'A médica estava constrangida, mas disse que Kit Covid é o protocolo da Prevent', relata jornalista
Renata Retamero Alves, de 33 anos, afirma que médicos prescreveram tratamento precoce mesmo sem o resultado positivo para a doença
Era 16 de março passado, quando um quadro de dor abdominal e inflamação na garganta levou a jornalista Renata Retamero Alves, de 33 anos, ao hospital Sancta Maggiore, da rede Prevent Senior, no Tatuapé. Mesmo sem o resultado do teste positivo para o coronavírus, Renata deixou a unidade com a prescrição do chamado kit Covid-19.
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A receita médica, a que o GLOBO teve acesso, orienta a jornalista a tomar dois comprimidos diários de hidroxicloroquina associada à invermectina e azitromicina.
Segundo Renata, ela questionou a médica sobre estudos que mostravam a ineficácia daqueles medicamentos, mas recebeu como resposta que o protocolo na Prevent Senior era o tratamento precoce, embora a médica tenha dito reservadamente que também discordava da conduta. Ainda de acordo com o relato da jornalista, a profissional teria orientado então verbalmente que a paciente tomasse apenas prednisona, um corticóide cuja eficácia contra a doença é efetiva.
Naquele dia, Renata foi submetida a um teste PCR para a doença, mas o exame só ficou pronto em 20 de março, quando o resultado deu negativo para a Covid-19.
— A médica estava visivelmente constrangida por ter que me passar o kit. Mas disse que é protocolo do convênio e que tinha de passar para todo mundo. Que se eu não quisesse, era para não tomar mesmo. Fiquei revoltada e não tomei — relata Renata.
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Segundo a jornalista, aquela não foi a primeira vez que ela havia recebido o Kit Covid nas unidades da Prevent. Um ano antes, ainda em março de 2020, ela afirma chegou a ficar internada no hospital da Prevent, no bairro de Santa Cecília, na região central da capital paulista. Lá, fez uma tomografia que apresentava comprometimento dos pulmões em 50%, o que os médicos entenderam como compatível com Covid-19 e sugeriram o tratamento precoce:
— Como naquela época não havia estudo sobre a ineficácia desses medicamentos, eu aceitei tomar porque era a única esperança. Mas a minha mãe precisou assinar um termo de responsabilidade isentando a Prevent e os médicos de qualquer responsabilidade — afirma a jornalista, que acabou evoluindo bem e recebeu alta após alguns dias de internação.
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A Prevent Senior entrou nos holofotes da CPI após uma reportagem da Globonews revelar que a empresa ocultou mortes de pacientes que participaram de um estudo realizado para testar a eficácia da hidroxicloroquina para tratamento de Covid-19. A pesquisa foi apoiada pelo presidente Jair Bolsonaro e usada por outros defensores do tratamento precoce para justificar a prescrição do medicamento, cuja eficácia no combate ao coronavírus não tem comprovação científica. O dossiê revelou que pacientes da Prevent Senior sequer sabiam que estavam fazendo parte de um estudo clínico com hidroxicloroquina.
Na quinta-feira, o Ministério Público de São Paulo decidiu criar uma força-tarefa com cinco promotores para a apuração das denúncias contra a operadora de saúde.
A Prevent nega as acusações e tem dito que as denúncias de médicos e ex-funcionários são falsas.