Investigação

Quebra de sigilo de ex-mulher de Bolsonaro atinge período de casamento com presidente

Investigação apura as supostas rachadinhas no gabinete do vereador Carlos Bolsonaro

Ana Cristina Valle, ex-mulher de Bolsonaro - Reprodução/Facebook

A quebra de sigilo bancário e fiscal da assessora parlamentar Ana Cristina Siqueira Valle em meio à investigação sobre "rachadinha" no gabinete do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) atinge o período em que ela esteve casada com o presidente Jair Bolsonaro.


A Justiça autorizou ao Ministério Público do Rio de Janeiro acesso aos dados bancários de Ana Cristina de maio de 2005 a maio de 2021. Ela e o presidente se divorciaram em junho de 2008.

Bolsonaro e Ana Cristina tiveram um divórcio litigioso com acusação de furto e relato de patrimônio não-declarado do casal a partir de outubro de 2007.

Nos anos em que os dois estavam casados abrangidos pela decisão, eles também compraram cinco terrenos, uma sala comercial em Resende e uma casa em Bento Ribeiro, zona norte do Rio de Janeiro.

Em duas transações há indícios de uso de dinheiro vivo, modelo de operação apontado como forma de lavagem de dinheiro na denúncia contra o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ).

As transações são mencionadas pela Promotoria no pedido de quebra de sigilo bancário e fiscal de Ana Cristina e demais investigados. O MP-RJ afirma que há suspeita de lavagem de dinheiro nas operações, em razão do possível uso de dinheiro vivo.

Contudo, diferentemente do que houve na investigação contra Flávio, não houve pedido de quebra de sigilo das pessoas ou empresas que participaram das operações imobiliárias de Ana Cristina. Tal medida envolveria o presidente e poderia levar a apuração para a Procuradoria-Geral da República.

A assessora parlamentar é investigada pelo MP-RJ sob suspeita de ser a operadora financeira do esquema de "rachadinha" no gabinete de Carlos na Câmara Municipal. Ela foi chefe de gabinete do filho do presidente entre 2001 e 2008, além de ter mantido sete parentes nomeados no local até 2018.

Atualmente, ela trabalha como assessora da deputada federal Celina Leão (PP-DF).

A suspeita dos promotores é a de que o vereador mantinha em seu gabinete um esquema semelhante ao atribuído ao senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), pelo qual foi denunciado sob acusação de liderar uma organização criminosa, lavagem de dinheiro, peculato e apropriação indébita.

O advogado Antônio Carlos Fonseca, que defende o vereador, disse que não poderia comentar o processo em razão do sigilo determinado pela Justiça. A defesa de Ana Cristina não se pronunciou sobre o caso.

Ana Cristina, o vereador, outras 25 pessoas e sete empresas tiveram os sigilos bancário e fiscal autorizadas pela Justiça. O MP-RJ limitou o pedido de acesso aos dados em até 16 anos, considerado pelos promotores e a Justiça como o prazo prescricional dos crimes investigados.

O período engloba a rumorosa partilha de bens do antigo casal. Em outubro de 2007, Ana Cristina acusou Bolsonaro de ter furtado pertences de um cofre particular que mantinha no Banco do Brasil.

Ela declarou à polícia em 2007, quando notou um arrombamento do cofre, que havia no local R$ 200 mil e US$ 30 mil em espécie, além de joias avaliadas em R$ 600 mil. Até abril de 2008, ela era chefe de gabinete de Carlos na Câmara Municipal.

No processo de separação, revelado pela revista Veja em outubro de 2018, Ana Cristina disse que a renda mensal do deputado na época chegava a R$ 100 mil.

Para tal, Bolsonaro recebia "outros proventos" além do salário de parlamentar -à época, de R$ 26,7 mil como parlamentar e outros R$ 8.600 como militar da reserva. Ela não especificou quais seriam as fontes extras.

Antes da briga, Ana Cristina e Bolsonaro mantiveram uma intensa atividade imobiliária. Eles compraram imóveis no Rio de Janeiro e em Resende que somavam à época R$ 280 mil.

As escrituras de duas das quatro transações afirmam que o pagamento foi realizado "em moeda corrente do país", expressão habitualmente usada para descrever uso de recursos em espécie. Reportagem da revista Época do ano passado afirmou que foi usado dinheiro vivo nas operações.

Um relatório do Coaf identificou movimentação de dinheiro vivo considerada atípica nas contas da assessora parlamentar, o que reforça a suspeita, na avaliação dos promotores.

Nove pessoas ligadas a Ana Cristina foram alvo da quebra de sigilo bancário e fiscal solicitado pelo MP-RJ -sete parentes, uma sócia e a filha da parceira comercial.

A suspeita é que a ex-mulher de Bolsonaro desempenhasse um papel semelhante ao atribuído a Fabrício Queiroz como suposto operador da "rachadinha" no antigo gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa.

O gabinete de Carlos teve nos últimos 20 anos ao menos sete parentes de Ana Cristina como funcionários. O cadastro de quatro deles na Receita Federal ou na Câmara Municipal tinha como endereço a casa em que o presidente Jair Bolsonaro vivia com a ex-mulher na Barra da Tijuca.

A ex-mulher de Bolsonaro também está na mira da CPI da Covid. Ela foi convocada a explicar sua relação com o lobista Marconny Albernaz de Faria e as mensagens que mostram indicações para cargos no governo