Popularidade

Evangélicos não trocam Bolsonaro por Lula, apesar de aborrecidos com governo, mostra Datafolha

Eram 40% no começo do ano

Bolsonaro e Lula - arquivo

 Não houve gesto terrivelmente evangélico capaz de brecar a queda na popularidade de Jair Bolsonaro nessa parcela religiosa do eleitorado.

De janeiro para cá, a aprovação do presidente levou um tombo considerável num dos segmentos que ele mais corteja. Hoje, 29% dos evangélicos consideram seu governo ótimo ou bom. Eram 40% no começo do ano.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, contudo, não conseguiu tirar uma casquinha da sangria de Bolsonaro nesse segmento.


A mesma pesquisa Datafolha que a detectou mostra o petista, que deverá polarizar com o presidente a disputa de 2022, com 44% das intenções de voto no segundo turno contra 43% de Bolsonaro –manteve-se, portanto, o empate técnico aferido em sondagens passadas.

O presidente manteve no primeiro turno a preferência de 38% dos eleitores dessa religião, considerada a principal simulação feita pelo instituto. Lula variou de 37% para 34%. Dentro da margem de erro para o voto evangélico, de três pontos para mais ou para menos, os dois ainda lutam de igual para igual.

Há algumas abas a abrir a partir dessa janela revelada pelo Datafolha:
1) Bolsonaro anda para cima e para baixo com seu núcleo duro de pastores capitaneado por Silas Malafaia, como se a perspectiva de uma guerra santa entre "nós, os cidadãos de bem", e "eles, os depravados comunistas", bastasse para garantir o apoio desse grupo.

Mas há outros fatores em jogo, e os índices econômicos merecem destaque para lembrar que o evangélico não vota só com a Bíblia embaixo do sovaco. Sobretudo quando falta feijão no prato.

2) E o Lula, hein? Esse eleitorado devoto já lhe teve em alta conta, preferindo-o ao tucano Geraldo Alckmin em 2006. Mas, hoje, nem a piora na avaliação do principal adversário do petista amoleceu parte do eleitorado evangélico.

Embora tenha um desempenho semelhante ao do presidente entre os evangélicos, Lula enfrenta uma rejeição acima da média nessa fração populacional: 47% deles dizem que não votariam no petista de jeito nenhum. Considerando o conjunto total de eleitores, esse índice é de 38%.

Já a antipatia a Bolsonaro é mais suave no grupo: 44% não cogitam escolher o capitão reformado nas urnas, bem abaixo de seus 59% na média nacional.

O levantamento do Datafolha foi realizado nos dias 13 a 15 de setembro, com 3.667 pessoas entrevistadas presencialmente em 190 municípios. A margem de erro é de dois pontos para mais ou menos, considerada a amostra total de entrevistados.

Primeiro, há o recuo do respaldo a Bolsonaro entre evangélicos. Em 2017, o Datafolha detectou que 8 em cada 10 brasileiros não costumam levar em conta a opinião de seus líderes religiosos quando eles fazem campanha por algum candidato.

O contingente evangélico que dá ouvidos a seus pastores foi só um pouco mais alto, 26%.
Logo, o peso que se dá à variável religiosa não necessariamente corresponde à cartografia eleitoral.

A retração de cinco pontos entre os evangélicos pode ser considerada uma redução significativa, uma vez que os indicadores da popularidade de Bolsonaro ficaram praticamente estáveis de julho para cá.

Em outros segmentos numerosos da sociedade, só houve quedas maiores ou semelhantes em faixas como os mais pobres (-4 pontos), pessoas que têm apenas o ensino fundamental completo (-6) e nas regiões Norte e Centro-Oeste (-11).

Uma das possíveis explicações para a variação é o fato de que, até agora, o eleitorado evangélico se comportou como um bolsão de apoio ao presidente, com avaliações mais generosas do que a dos demais segmentos.

Bolsonaro tinha gordura para queimar nesse eleitorado. Desta vez, enquanto os índices do presidente entre os católicos se estabilizaram no que parece ser um piso na faixa dos 20%, ainda há margem para que o segmento evangélico sinta os impactos de fatores negativos como inflação, desemprego e a pandemia.

Apesar da queda, os evangélicos ainda estão entre os blocos sociodemográficos que têm uma visão mais favorável do presidente. Têm a companhia dos brasileiros com renda superior a cinco salários mínimos (35% de aprovação) e os moradores da região Sul (28%).

"O Brasil não se tornou mais conservador porque se tornou mais evangélico", diz a antropóloga Lívia Reis, do Iser (Instituto de Estudos da Religião). "Não é razoável pensar que 30% da população que se identifica como evangélica flerte com o autoritarismo. Religião, no fim das contas, é apenas mais uma variável, ainda que importantíssima, da vida social das pessoas, mas não é a única."

Não é ostentando a carteirinha do clube conservador que Bolsonaro vai fidelizar esse eleitor, segundo Reis. Evangélicos, que ainda são em sua maioria a população mais pobre desse país e que em algum momento fizeram parte da famigerada classe C, tiveram uma piora significativa nas condições de vida no segundo governo da Dilma, "e isso é inegável", ela afirma.

"O que eles não poderiam imaginar é que essa crise poderia se aprofundar ainda mais como estão vendo acontecer agora. Evangélicos são pessoas comuns que também querem comer, ter um emprego (formal), custo de vida menor, direitos sociais assegurados. Não é isso que está acontecendo, mas o contrário."

O fato de Lula ainda não ter conseguido capitalizar com a liquefação bolsonarista nessa faixa cristã sinaliza que o petista pode ter voltado algumas casas e se reaproximado da imagem demonizada que possuía em 1989. Naquele pleito, o bispo Edir Macedo comandou uma vigília em prol de Fernando Collor na qual fiéis cantavam "o diabo na corda bamba, vamos collorir, vamos collorir".

Nos anos 2000, o petista foi bem-sucedido em desfazer essa birra com boa parte dos megapastores do país, e Dilma Rousseff herdou parte desse legado.

A última década, no entanto, trouxe novos elementos à mesa. A emergência das pautas identitárias é um deles. Movimentos como o negro, o feminista e o LGBTQI+ não nasceram ontem, claro. Mas sua atuação na arena pública ganhou relevo inédito. O ricochete conservador foi uma consequência natural desse fenômeno, e Bolsonaro soube tirar proveito disso como poucos.

Só de bater o olho no mais recente editorial da Folha Universal, jornal da igreja do bispo Macedo, já é possível ter um vislumbre da força que esse discurso tem: "A verdade sobre o feminismo atual que não querem que você saiba". Spoiler: estamos lidando com um "grupo rancoroso que parece fazer de tudo para destruir o que há de bonito nas mulheres".

O atual presidente também teve êxito ao conjurar um mofado anticomunismo e fazer dele o feijão do arroz antipetista. A aliança com pastores é crucial para propagar a ideia de que, com a esquerda no poder, a liberdade religiosa e a família tradicional estão a perigo. Deus os livre.

Para Reis, "é evidente que qualquer pauta moral se torna secundária se as pessoas não vivem com dignidade". Quando Lula se mostra disposto a priorizar a economia na batalha eleitoral que o aguarda, é porque vê aí o calcanhar-de-Aquiles do bolsonarismo.

Nas eleições municipais de 2020, a pauta moral apareceu de forma incidental nas campanhas de políticos com identidade religiosa monitorados pelo Iser em oito capitais, segundo a antropóloga do instituto. Ela aposta que, em 2022, esse percentual será ainda menor.

"Vivendo no Rio de Janeiro que elegeu Eduardo Paes logo após quatro sofridos anos de governo Marcelo Crivella", diz sobre o sobrinho de Edir Macedo que perdeu a reeleição, "arriscaria dizer que a pauta moral não fará diferença alguma para definição do chefe do Executivo nacional nas próximas eleições".