Ghani Baradar, cofundador do Talibã, que foi obrigado a divulgar uma mensagem de áudio para afirmar que está vivo.

Antes, a designação do governo interino expôs as tensões políticas no grupo e possivelmente plantou as sementes de problemas futuros, opina Niamatullah Ibrahimi, especialista em Afeganistão da Universidade La Trobe da Austrália.

Os principais cargos foram divididos entre a velha guarda Talibã de Kandahar, berço espiritual do movimento, e os Haqqani, uma rede familiar vinculada à Al-Qaeda e ao poderoso Inter-Serviço de Inteligência (ISI) do Paquistão.

Durante o primeiro regime Talibã nos anos 1990, a facção de Kandahar era dominante, mas muitos êxitos recentes do grupo foram conquistados pelos Haqqani.

"Realmente não podemos subestimar o poder dos Haqqani", disse Ibrahimi.

"Eles foram a parte militarmente mais complexa do movimento e mantêm relações importantes com a Al-Qaeda e o ISI paquistanês, mas também têm sua base de poder no Afeganistão.

Um membro do clã, Sirajuddin Haqqani, considerado um terrorista por Washington, assumiu o ministério do Interior, o que marcará o tom do governo.

"Ele é uma 'opção natural' para o posto", afirma Graeme Smith, consultor do 'International Crisis Group'. 

"Ele organizou algumas das unidades de elite de combate dos talibãs", explica.

A receita do conflito

Mas a designação de Haqqani também dificulta que países ocidentais reconheçam o governo Talibã ou liberem as reservas do Banco Central do Afeganistão congeladas nos Estados Unidos.

A incapacidade de obter reconhecimento internacional e os fundos congelados parecem representar um golpe para Baradar, peça chave nas negociações com as potências ocidentais antes da retirada das tropas americanas.

Sem reconhecimento internacional, o Talibã terá dificuldades para administrar o que a ONU chamou de "crise econômica" e a perspectiva de uma "catástrofe humanitária".

A rivalidade entre as facções pode gerar mais problemas para os vizinhos do Afeganistão, segundo os analistas.

O governo não inclui ninguém de fora do movimento nem os grupos talibãs do oeste do Afeganistão, inclusive aqueles vinculados com a Guarda Revolucionária do Irã.

"O Talibã optou por não ter um gabinete inclusivo, ignorando os pedidos de políticos afegãos importantes e de líderes regionais para que incluíssem figuras não talibãs", disse Smith.

"Isto é bom para a coesão do Talibã e será bem visto por simpatizantes talibãs, mas se arriscam a afastar outros afegãos e a comunidade internacional", completou.

Ibrahimi destacou que as potências regionais como Irã ou Rússia poderiam voltar a financiar outros grupos para defender seus interesses.

"Isto é a receita para um conflito violento ou uma resistência", afirmou Ibrahimi. "Cria oportunidades que poderiam ser exploradas por potências regionais que não estão contentes com eles".