Réveillon e Carnaval poderão ser seguros do ponto de vista sanitário? Veja o que dizem especialistas
Duas das principais festas do calendário se aproximam: Réveillon e Carnaval. Em Pernambuco, os eventos costumam atrair até milhões de pessoas, de forma a fortalecer a economia local, prejudicada há mais de um ano e meio por causa das restrições da pandemia. No entanto, neste período do coronavírus ainda em disseminação, mesmo com a vacinação em andamento e com quase metade da população elegível vacinada com as duas doses ou dose única no Estado, será possível, de fato, ter grandes aglomerações como as vistas nos anos sem Covid-19? As festas poderão ser seguras do ponto de vista sanitário?
Cidades conhecidas por também realizarem festas de Ano-Novo e Carnaval, como São Paulo e Rio de Janeiro, já estudam até mesmo ter esses eventos sem restrições, distanciamento e obrigatoriedade de máscaras. A reportagem da Folha de Pernambuco conversou com especialistas e questionou ao Governo do Estado e cidades pernambucanas pontos ligados aos preparativos.
Para o representante da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) no Comitê Técnico Estadual para Acompanhamento da Vacinação de Pernambuco, Eduardo Jorge da Fonseca, ainda é “prematuro” discutir a possibilidade de realização de grandes eventos, sobretudo no caso do Carnaval, por exemplo, que costuma reunir turistas de todas as partes do Brasil e do mundo.
“Mesmo que a gente continue com essa tranquilidade epidemiológica aparente, acho que o Carnaval precisaria aguardar mais um pouco. Não me sinto seguro que fazer Carnaval em 2022 é uma decisão muito acertada, mesmo considerando a alta cobertura vacinal e que a doença hoje está controlada”, ponderou Fonseca.
A visão dele é corroborada pelo cientista Jones Albuquerque, do Laboratório de Imunopatologia Keizo Asami da Universidade Federal de Pernambuco (Lika/UFPE) e do Instituto para Redução de Riscos e Desastres da Universidade Federal Rural de Pernambuco (IRRD/UFRPE).
“Essas novas variantes [do coronavírus] surgem em ambientes de muita aglomeração, como foi na Índia e no verão europeu. Este ano, não tivemos no verão europeu uma nova variante agressiva porque todos estavam 70%, 80% vacinados. Teve aglomeração, mas estavam muito bem vacinados”, pontuou Jones.
As características próprias dos grandes eventos do Estado, como o Carnaval de rua, que costumam reunir muita gente, são um entrave para esse cenário, de acordo com Jones, uma vez que vários fatores estão atrelados, como ele enumera.
“É precoce [realizar o Carnaval em 2022], mas há uma questão cultural, e a gente não consegue ficar longe; há a imunização, pois a vacina está em queda de efetividade e, por isso, a terceira dose; e o risco de gerar novas variantes. A gente está andando na direção certa, mas não podemos estragar de uma vez”, acrescentou o cientista.
Eduardo Jorge Fonseca reitera que as grandes aglomerações ainda deveriam ser evitadas. “Não acho que seja o momento para pensar no Carnaval devido à característica da festa, em que as pessoas não vão ficar de máscaras, vão se aglomerar muito. Preferia que o Carnaval fosse em 2023, aí, sim, um grande Carnaval”, pediu Eduardo, que reforçou: “No Réveillon, levando em conta que as pessoas não vêm muito de outros estados, até que poderia ocorrer se a gente continuasse assim, com a vacina avançando cada vez mais”.
Prudência é preciso
A médica epidemiologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Ana Brito pede que a prudência seja o norte nas tomadas de decisões. Ela lembra que qualquer aglomeração de pessoas é uma oportunidade para o vírus circular e aumentar a sua carga.
Com as festas de Réveillon e Carnaval a poucos meses, Ana considera evitar grandes aglomerações. “É prudente considerar que não deveria se fazer nenhum estímulo a aglomerações enquanto essa pandemia não fosse interrompida ou que não tivesse níveis muito baixos de circulação do vírus”, alertou Ana Brito, lembrando que o Brasil ainda registra diariamente em torno de 500 mortes por Covid-19 - nessa terça, 677 óbitos foram registrados pelo Ministério da Sáude (MS).
A epidemiologista reitera que não se sabe quando a pandemia deixará de existir e que, apesar do cansaço da população em relação às medidas de restrição e cuidados, não se pode negar que a doença ainda está em curso.
“A certeza não está posta, a gente não sabe quando esse vírus vai cansar, mas a gente sabe quais são as condições que favorecem a intensificação da infecção. Existe um esgotamento, as medidas de confinamento realmente são medidas que desestabilizam do ponto de vista mental. O mundo está cansado, mas não precisamos sair desse cansaço para simplesmente negar que temos uma pandemia”, acrescentou a médica.
Ana Brito afirma não enxergar um ambiente favorável para a realização das grandes festas, uma vez que o Brasil tem menos de 50% de imunizados atualmente - até terça-feira (5), segundo o MS, 95.306.373 pessoas tomaram a segunda dose ou a dose única no País, pouco mais de metade da população elegível.
“Eu, como epidemiologista e médica, me posiciono contrária a qualquer ação, a qualquer movimento no sentido de promoção de grandes aglomerações. Usem máscaras mesmo entre os vacinados, usem máscara! Máscara é uma medida de barreira necessária enquanto houver circulação do vírus”, pediu Ana Brito.
Queda de efetividade das vacinas
De acordo com Jones Albuquerque, o cenário de projeção do Carnaval é especialmente delicado em relação ao controle da doença quando se leva em consideração a questão da queda de efetividade da vacina ao longo do tempo.
“A efetividade da vacina cai a partir do 120º dia e, com essas novas variantes, isso é muito agravado. Por isso que existe uma terceira dose a partir do sexto mês”, disse. Atualmente, Pernambuco autoriza os municípios a aplicarem doses de reforço em idosos com 60 anos e mais, imunossuprimidos e profissionais de saúde.
O cientista cita um estudo publicado na revista científica The Lancet, na última segunda-feira (4), que mostra queda na taxa de eficácia da vacina da Pfizer, por exemplo, ao longo dos meses.
O levantamento destaca que a eficácia do imunizante diminuiu de 88% durante o primeiro mês após a vacinação completa para 47% após cinco meses - daqui para o Carnaval, celebrado em fevereiro de 2022, portanto, a proteção da população como um todo poderá ser menor, a partir da conclusão desse estudo.
Apesar da queda na eficácia para infecções, a pesquisa identificou que, em relação à cepa delta, a taxa de proteção contra internações hospitalares foi alta e se manteve em 93% até seis meses depois da conclusão do ciclo vacinal.
“A pergunta é: A gente vai criar uma nova variante aqui? Porque as aglomerações são enormes. Eu não faria Carnaval, mas o povo vai fazer", comenta, preocupado, e sugere: "Vamos transformar o nosso Carnaval em micaretas e vamos jogar lá pra junho e julho". Para ele, "falar de São João hoje é mais plausível”.
Foliões e blocos projetam futuro
O folião e administrador Leandro Rios, de 25 anos, diz que não pretende brincar, nos moldes tradicionais, o Carnaval de 2022. “Se tiver Carnaval, vou querer muito, mas não vou participar por receio e achar que muita gente ainda não está aceitando a vacina, muita gente não se cuida tanto como deveria”, lamentou.
“O máximo que eu posso fazer é juntar uns amigos, fazer uma festa à fantasia, um churrasco, algo desse tipo, mas ir para as ladeiras de Olinda, não iria. É de doer o coração, mas não participaria, de fato”, completou Leandro, acrescentando que não costuma celebrar o Ano-Novo como faz com o Carnaval.
Diretor das Virgens do Bairro Novo, um dos mais tradicionais blocos de rua de Olinda, Fred Nóbrega considera improvável haver eventos com segurança no próximo Carnaval. “A gente acha que pode ser que aconteça o Carnaval, mas, como as Virgens é um bloco que sai 15 dias antes da data momesca, temos esse medo de colocar uma multidão na rua”, afirmou.
A própria dinâmica da festa, de reunir muita gente, até de outros locais, complica o cenário, segundo o diretor. “Estamos nos reunindo para ver se a gente vai ter bloco e se, mesmo com o Governo do Estado liberando, vamos manter. O indicativo é que não aconteça”, acrescentou Fred Nóbrega.
“A gente não tem como garantir distanciamento de foliões com bloco de rua. Vai aglomerar de toda forma e, aglomerando, todo mundo vai ter o risco. Não tem como ter os critérios de segurança e acreditar que a segurança vai funcionar”, observou.