Lira retoma articulação por PEC que institui semipresidencialismo a partir das eleições de 2026
Modelo é uma espécie de parlamentarismo em que o presidente da República conserva um pouco mais de poder nas mãos
Presidente da Câmara, o deputado Arthur Lira (PP-AL) retomou a articulação pela PEC (proposta de emenda à Constituição) do semipresidencialismo. Se aprovado, o modelo valeria a partir das eleições de 2026.
Mesmo sem consenso no Congresso sobre o tema, a coleta de assinaturas está sendo feita pelo líder do PP na Casa, deputado Cacá Leão (BA), e pelo autor da proposta, Samuel Moreira (PSDB-SP). São necessárias ao menos 171 assinaturas para o texto começar a tramitar.
O semipresidencialismo é defendido pelo ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), e pelo ex-presidente Michel Temer (MDB).
A expectativa é que a articulação ganhe força após 2 de outubro. Isso porque nesta semana o foco estará na promulgação da PEC da reforma eleitoral, prevista para esta terça-feira (28).
A busca por assinaturas conta com apoio de Lira. O presidente da Câmara já havia abordado a mudança do sistema presidencialista para o semipresidencialista em entrevista à CNN Brasil em 10 de julho.
"Eu não estou defendendo o semipresidencialismo. Estou dizendo e afirmando que, se for o caso, é muito menos danoso que um primeiro-ministro, que é eleito pelo Congresso e tem que ter base de sustentação em ordem, caia do que caia o presidente todo mandato."
O semipresidencialismo seria uma maneira menos traumática de promover mudanças em um governo que não está funcionando, afirmam os defensores.
O modelo é uma espécie de parlamentarismo em que o presidente da República conserva um pouco mais de poder nas mãos em relação ao parlamentarismo tradicional e menos do que no presidencialismo atual.
Desde a redemocratização foram dois processos de impeachment no Brasil: o de Fernando Collor de Mello e o de Dilma Rousseff. Contra Jair Bolsonaro há cerca de 130 pedidos à espera da análise de Lira.
O próprio presidente da Câmara diz publicamente que o modelo é uma forma de "estabilizar mais o processo político dentro do Congresso Nacional". Essa é a mesma avaliação do deputado Marcos Pereira (SP), presidente do Republicanos.
"Em um país em que a Constituição é parlamentarista e o presidencialismo está em constante crise, o semipresidencialismo pode ser a solução", disse à reportagem.
Eleito pelo voto direto, o presidente é o chefe de Estado, comandante supremo das Forças Armadas e tem o poder de dissolver a Câmara em caso de grave crise política e institucional, convocando novas eleições em 60 dias.
O presidente é o responsável por indicar o primeiro-ministro, que é quem governará, de fato, com o conselho de ministros. O plano de governo deve ser aprovado pelo Congresso. Em caso de crise, o gabinete cai, e o primeiro-ministro é substituído caso perca apoio.
A articulação que está em curso prevê que o modelo valeria a partir das eleições de 2026, sendo instituído de fato na legislatura que se iniciará em 2027.
Segundo a minuta da PEC, o primeiro-ministro será escolhido preferencialmente entre os membros do Congresso, por voto da maioria absoluta dos parlamentares.
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo em julho, Moreira sinalizou que não necessariamente isso precisa acontecer. "Pode ser um parente do presidente que exerce atividade política. Isso não é considerado nepotismo para cargo político", disse.
A minuta traz ainda algumas mudanças importantes. O advogado-geral da União passaria a ser nomeado pelo primeiro-ministro, em vez de ser nomeado pelo presidente.
O chefe do governo também indicaria ministros de Estado e pediria a exoneração deles. A nomeação, porém, caberia ao presidente da República.
O texto prevê a criação do cargo de ministro-coordenador, que faria as vezes de primeiro-ministro durante o presidencialismo até que o novo sistema seja de fato implementado.
Neste caso, políticos defensores da PEC apontaram à reportagem dois nomes de fora do Parlamento com força política para o cargo: Temer e o ex-ministro da Defesa Nelson Jobim, que também integrou o STF.
A PEC, porém, enfrenta resistência no Congresso. A oposição, por exemplo, rejeita discutir a implementação do modelo a partir das eleições de 2026 sem que haja, pelo menos, um plebiscito.
"Não faz sentido tirar dos brasileiros o direito de tomar uma decisão que a Constituição de 1988 colocou nas mãos do próprio povo e que já foi tomada em 1993", afirmou o líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ).
"Naquela ocasião, o povo escolheu o presidencialismo. Fazer uma mudança para o semipresencialismo no Congresso sem um novo plebiscito e um ano antes da eleição seria casuístico e inconstitucional", disse.
O presidente do DEM, ACM Neto (BA), é contra o sistema e disse que o modelo já foi debatido pela população e rejeitado. "Esse assunto não passa", afirmou.
De acordo com ACM Neto, o presidencialismo foi uma escolha da população em plebiscito realizado em 1993.
Líderes de partidos de centro também avaliam que não é o momento de retomar esse debate.
"Não vejo esse assunto suscitar interesse na Câmara hoje", afirmou o líder do PSC na Casa, Aluisio Mendes (MA). "Qualquer mudança nesse sentido só terá alguma viabilidade após as eleições de 2022."
A decisão de rediscutir a adoção do modelo foi articulada por integrantes da cúpula do Judiciário e do Legislativo como meio de encontrar uma saída para crise entre os Poderes e em meio ao aumento da pressão pelo impeachment de Bolsonaro. Após o 7 de Setembro, em que o presidente endossou atos de caráter golpista e atacou o STF, partidos de centro passaram a defender o afastamento do mandatário.
O movimento cessou após Bolsonaro, sob orientação de Temer, divulgar a "Declaração à Nação", uma nota retórica em que retirou os ataques ao Supremo e acenou com trégua aos Poderes.
Mesmo assim, diante da desconfiança a respeito do prazo que durará a moderação encampada por Bolsonaro, políticos resolveram resgatar o tema.
Além de Gilmar, outros ministros do STF defendem o semipresidencialismo. Em evento realizado em agosto, o presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministro Luís Roberto Barroso, fez a defesa do modelo, ainda que não para a eleição de 2022 e sim mais para frente.
Na avaliação de Barroso, o sistema permite a troca do governo sem abalar a estabilidade institucional, enquanto no presidencialismo "a crise é prolongada sem alternativa institucional para encerrá-la".
Na mesma ocasião, Temer disse que acharia bom inclusive se o semipresidencialismo fosse adotado já em 2022. "Essa legislatura poderia discutir o tema. Quando o Congresso quer, ele vota. Se o semipresidencialismo fosse aplicado em 2022, eu acharia ótimo, quanto antes aplicar melhor."
Temer argumentou que o presidencialismo é fonte de instabilidade e "está roto e esfarrapado". Como exemplo de instabilidade, o ex-presidente citou os pedidos de impeachment -e dois processo no período democrático recente, fazendo a ponderação de que um deles o levou ao poder.