Como vou confiar no médico para tratar minha mãe?, pergunta filha de segurada da Prevent Senior
A empresa com 550 mil clientes e 13 mil funcionários é acusada, entre outros pontos, de fraudar atestados de óbito e usar pacientes como cobaias
O exame de Covid-19 não estava pronto, mas o chamado "kit Covid" já havia sido entregue à tia da professora universitária Priscila Tuna Quintal, 36. Ela procurou um hospital da Prevent Senior com os primeiros sintomas da doença em junho de 2020.
Antes de o resultado do teste específico para a doença sair, uma tomografia do pulmão indicou que ela estaria infectada com o coronavírus -assim, o médico prescreveu o tratamento com remédios como a hidroxicloroquina.
Quando a família indagou se os medicamentos não seriam contraindicados, pois ela tinha problemas cardíacos, ouviu do médico que a decisão de tomá-los era da paciente. Com medo da doença, a tia de Quintal iniciou o uso dos remédios.
Nos dias que se seguiram, o quadro evoluiu. Ela começou a apresentar febre alta, dores no corpo e foi internada. Na UTI, uma nova piora. Ao ser intubada, teve uma parada cardíaca e morreu.
Quintal é uma das familiares que relatam sentir medo em manter os parentes na Prevent Senior -a empresa, que tem 550 mil clientes e 13 mil funcionários, é acusada, entre outros pontos, de fraudar atestados de óbito e usar pacientes como cobaias para estudos com remédios sem eficácia contra a Covid-19.
Porém, a maioria não vê outra solução além de permanecer na operadora de saúde, já que os outros convênios têm um custo mais elevado que a empresa investigada na CPI da Covid.
No caso da professora universitária, além da tia que morreu, sua mãe é segurada da Prevent Senior. "Hoje me sinto refém do convênio", diz ela, que optou pelo plano por ser um dos mais acessíveis, mas afirma não confiar na empresa. "Com que tranquilidade eu vou confiar no médico quando ele propuser algum tratamento para a minha mãe?"
Ela afirma que, apesar de sua família saber na época que os medicamentos não tinham comprovação científica contra o coronavírus, o sentimento de desespero diante o quadro de saúde da tia falou mais alto -e a sensação era de que não tinham outras opções.
"Ficamos em uma situação muito vulnerável, não sabíamos como lidar. Tinha toda uma pressão para que ela tomasse o remédio, e a gente está ali no calor da situação", relembra Quintal.
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o fundador da empresa Fernando Parrillo afirmou que o estudo feito pela Prevent não prova que a hidroxicloroquina ajude no tratamento da Covid, mas disse que a empresa respeita a "autonomia médica". "Cada profissional receita o que considerar melhor para o seu paciente".
A Prevent Senior está na mira dos senadores na CPI da Covid, que receberam um dossiê assinado por 15 médicos sobre as supostas irregularidades. Além disso, também é investigada pelo Ministério Público, que instaurou dois inquéritos.
Um deles apura se a aplicação de remédios sem eficácia comprovada contra a Covid em clientes da operadora que morreram configura um crime de homicídio. Já o segundo investiga se houve danos morais coletivos da companhia ao pressionar médicos conveniados a entregarem o chamado "kit covid" de forma irregular.
A empresa nega as acusações, diz ser vítima de uma armação e quer que a PGR (Procuradoria-Geral da República) investigue o caso.
Na família de Gustavo, que teve o nome alterado a pedido, três pessoas receberam a receita do kit antes mesmo de testarem positivo para a doença: sua mãe, seu pai e sua tia. Nenhum deles tomou os remédios, porque foram desaconselhados por seus parentes.
Mesmo depois dessa experiência, todos eles seguem no plano, mas Gustavo avalia que, cada vez mais, será necessário ouvir uma segunda opinião médica.
"Paira uma dúvida sobre a índole de quem está te atendendo. E, claro, se eu descobrir que quem me atendeu ou atende meus pais é pró-cloroquina já era, vou em busca de outro médico", diz.
Em meados de 2020, Gabriela, que também teve o nome alterado a pedido, relata que sua avó começou a apresentar sintomas como tosse seca e gripe. Durante um atendimento com uma enfermeira, via telemedicina, o "kit Covid" foi oferecido e, após a recusa, ela insistiu e disse que o medicamento poderia ser entregue por um motoboy.
A família pediu, durante a consulta, para realizar o exame e, dias depois, o resultado veio negativo. "Me deixou chocada, hoje fico com pé atrás [em relação ao plano de saúde] e até comentei que seria interessante trocar de convênio, mas, avaliando num geral, não vale muito a pena por questões de carência de plano", explica a neta.
Uma situação semelhante aconteceu com a avó do assistente de imigração Pedro Nóbrega, 25. No início de setembro deste ano, ela foi fazer alguns exames de rotina e, como estava com dores nas costas, pediu para fazer também um teste de Covid-19.
Quando o resultado veio positivo, atendentes da Prevent Senior entraram em contato para enviar remédios, como azitromicina, antibiótico que também, segundo estudos, não tem benefício comprovado para a Covid-19.
"Quando questionei a atendente o porquê da receita com essa medicação, a resposta foi que não tinha nada a ver com política. Disse também que era opcional, que o paciente deveria tomar se quisesse. Isso não me parece uma posição de uma empresa. Não fizeram consulta com a minha avó para indicar os medicamentos, não fizeram nada", diz ele.
Nóbrega conta que, quando a operadora de saúde apareceu como alvo da série de denúncias na CPI, ele se sentiu mal. "Fiquei irritado. Já sabia que era um absurdo, mas vi que era muito maior do que eu imaginava."
A avó, que se recuperou rapidamente da Covid-19, deve continuar no plano, mas ele afirma que a confiança está abalada. "Ficamos desconfiados quanto ao compromisso deles com a saúde dos clientes", diz.