Gastronomia

Carne de bode é sabor do Sertão. Conheça mais sobre essa iguaria do Nordeste

Símbolo de resistência sertaneja, a carne de bode é produto de baixa caloria e alto valor gastronômico

Coxão de bode, do Entre Amigos, é campeão de vendas - Foto: Ed Machado/Folha de Pernambuco

Há dias, a carne de bode virou protagonista. Mas não do jeito que o público nordestino gostaria. Em meio a uma fala da jornalista Ana Paula Padrão, viralizada nas redes socias, comentários na internet mostraram o persistente conflito entre hábitos culturais, preferências gastronômicas e desconhecimento socioeconômico da região que mais consome o animal em questão.   

A carne é preparada por "pessoas que possuem pouco", disse a apresentadora, em um dos episódios do Masterchef Brasil, da TV Bandeirantes. Depois da repercussão, ela foi à público pedir desculpas pelo trecho editado no programa. Mas passada a situação, ainda pode surgir quem pergunte: “de onde vem a força de um prato tão regional?”  
 
Identidade sertaneja

Se há um animal símbolo de resistência, esse é o bode. Adapta-se às condições nada favoráveis do semiárido nordestino, permitindo a criação de rebanhos que enfrentam calor, ocupam menos espaço e demandam poucos cuidados de pasto. Segundo a gastrônoma e mestra em Consumo, Cotidiano e Desenvolvimento Social, Roneide Gonzaga, o bicho integra um sistema alimentar que envolve distribuição, processamento e consumo mais acessível. “É um bem culinário gastronômico na região sertaneja. Principalmente em Petrolina, onde temos um aparato turístico enorme que se chama Bodódromo, com diversos estabelecimentos comercializando a carne”, detalha.

Não à toa, em 2019 a manta caprina e ovina se tornou Patrimônio Cultural Imaterial de Petrolina, no Sertão de Pernambuco. Essa é uma técnica de corte, salga e secagem da carcaça dos animais, amadurecida há várias gerações. O resultado final é uma carne macia, típica nas cidades do Vale do São Francisco.


Preferência regional

Mas tanta força simbólica também trouxe efeitos negativos ao próprio bicho, então associado à escassez. “Até mesmo aqui em Petrolina, há quem não consuma por considerar produto inferior, potencializando pensamentos de outras esferas e localidades”, explica Roneide Gonzaga, explicando ainda que o não avanço para o Sudeste também esbarra nas práticas alimentares e seus consumos distintos.

Segundo o consultor em Agronegócio da Caprino-Ovinocultura, Clóvis Guimarães Filho, a carne de cabrito - cria do bode com a cabra - oferece várias vantagens nutricionais, se comparada a outras proteínas. "Baixíssimos teores de caloria, gordura e colesterol, além da alta digestibilidade e os elevados níveis de proteína e ferro”, disse em um dos seus artigos. Ainda no texto, ele defende que um estudo da Universidade Federal do Paraná comprova que esses benefícios tornam o produto recomendável para celíacos e diabéticos.


Força gastronômica

Com 27 anos de mercado, o restaurante Entre Amigos, no Recife, chegou a bater o recorde de quatro toneladas de carne de bode vendidas em um mês. A preferência do público é pela versão assada, como a carne de sol e o coxão de bode (foto da capa).  No mercado, é fácil encontrar preparos na brasa ou guisado com bastante molho. O chef Claudemir Barros explica que a carne tende a ser mais rígida por conta do enrijecimento do músculo na movimentação do animal. “Mas isso se resolve com cocção lenta e fogo moderado, assim como o odor característico, cozinhando com panela aberta. Quando a gente usa a tampa, a tendência é o odor ficar”, explica o chef.

O cheiro em questão tem motivo. Nas pernas do bode existem glândulas, que, se tiradas da maneira errada, provocarão um odor parecido com urina. “Além disso, o macho mais velho tende a mijar na própria carne, entranhando o cheiro, mesmo sem a glândula”, finaliza Claudemir.