Justiça

Ex-secretária de campo de concentração, 96 anos, foge antes do julgamento

Irmgard Furchner seria julgada por cumplicidade no assassinato de mais de 10 mil pessoas.  

Julgamento de Irmgard Furchner - Markus Schreiber/POOL/AFP

Uma ex-secretária de um campo de concentração nazista, de 96 anos de idade, fugiu antes do início de seu julgamento nesta quinta-feira (30) na Alemanha. Ela seria julgada por cumplicidade no assassinato de mais de 10 mil pessoas.  

"A acusada fugiu e uma ordem de detenção foi emitida", anunciou o presidente do tribunal, 20 minutos após o horário previsto para o início do julgamento na cidade de Itzehoe, norte da Alemanha.

"Abandonou seu lar (para pessoas da terceira idade) esta manhã. Pegou um táxi", informou a porta-voz do tribunal, Frederike Milhoffer.

Seu advogado, Wolf Molkentin, estava presente na corte, mas não fez nenhuma declaração.

Irmgard Furchner, que no momento dos crimes atribuídos a ela tinha entre 18 e 19 anos, seria a primeira mulher envolvida com o nazismo julgada em várias décadas no país.

O processo aconteceria antes do julgamento de um ex-guarda, de 100 anos, do campo de concentração nazista de Sachsenhausen, perto de Berlim, que começará na próxima semana.

A Alemanha, que por muito tempo hesitou em procurar seus criminosos de guerra, nunca havia julgado ex-nazistas tão idosos.

O julgamento de Furchner aconteceria às vésperas do 75º aniversário da condenação à morte por enforcamento em Nuremberg de 12 dos principais dirigentes do Terceiro Reich.

A acusação afirma que a nonagenária participou no assassinato de detentos no campo de concentração de Stutthof, na atual Polônia, onde ela trabalhava como datilógrafa e secretária do comandante do campo, Paul Werner Hoppe, entre junho de 1943 e abril de 1945.

Quase 65 mil pessoas morreram no campo, perto da cidade de Gdansk, incluindo "prisioneiros judeus, guerrilheiros poloneses e prisioneiros de guerra russos soviéticos", segundo a Promotoria.

Ordens de execução

O advogado Christoph Rückel, que representa há vários anos os sobreviventes da Shoah, afirma que "ela foi responsável por toda a correspondência do comandante do campo".

"Também digitou as ordens de execução e deportação e colocou suas iniciais", declarou à emissora regional pública NDR. 

Após um longo procedimento, a justiça considerou em fevereiro que a idosa estava apta para comparecer a julgamento, apesar da idade avançada. Mas as audiências deveriam durar poucas horas a cada dia.

Setenta e seis anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, a justiça alemã continua procurando ex-criminosos nazistas ainda vivos. 

Diferentes promotores alemães estão examinando atualmente oito casos que envolvem em particular ex-funcionários dos campos de Buchenwald e Ravensbrück, informou à AFP o Escritório Central para o Esclarecimento de Crimes do Nacional-Socialismo.

Morte de suspeitos

Nos últimos anos, vários processos foram abandonados pela morte dos suspeitos ou sua incapacidade física para comparecer aos tribunais.

Apesar de a Alemanha ter condenado na última década quatro ex-guardas ou funcionários dos campos nazistas de Sobibor, Auschwitz e Stutthof, o país julgou poucas mulheres envolvidas com o regime nazista, segundo os historiadores. 

A justiça examinou os casos de pelo menos três funcionárias de campos nazista, especialmente outra secretária que trabalhava em Stutthof, mas ela faleceu no ano passado antes da conclusão do processo.

O MP de Neuruppin, perto de Berlim, examina atualmente o caso de uma mulher que trabalhou no campo de Ravensbrück, segundo a sede central de Ludwigsbourg.

Quase 4.000 mulheres trabalharam como guardas nos campos de concentração, segundo os historiadores, mas poucas foram julgadas após a guerra.

Entre as que responderam por crimes cometidos durante o Terceiro Reich está a guarda do campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau Maria Mandl, conhecida como "a fera", que foi enforcada em 1948 após sua condenação à morte por um tribunal da Cracóvia.

Entre 1946 e 1948, em Hamburgo, 38 pessoas, incluindo 21 mulheres, compareceram a audiências com juízes militares britânicos por terem trabalhado no campo de concentração de Ravensbrück, especialmente reservado a mulheres.

A jurisprudência estabelecida pela condenação em 2011 de John Demjanjuk, um guarda do campo de Sobibor em 1943, a cinco anos de prisão, permite agora processar por cumplicidade em dezenas de milhares de assassinatos qualquer auxiliar de campo de concentração, de um guarda até um contador.