Arte

Paulo Bruscky completa 50 anos de exposição censurada e dispara: 'Nunca tive medo'

Artista multimídia pernambucano fala sobre seu trabalho, censura e novo projeto

Paulo Bruscky, artista pernambucano - Melissa Fernandes/Folha de Pernambuco

O nome e o rosto de Paulo Bruscky, 72, aparecem estampados em um “anúncio de falecimento” publicado na edição do dia 6 de outubro da Folha de Pernambuco. A ação relembra os 50 anos recém-completados de “Arte Cemiterial”, primeira exposição individual do artista multimídia pernambucano que, mais vivo do que nunca, segue ousando e provocando através de uma obra livre de formalismos.



Censurada pela ditadura militar brasileira, “Arte Cemiterial” foi fechada no mesmo dia da sua abertura, em 8 de outubro de 1971, na antiga Galeria de Arte da Empetur. Nem por isso Bruscky deixou de mirar sua arte sempre crítica contra os desmandos daquele regime. 

Para falar desse assunto e outros mais, ele recebeu a equipe da Folha em seu ateliê, no bairro da Boa Vista. Abarrotado de peças de arte, arquivos e todos os tipos de objetos que Bruscky traz das ruas, o local reflete bem a bagunça inventiva da sua mente.
 



Arte Cemiterial

Foi uma exposição muito ampla. Contava com poema-processo, colagem, desenho, performance. Era uma retrospectiva de tudo o que eu tinha feito até então. Fiz um cortejo fúnebre, saindo dentro de um caixão em um carro funerário, da rua da Conceição até a Conde da Boa Vista. Pouco sobrou dessa exposição porque perdi muita coisa na grande cheia de 1975. Algumas obras eu refiz, a partir dos anos 2000, e guardo comigo no meu ateliê.

Censura

Sempre fui muito perseguido e censurado pelo tipo de trabalho que eu desenvolvo. Nunca me incomodei com isso porque sempre tive consciência do que eu faço. Continuo recebendo críticas e sinto a perseguição até hoje, mas minha postura é a mesma. Enquanto for vivo, eu luto contra todas as ditaduras. Nunca tive medo. Uma palavra que não faz parte do meu vocabulário é essa.

Engajamento

O artista é um cidadão como outro qualquer. O ser humano não foi feito para viver na miséria. A cada esquina você vê gente dormindo no chão, estendendo a mão para pedir um prato de comida. Então, como artista, busco refletir sobre essa situação degradante na minha obra.

Apanhador de coisas inúteis

Desde pequeno, eu apanho coisas pelas ruas. Gosto de coisas inúteis. Há coisas que eu sei que eu vou morrer e vão ficar por aí sem nunca terem sido usadas. Às vezes, incorporo em uma obra, às vezes não. Vou jogando tudo no meu ateliê, onde eu sento, tomo minha cerveja e vou olhando as coisas. Isso aqui é a minha vida. Passo mais tempo aqui do que na minha casa. Chego bem cedo, boto comida para as minhas lagartixas.

Sem formalismo

Não tenho uma lógica de pensamento e nem de trabalho. Posso estar fazendo algo nesse momento, mas se me vier uma ideia para outra coisa eu paro o que está fazendo antes. Meus filmes, por exemplo, eu não edito. Estudei em colégio de padre, tive formação católica, mas muito cedo eu me ‘deseduquei’. Não tenho preocupação com nada.

Reedição

Quero reeditar o meu livro “Arte e multimeios”, que lancei em 2010. Gostaria de enriquecer esse novo volume com ilustração, porque ele tem um caráter histórico e didático sobre os multimeios em Pernambuco e no Brasil. Quero incluir novos tópicos, falando sobre a literatura independente em Pernambuco e poema-processo, por exemplo, além de ampliar outros capítulos já existentes. Tenho um acervo muito extenso sobre tudo isso. É uma contribuição que eu quero deixar, porque a pesquisa me fascina muito. Não acredito em outras vidas, mas se existir acho que fui um arquivista.

Arte e tecnologia

Não tenho visto tantos trabalhos de arte-tecnologia feitos adequadamente. Para usar a tecnologia no seu trabalho artístico, você tem que dissecar o equipamento com o qual vai trabalhar como um estudante de medicina disseca um cadáver. O importante é desvirtua-lo da sua função e se tornar coautor com ele.

Referências 

Nunca fui refém de mim mesmo. Tenho minhas influências. O artista que disser que não tem é mitômano. Se não fosse o dadaísmo e o futurismo, eu não teria obra. Adoro os outros artistas. Tenho um arquivo com 50 mil itens de outros artistas. Fico olhando, me lembro, choro, vibro com as obras dos outros. Tenho o meu segmento, mas respeito todos os outros.