Miró da Muribeca

Miró da Muribeca: "Emociona-me dizer que estou vivo e que vou voltar com a minha poesia"

Internado em uma clínica de reabilitação para alcoolatras, Miró conversou com a Folha de Pernambuco sobre o livro recentemente lançado, alcoolismo, poesia, presente e futuro

Miró da Muribeca, cronista e poeta - Arthur de Souza/Folha de Pernambuco

Antes do horário marcado, o elevador chegou ao primeiro andar da redação da Folha de Pernambuco, no Bairro do Recife. Com um misto de leveza e ansiedade no semblante, Miró sorriu e, de pronto, agradeceu: “Estou tão feliz em falar sobre meu renascimento, olhar alguém nos olhos, conversar. Obrigado por isso”. 

O tanto quanto de imediato recebeu de volta gratidão, pela presença e pelas histórias que ainda seriam contadas. O poeta João Flávio Cordeiro da Silva, o Miró da Muribeca, 61, estava à vontade.

“A casa é sua, há um par de ouvidos abertos do lado de cá. Vamos sentar ali?”. E foi pelo novo livro “O Céu é no 6 Andar” (Claranan) que ele começou a prosa, levada por cafezinhos, confissões e declamações poéticas, típicas de quem faz da arte, essência pulsante da vida. Miró faz. E sem rebuscamento.

                                   "Agora já sei o que fazer, vou me jogar pra dentro de mim para aprender como sair" 
 

HOTEL CENTRAL
Morei por pouco mais de três anos. Era minha ideia de céu, era pra lá que eu ia quando estava sem beber. Da janela via tudo passando. Era um céu para refúgio, inspiração, morte e vida. Às vezes chegava, me ajoelhava e dizia ‘tá bom de álcool’. Autorreflexão.

O CÉU É NO 6º ANDAR
Comecei a escrever o que eu via lá de cima do quarto (do hotel), e do que via na clínica que estava internado. O livro parece comigo, mostra um lado doente e outro sóbrio. Lançá-lo aos 61 anos me deixou muito feliz, porque vivo de vender livros, das oficinas que faço. Desde 1985, com ‘Quem Descobriu o Azul Anil?’ (primeiro livro), vivo disso. 

                                   "Todo mundo só morre no seu dia. E se as folhas do teu calendário voarem antes"?

 

Miró da Muribeca                                                                                                                                         Crédito: Arthur de Souza


ALCOOLISMO
Não posso mais beber. E eu bebia sem comer, isso me fez ter problemas nos pés, fiquei sem andar. Minha mãe dizia que Deus dá três chances para o homem viver, não vou desperdiçar de novo. E vou lhe dizer uma coisa, a maior filosofia da humanidade é a que diz para evitar o primeiro gole. Isso é fatal.

CLÍNICA/ ROTINA 
Sempre tem um cuidador comigo. Faz pouco mais de um mês que estou nesta clínica para alcoólatras - estive em outra antes. Saio duas vezes por semana e aproveito para vender meus livros, visitar lugares. Não saio para me divertir, embora me divirta porque estou vendo pessoas.

Lá escrevo e leio todo dia, Drummond e Ignácio de Loyola Brandão são minhas leituras atuais. Participo de grupos terapêuticos e passo muito tempo deitado, pensando... É quando projeto minhas saídas e penso no futuro. Por falar em futuro, vem biografia por aí, pela Cepe. Penso em uma capa com minha imagem no canto e o título "Ainda Estou Aqui". 

 

Miró da Muribeca                                                                                                                                           Crédito: Arthur de Souza

HOJE É O DIA QUE ESTOU "MIRÓ"
Cadê o Miró que andava livre? Estou lutando, tomando muitos remédios para que em breve eu seja o Miró de sempre. Mas eu preciso lhe dizer, hoje é o dia que estou ‘Miró’, as pernas estão respondendo e me emociona dizer que estou vivo e que vou voltar com a minha poesia.

PANDEMIA E OUTRAS DOENÇAS
Foram 36 dias no hospital (Getúlio Vargas), fiquei sem andar, pesando 35Kg. Tive Covid - doença que penso ter vindo em um momento necessário para a humanidade. Talvez para uma renovação? Mas tive outros problemas também, por causa do alcool. 

                                                     "Olho para esse mundo e fico pensando: os cegos devem sofrer menos".

E SE NO MUNDO NÃO TIVESSE ESPELHO?
Não gosto de me olhar no espelho, prefiro que o espelho seja quem está me olhando. Deixei no ar, na Internet, uma pergunta, "E se no mundo não tivesse espelho?". Talvez a gente estivesse olhando mais um para o outro?

QUERIA TERMINAR DIZENDO UM POEMA...
Acho que foi a primeira vez que conheci a dor. Um domingo de 1971, naquele tempo o domingo era o dia mais feliz, minha mãe fazia um macarrão com carne de lata e Ki-Suco. Ficávamos brincando de mostrar a língua vermelha para provar que éramos felizes e que na nossa casa Ki-Suco não faltava. 
 

                                                                                 "Estou triste com este mundo! Será que existe outro?"