Vacina

Documentos mostram que compra da Covaxin foi feita sem garantias

Em operação na sede da Precisa, PF descobriu que empresa intermediária não tinha contrato com laboratório indiano

Vacina Covaxin contra a Covid-19 - Norberto Duarte/AFP

A compra de 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin foi fechada pelo governo brasileiro sem um contrato formal entre a Precisa Medicamentos e o laboratório indiano Bharat Biotech, comprovam documentos obtidos em busca e apreensão ontem na sede da empresa brasileira. A operação realizada pela Polícia Federal ocorreu por determinação da CPI da Covid.

A informação foi divulgada pelo “Jornal Nacional”. Nos materiais apreendidos pela PF, foi encontrado apenas um rascunho de um contrato de distribuição da vacina. A comissão prevista inicialmente para a Precisa era ficar com US$ 2,25 dos US$ 15 que custavam cada dose do imunizante. Ou seja, a intermediária receberia R$ 240 milhões do R$ 1,6 bilhão que o Ministério da Saúde se comprometeu a pagar.

Depois, porém, segundo a minuta a que a reportagem teve acesso, a comissão foi corrigida para US$ 1,50, num modelo em que a porcentagem seria calculada após a dedução dos gastos em transporte e logística de entrega das vacinas. Nesse molde, a Precisa receberia R$ 160 milhões pelo total da compra.

O contrato não foi assinado e sua data estava em branco. Ele seria firmado entre a Precisa e duas empresas que representam a Bharat em offshores: a Madison Biotech, em Cingapura, e a Envixia, nos Emirados Árabes Unidos. A Envixia ficaria com uma comissão definida em US$ 1 por dose na última versão da minuta.

O contrato com o governo federal, assinado no fim de fevereiro, foi rompido após o caso entrar na mira da CPI. A comissão recebeu denúncias de que houve pressão no Ministério da Saúde para agilizar a importação da vacina, um pedido de pagamento antecipado para uma offshore nos Emirados Árabes e documentos fraudados no processo.

A operação de aquisição do imunizante indiano, que seria fornecido para o Ministério da Saúde, foi feita por meio da Envixia, localizada num paraíso fiscal de Dubai e administrada por um executivo indiano investigado por suposta venda de testes falsos, Anudesh Goyal. A Precisa tem um contrato diretamente com essa empresa firmado em novembro de 2020, conforme revelou O GLOBO.

Há mais de dois meses, a CPI da Covid solicitou à Precisa que enviasse o contrato de compra da Covaxin. Nos documentos enviados pela empresa à comissão foi remetido apenas um memorando de entendimento firmado entre Bharat, Precisa e Envixia, que não estabelecia as condições de pagamento pelas vacinas.

Os documentos apreendidos na sede da Precisa mostram que a minuta foi discutida em março de 2021, após a assinatura do contrato com o Ministério da Saúde, em 25 de fevereiro. Segundo fontes da empresa ouvidas pelo GLOBO, a comissão que a Precisa receberia variava de acordo com a quantidade de doses que conseguiria vender ao governo brasileiro e, por isso, não foi firmado antes um contrato de distribuição.

O contrato assinado pela Envixia estabelece que a Precisa Medicamentos receberia a sua comissão após o pagamento integral pelo Ministério da Saúde. O acordo também previa um pagamento antecipado de US$ 1 milhão da Precisa à Envixia, o que, segundo pessoas que acompanharam a negociação, não chegou a ocorrer porque a Precisa pediu que o dinheiro fosse desembolsado diretamente ao laboratório indiano Bharat.

O processo de contratação no Ministério da Saúde, a que O GLOBO teve acesso, mostra que esse foi o único contrato apresentado ao governo brasileiro, sem haver um acordo especificando o número de doses e como seria a distribuição da comissão entre as partes.

Procurada, a defesa da Precisa Medicamentos afirmou que “o fato de a CPI não ter localizado supostos documentos só mostra que a Precisa falou a verdade, que não havia outro contrato e que a busca feita pela CPI foi abusiva e ilegal. Todo o processo de contratação com o MS foi legal e atendeu a critérios rigorosos de integridade e interesse público”.