Maestro Rafael Garcia: popularização da música clássica é carro-chefe do seu legado
Chileno radicado em Pernambuco, Rafael Garcia, que era também violonista, morreu na noite da última terça-feira (12) em decorrência de um câncer
Sob um concerto de vozes ao seu redor, envolto em amor, orações e levezas, o maestro Rafael Garcia se foi na noite da última terça-feira (12), cercado pelos filhos e por sua companheira de mais de cinco décadas. Aos 77 anos, ele morreu em decorrência de um câncer descoberto recentemente, deixando como legado o reverberar - que antes dele parecia improvável - da popularização da música clássica no Estado.
“Leonardo, meu irmão, quis fazer uma oração e cantar para ele no quarto (do hospital), fizemos isso. Minutos depois ele se foi, com um rosto de paz e serenidade. Parecia que tinha sido dada a permissão de que ele podia ir. Há três semanas estamos todos juntos, meus irmãos, minha mãe e eu, vivenciando tudo, e só pensamos como ele foi uma pessoa adorável e de como o amor é maior do que tudo”, conta a produtora musical Ana Garcia, única mulher dos seis filhos do maestro, que deixou também doze netos.
Criador do Virtuosi
Idealizador do Festival Virtuosi, ao lado da esposa Ana Lúcia Altino – com quem dividiu a vida por 54 anos –, Rafael Garcia era chileno radicado em Pernambuco. No final da década de 1990 criou no Recife o evento dedicado à música clássica, fincando no calendário cultural do Estado programações que incluíam concertos, recitais, apresentações instrumentais em duo ou solo, entre outras atividades que, descentralizadas, ganhavam adeptos também em cidades do Agreste.
Em paralelo às vinte e três edições do Virtuosi – a última delas realizada em março deste ano e, pela primeira vez, em formato virtual por causa da pandemia de Covid-19 – ele propagou a música erudita para quem não a conhecia e enveredou seu desejo de expandir o estilo a outros vieses, a criação do departamento de música da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e projetos como a Orquestra Filarmônica Norte/Nordeste e a Orquestra Jovem de Pernambuco, foram alguns deles.
Paixão e dedicação até o fim
“Ele tinha muito amor pelo que fazia. Foram décadas dedicadas à música e ao prazer em se comunicar, falar sobre o Virtuosi. Em 2019 fez a última regência no festival, e foi lindo, estava lúcido”, complementa Ana sobre o pai, que descobriu o câncer em exames feitos para a inserção de uma válvula para a hidrocefalia que lhe acometia. Rafael Garcia também estava com Alzheimer.
“Ele recebeu todos os cuidados, mas o câncer veio agressivo. Ainda assim seguiu com humor e com a rotina de acordar contando uma piada e beijando mamãe, e isso nos emocionava. Minha mãe, aliás, tem demonstrado uma força que tem nos surpreendido. Está dolorida, mas, forte. Nosso foco agora vai ser ela”, ressalta, sobre Ana Lúcia Altino, também de 77 anos.
“Havia um companheirismo grande entre eles, era forte, era profundo. Ele dizia sempre depois de uma discussão que a relação deles era pra sempre, pois tinha um contrato assinado. Refleti muito nestes últimos dias sobre os dois”.
Carreira com regêências de peso
À frente de mais de 200 concertos em obras de compositores diversos, a trajetória do maestro (e violinista) Rafael Garcia inclui a batuta em orquestras internacionais, além de trabalhos para captar elementos da cultura popular do Nordeste e levar à arte erudita, com Ariano Suassuna e Cussy de Almeida na formação da Orquestra Armorial. Foi Spalla (primeiro violino) no Ballet Bolshoi e na Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp).
Em 2005 se tornou Cidadão Pernambucano, após título concedido pela Assembleia Legislativa do Estado. “Papai buscava a perfeição no que fazia. A partir disso nos deu a liberdade de fazer o que a gente desejava, mas com a exigência de que também buscássemos a perfeição. Com a música ele foi emoção o tempo todo, principalmente quando ensinava, e o trabalho com a Orquestra Jovem diz muito sobre isso. Ele era vaidoso, gostava de falar com o público e tinha prazer em levar a música clássica para qualquer lugar”, finaliza Ana.